Um paralelo e as coincidências
Redação DM
Publicado em 10 de junho de 2016 às 02:31 | Atualizado há 9 anosNeste momento político conturbado, em que a Lava Jato encostou no oitão do Planalto, o brasileiro viveu momentos de apreensão entremeado de alívio e de alma lavada, com os episódios que ultimamente sacodem os alicerces do poder. A Lava Jato tornou-se assunto de Estado, e tem sido até objeto de barganha para cargos de alto coturno, sem se falar em ter, indiretamente, provocado a queda de ministro e declarações em seu apoio pelo próprio presidente da República, tornando-se referência e alçando o intrépido juiz Sérgio Moro à condição de herói nacional. Já se fala em dividir a recente história política brasileira em pré e pós Lava Jato, tanto quanto operação semelhante revolveu a lixeira da corrupção na Itália décadas atrás.
A “Operação Mãos Limpas”, ou “Mani pulite”, foi uma investigação judicial de grande envergadura na Itália, iníciada em Milão, que visava esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990, na sequência do escândalo do Banco Ambrosiano em 1982, que implicava a Mafia, o Banco do Vaticano e a loja maçônica P2, resultando numa verdadeira catástrofe no cenário da chamada Primeira República Italiana, levando ao desaparecimento de muitos partidos políticos. Alguns políticos e industriais cometeram suicídio quando os seus crimes foram descobertos. Sobre essa operação a escritora e advogada Silvana Marta tem-nos brindado ultimamente com primorosos artigos.
Pois bem, no início dos anos 90, o dissidente da KGB (o SNI da União Soviética) Vladimir Bukovsky trouxe dos chamados “Arquivos de Moscou” as provas de que praticamente toda a imprensa social-democrata da Europa tinha sido financiada pela KGB durante a década de 80.
De início, as revelações de Bukovski não causaram muito interesse, com uma recusa generalizada, pelo receio de reabrir “velhas feridas”, pois o assunto sobre a guerra fria estava superado. Mas, pouco a pouco, os jornais passaram a dar atenção aos documentos de Bukovsky e suas graves implicações, visto que o Partido Comunista Italiano (PCI) havia recebido pelo menos quatro milhões de dólares da KGB. Nesse ponto, o Parlamento Italiano foi pressionado pela opinião pública a realizar uma devassa fiscal em todos os envolvidos.
O PCI convocou juízes para que se organizasse uma campanha de grande repercussão publicitária na mídia internacional com objetivo mudar a estrutura polarizada que tradicionalmente caracterizava a vida política da Itália, baseada na oposição entre regimes democráticos e comunistas, tendo como resultado o descrédito de toda reivindicação fundamentada no anticomunismo.
Assim, todos os partidos políticos, com exceção do PCI, foram investigados, ao mesmo tempo em que a campanha “Operação Mãos Limpas” tomou para si, por meio de um golpe publicitário, o mérito pelo combate à máfia, uma luta que já estava sendo realizada desde a década de 1980, quando ficaram notórios os trabalhos solitários dos magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, este ultimo realizando seu combate contra a máfia durante onze anos em seu escritório-fortaleza, e o testemunho do ex-mafioso Tommaso Buscetta (que viveu no Brasil) por ser o primeiro “capo” da máfia italiana a quebrar o código de silêncio ou a “omertà” se tornado então um “pentiti”, desencadeou a crise.
Durante a campanha da “Operação Mãos Limpas”, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros, e vários partidos políticos desapareceram, restando apenas três.
A exemplo do Brasil, que criou movimentos clandestinos como o MST e congêneres, que nem CNPJ possuem, durante a “Operação Mãos Limpas” (“Mani pulite”) surgiram muito antes grupos que queriam manter a máfia, como as “Brigadas Vermelhas” (“Brigate Rosse” em italiano), que sequestraram Aldo Moro, cinco vezes primeiro-ministro, em 16 de março de 1978 e assassinado depois de 55 dias de cativeiro. Já no bojo da “Mãos Limpas”, Falconi, que era uma espécie de Sérgio Moro na época, foi assassinado pelo mafioso Giovanni Brusca, juntamente com sua esposa e seus guarda-costas, ao passar de carro por uma estrada que foi dinamitada. Paolo Borselino foi morto num atentado, onde a viatura em que estava explodiu, menos de dois meses depois de Giovanni Falcone ter sido assassinado. As “colaborações” em troca de amenização de penas foram fundamentais.
Vamos às coincidências:
Como que insinuando algo profético, a operação italiana chamou-se “Mãos Limpas”, e aqui, “Lava Jato”, termos que sugerem limpeza; a “Mãos Limpas”, desmantelou a máfia da corrupção italiana, e, aqui, a “Lava Jato” está desmantelando a máfia oficial. Na Itália, muito antes da “Mãos Limpas”, surgiu Aldo Moro, que foi assassinado pelas “Brigadas Vermelhas” quando Sérgio Moro tinha quatro anos de idade, mas a coincidência de sobrenome é intrigante. Tanto quanto as “Brigadas Vermelhas” na Itália, aqui o MST é uma organização clandestina. As “colaborações” de lá correspondem aqui às delações premiadas, com igual importância.
Giovanni Falcone e Paolo Borselino, na Itália, foram solitários magistrados especializados em crimes da máfia; aqui, Moro é especializado em crimes de lavagem de dinheiro de outra máfia, a do governo. Só se espera é que ele continue saudável e encontre companheiros para continuar a faxina, e cujas decisões estão balançando todo um governo e tirando o sono da cúpula governista, que até havia arranjado uma nomeação fajuta para Lula com o fito de ganhar foro privilegiado e cair no colo do Supremo, o que prontamente foi refugado pelo ministro Gilmar Mendes, que, em 18/03/2016, anulou a nomeação e baixou-o à condição de simples mortal, retornando à jurisdição de Sérgio Moro. Coincidentemente, a histórica decisão de Gilmar Mendes saiu no exato momento em que os lulistas ocupavam as ruas de várias capitais em apoio ao governo. Maior balde de água fria era impossível.
Era público e notório que o maior desejo do PT era tirar das mãos de Sérgio Moro as decisões, que estão desmantelando a quadrilha petista, do mesmo modo que Falcone desmantelou a máfia italiana, e, principalmente, sacar da direção da Polícia Federal o seu competentíssimo diretor-geral, Leandro Daiello, tirando do bolso do colete e nomeando o subprocurador-geral da República Eugênio Aragão ministro da Justiça, de quem Lula, nos seus diálogos grampeados, cobrava atitude de homem (ou seja, possivelmente mexer na Polícia Federal). Caiu Dilma, caiu Aragão. E outros balançam.
Agora, manifesto minha preocupação, que, de resto, é a de todo brasileiro que se preza: a “Lava Jato” já tem no seu “cardápio” mais de 200 parlamentares, e do PT são em número menor. É claro, para não dizer claríssimo e evidente, que os não petistas que também estão sob o tacão de Moro e Daiello, apesar de não petistas, certamente vão querer salvar a pele, formar o bloco de pressão para tirarem Daiello (pois não há como mexer com Moro pelas vias legais, posto que vitalício e inamovível).
Quanto à integridade física de Moro, e apesar do apoio presidencial e de todo mundo que se insere na turma dos “fichas limpas”, é preocupante, pois grande parte da cúpula petista tem larga experiência em terrorismo, sequestro e assassinatos, a partir da própria presidente afastada, terrorista confessa. E é inegável o poder de mobilização do PT, demonstrado nos movimentos de rua daquele 18 de março, descontados evidentemente a dispensa de ponto dos servidores, o transporte gratuito, a alimentação e o auxílio das entidades sindicais, subvencionadas por dinheiro noss. Um paralelo entre os movimentos de rua mostra que os de protestos contra o governo só aconteceram aos domingos, pois foram realizados espontaneamente por quem trabalha, enquanto os pró-governo foram em dias úteis, por pessoas arregimentadas e pagas e principalmente por desocupados e até por estrangeiros.
Mas Deus não há de permitir que algo aconteça ao nosso Falcone.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])