Opinião

Troca de cadeiras no alto escalão 

Diário da Manhã

Publicado em 4 de junho de 2017 às 01:21 | Atualizado há 8 anos

Parece ter sido uma boa estratégia a jogada do presidente Temer em trocar dois ministros, conservando-os no alto escalão: Serraglio saiu da Justiça e iria para a Transparência, mas recusou-se, e Temer está numa camisa de onze varas, pois a nomeação de Serraglio visava tão somente manter seu suplente, Rodrigo Rocha Loures, de língua perigosa para Temer numa eventual delação, no foro privilegiado; Torquato Jardim, que era da Transparência, foi para Justiça. Mas com a decisão de Serraglio de voltar à Câmara, Rocha Loures tornou-se um fantasma a assombrar Temer, pois seguramente o ex-deputado vai querer mesmo é salvar sua pele.

É verdade que Serraglio não estava muito cômodo na cadeira da Justiça, devido a constantes diatribes com ministros e membros de seu próprio partido, o que não ocorrerá com Torquato Jardim, que nem sei se é filiado, e foi guindado ao ministério anterior por suas próprias qualidades, não bastasse ter uma postura inatacável. E digo-o “de cadeira”.

Conheço o ministro Torquato há mais de quinze anos, pois temos um amigo comum, o Dr. Helio Miranda, consagrado eleitoralista em Palmas, situando-se no mesmo patamar de Torquato nas lides eleitorais, tendo inclusive obra publicada na área, sendo um dos mais entendidos no assunto. Até aventuro supor que Torquato chamará o Helio para auxiliá-lo em Brasília, pois são amigos de priscas eras e, principalmente, sabe da  sua capacidade, o que viria apenas acrescer experiência à sua equipe.

Aliás, antes de conhecer o ministro Torquato Jardim, trabalhei em 1970 com seu pai, coronel José Torquato Caiado Jardim, quando Jarbas Passarinho era ministro da Educação (e eu, chefe de Gabinete do coronel Júlio Ribeiro Gontijo), e o coronel Torquato ocupava importante secretaria no MEC. Goiano bonachão e jeitoso, sempre encontrava uma forma de apagar qualquer incêndio que surgia naquela época de um ministério coalhado de coronéis (Gontijo, Aboudib, Toja, Costa Ferreira e outros). E muitos anos depois é que fui saber que o hoje ministro Torquato Jardim era seu filho, e vejo que puxou ao pai no resolver com diplomacia e competência os problemas que sempre surgem.

Quando exerci a presidência do Tribunal Regional Eleitoral tocantinense, o Helio Miranda nos apresentou, e fizemos amizade, embora o hoje ministro não tivesse nenhum interesse em processos naquele Regional, posto que atuava sempre no TSE. Mantínhamos boa convivência, e sempre almoçávamos juntos, tanto em Palmas como em Brasília, e era comum nos reunirmos na chácara do Helio, em Palmas, para um churrasco, na companhia do também ex-ministro do TSE e amigo Fernando Neves.

Torquato Jardim, pela sua postura fora do cargo, era um homem simples, ponderado, que só fala quando lhe convém, embora tenha sempre assunto para um bom bate-papo; pelo que sei, não é de se meter em situações que comprometam seu bom nome e sua capacidade, já tendo sido ministro do TSE por duas vezes, em épocas mais serenas, não lhe sabendo do comportamento em épocas conturbadas como esta em que vivemos.

Se a ida de Torquato para a Justiça abriria um natural leque de negociações no TSE, pois é evidente que ele mantém boas relações naquela Corte Eleitoral, mas também traria uma grande preocupação para a Lava Jato, pois em fevereiro deste ano, ainda na condição de ministro da Transparência, durante palestra a advogados, ele criticou alguns procedimentos daquela operação,  listando problemas como as longas prisões provisórias, com duração de até 30 meses, e afirmou que vazamentos seletivos geram “nulidade absoluta” de processos. Agora caiu no seu colo o destino da Lava Jato.

Jardim chegou a criticar o fato de pelo menos dois executivos da empreiteira OAS terem sido condenados sem provas, e, embora sem citar o juiz Sergio Moro, disse que a sentença os considerou como responsáveis por fraudes contra a Petrobras, enquanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região os absolveu por falta de “indícios mínimos”. Vamos ver sua postura agora, no ministério da Justiça, que pode inclusive trocar o comando da Polícia Federal. Nas suas primeiras declarações sobre essa hipótese, Torquato foi evasivo, o que semeou uma dúvida sobre os interessados diretos, ou seja, os delegados federais que conduzem a Lava Jato e, evidentemente, a grande quantidade de políticos e empresários envolvidos na operação.

Tão logo foi anunciada a nomeação de Torquato Jardim para a Justiça, a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ANDPF)  informou que  “gera preocupação e incerteza sobre a possibilidade de interferências no trabalho realizado pela Polícia Federal (…) Os delegados de Policia Federal foram surpreendidos com a notícia da substituição, até mesmo porque desconhecem qualquer proposta de Torquato Jardim para a pasta”, pugnando por ser essencial que seja instituído o mandato para diretor-geral da PF, “de modo que mudanças de governo ou de governantes não reflitam em interferências políticas, cortes de recursos e de investimentos que prejudiquem as ações da Polícia Federal”. Mas antes de Torquato chegar ao ministério, Temer, meio à socapa, já podava recursos da Polícia Federal.

Pela falta de habilidade no conduzir da Pasta, e agora com seu nome envolvido em delações, Serraglio era considerado um ministro fraco, e que, por isso mesmo, não tinha influência no comando da PF e não conseguia interferir nos rumos da Lava Jato. E o Planalto optou por Torquato por considerá-lo com personalidade suficiente para retomar o controle da PF, mas o novo ministro informou que só depois vai se pronunciar sobre a situação da direção da PF e outros assuntos referentes à Pasta. Não é uma cômoda encruzilhada, pois a PF é subordinada ao Ministério da Justiça sendo um dos principais braços da Operação Lava Jato, que já caiu no gosto do povo, e a troca do eficiente delegado Leandro Daielo por outro delegado como diretor-geral da PF vai, sem dúvida, desgastar o Governo, pois terá o sabor de ajeitar as coisas, no momento em que se sabe que a cúpula e a base aliada de Temer, inclusive ele próprio, estão recanteadas nos corredores da Lava Jato.

Quanto à influência de Torquato no TSE, é indiscutível, num Judiciário em que o cumprimento da lei baseia-se mais no que se discute nos bastidores, com o absurdo de ministros falastrões anteciparem suas posições, já se antevendo o resultado dos julgamentos, e absurdamente propalando: Temer já tem tantos votos contra e tantos a favor. Que Judiciário é este, meu Deus?

Mas não há dúvida de que o ministro Torquato, pelo que conheço, saberá se desvencilhar nas areias movediças que lhe são reservadas, tanto no TSE quanto na Lava Jato.

Mas que é uma situação difícil, lá isto é.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI -, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])


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