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Diário da Manhã

Publicado em 27 de junho de 2017 às 04:33 | Atualizado há 8 anos

Vo­cê es­tá aca­ba­da. Sua épo­ca já pas­sou. Nin­guém mais quer gra­var seus dis­cos. La­men­to, mas não há na­da que eu pos­sa fa­zer…

Es­sa era a mi­lé­si­ma ten­ta­ti­va que a ve­lha se­nho­ra fa­zia pa­ra vol­tar ao ce­ná­rio ar­tís­ti­co do Pa­ís, on­de ela, um dia pon­ti­fi­ca­ra co­mo uma das mai­o­res can­to­ras. Ali mes­mo, na­que­le es­cri­tó­rio, on­de saía ago­ra, hu­mi­lha­da, ca­bis­bai­xa e der­ro­ta­da, as­si­na­ra mui­to e mui­tos con­tra­tos mi­li­o­ná­rios, con­se­gui­dos por es­se mes­mo em­pre­sá­rio, que en­ri­ca­ra so­bre a sua fa­ma e que, ago­ra, ape­nas la­men­ta­va não po­der fa­zer na­da. Nem uma pa­la­vra de con­so­lo, nem um ges­to de ca­ri­nho, nem o anun­ci­ar de uma es­pe­ran­ça. Na­da.

Ao en­trar no seu pe­que­no apar­ta­men­to, em Co­pa­ca­ba­na, a ve­lha se­nho­ra ex­tra­vas­ou to­da a sua re­vol­ta, cho­ran­do de­ses­pe­ra­da­men­te.

Mais cal­ma, aque­la se­nho­ra sen­tou-se no chão do de­sar­ru­ma­do quar­to on­de vi­via. Abriu seu ve­lho ál­bum de re­cor­tes – lá es­ta­va to­da a sua vi­da ar­tís­ti­ca, con­ta­da, em pro­sa e em ver­sos, pe­la im­pren­sa do pa­ís; “Su­ces­so no cas­si­no da Ur­ca, can­ta no Pa­lá­cio do Ca­te­te, a pe­di­do de Ge­tú­lio Var­gas, can­ta pa­ra Jus­ce­li­no, elei­ta Ra­i­nha do Rá­dio, con­quis­ta a Eu­ro­pa”. Jun­ta­men­te com as no­tí­cias a ve­lha se­nho­ra re­via ca­pas de re­vis­tas de sua épo­ca áu­rea: foi ca­pa da re­vis­ta O Cru­zei­ro. Em to­das elas, exi­bia o sor­ri­so vi­to­ri­o­so, o sor­ri­so que ela não mais sa­bia fa­zer.

A ve­lha se­nho­ra se le­van­tou com di­fi­cul­da­de. Co­lo­cou um dos seus dis­cos na vi­tro­la em­po­ei­ra­da. Vol­tou a sen­tar-se. Fe­chou os olhos e lhe pa­re­cia ou­vir os aplau­sos da mul­ti­dão, que sem­pre a sa­u­da­va, nos au­di­tó­rios da Rá­dio Na­ci­o­nal, com gri­tos de “é a mai­or”, “é a mai­or”. Sem dú­vi­das, pen­sa­va ela, a gló­ria é efê­me­ra. O dis­co con­ti­nu­a­va to­can­do na vi­tro­la, re­lem­bran­do um su­ces­so do pas­sa­do, mas a ar­tis­ta não mais abriu os olhos pa­ra ou­vir, ao lon­ge, o aplau­so da ima­gi­ná­ria mul­ti­dão. Es­ta­va tu­do aca­ba­do. Sua épo­ca já pas­sa­ra. Nin­guém mais to­ca­va seus dis­cos…

 

(Lu­iz Al­ber­to de Quei­roz, es­cri­tor, au­tor de 22 li­vros, en­tre eles: O Ve­lho Ca­ci­que (so­bre Pe­dro Lu­do­vi­co, 8ª edi­ção es­go­ta­da), Mar­cas do Tem­po (de Ge­tú­lio Var­gas a Tan­cre­do Ne­ves), 3ª ed. Es­go­ta­da), Olím­pio Jayme – Po­lí­ti­ca e Vi­o­lên­cia em Tem­pos de Chum­bo, 1ª ed. – es­go­ta­da)


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