Opinião

Um “disse me disse” chamado mercado

Diário da Manhã

Publicado em 3 de fevereiro de 2016 às 23:52 | Atualizado há 9 anos

O que fazem 120 milhões de camponeses brasileiros nas periferias, quebradas e amontoados urbanos das cidades do País? O que torna quase metade das terras férteis brasileiras ociosas e improdutivas? Por que uma grande cidade como Goiânia possui metade de lotes e áreas completamente desabitadas e inutilizadas enquanto outra metade de habitantes mora mal, em “puxadinhos”, pagando aluguéis pornográficos e apartados da “festa” da cidade?

Por que ainda somos um País de analfabetos? Por que no País do samba e do futebol se paga o menor salário dos Bricx? Por que a saúde ainda é privilégio de poucos? Por que a escravidão ainda persiste? Por que negros e nordestinos recebem uma fração do que recebem brasileiros brancos do sul/sudeste? Por que…

Algo me intriga! Já que o Estado fora, desde os trágicos anos FHC (1995-2002) submetido ao mais amplo regime de privatização conhecido na recente história econômica e que, desta forma, a ação regulatória do Estado é, conforme canta Carlos Drumond de Andrade, um “quadro na parede”, uma lembrança, uma vaga recordação… Não teríamos que, segundo a profecia de fé dos neoliberais brasileiros, ter um Estado moderno, ágil e eficiente?

Já não é tempo de uma telefonia barata, de ampla cobertura, de lapsos miúdos e alto rendimento? E as estradas privatizadas não deveriam ser, de fato, de excelente padrão e qualidade? Temos isso? E os planos de saúde, estes combatentes bravios e explícitos do Sistema Único de Saúde (SUS) não deveriam cobrir os procedimentos dos que precisam e que mesmo pagando, vivem sendo barrados em operações necessárias?

Com tantas escolas de ensino superior espalhadas no tabuleiro brasileiro… Quem, de fato, faz pesquisa? Onde estão as boas extensões? Onde estão os grandes mestres e pesquisadores?

Mercado eficiente por aqui? Existe sim… Na cabeça de economistas do PSDB ou no raciocínio ocioso de nossas elites abestadas e gravitantes entre a MIami – balneário das máfias internacionais – e analistas efeminados e que tentam convencê-las de que “não, vocês não são negras, índias ou caboclas. São brancas e de sangue real”.

O mercado real, objetivo, concreto e histórico é um ampliado de câmbios diversos e dominado pelo crime inteligente, organizado, estatal e paraestatal de monopólios e oligopólios; é esta ampla porção econômica que se nega a pagar direitos trabalhistas; que derrama tambores de lixo tóxico nos rios e aguados da cidade ou do campo; que toma áreas públicas para a eterna especulação da cidade; que frauda balanços para fins de sonegação; que forja o acidente e o sinistro para o beneficio do seguro.

Mercado? Nosso mercado é laranja, aliás, a figura do “laranja”, do preposto no esquema, no estratagema, no ardil é fundamental para a acumulação de capital desta ou daquela forma. De outro modo, o “laranja” é elemento pouco estudado, contudo, detentor de papel central para a viabilização de rendas, de seus respectivos acúmulos e do consequente poderio econômico deste ou daquele “homem de bem”.

O mercado efetivo, e estou falando, do marginal e dependente mercado brasileiro, é uma abstração que nada diz e que nada explica, ao contrário, é termo ambíguo que traz em si, universos decadentes, periclitantes e sem qualquer relação com os discursos exitosos e triunfalistas de economistas de direita.

Aliás, imagine “nosso” mercado sem a interceptação da coisa roubada; sem a sonegação; sem o burlamento diário da lei, da norma, da regulamentação estatal; sem o trabalho fácil, barato e humilhado de nossa juventude e que, definitivamente, não será pago? Imagine “nosso” sacrossanto mercado, sem seus desvios cotidianos; sem o punhal fundo do juro sem-fim; sem o contrabando do Paraguai; a muamba de Miami; a cocaína colombiana; a propina na alfândega, na barreira ou no guarda de trânsito?

Isso é o mercado; essa é a economia, e, isto é Brasil.

 

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana -USP e professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG, campus Itumbiara)

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