Opinião

Um passo a mais por elas, por todos

Redação DM

Publicado em 7 de março de 2016 às 22:50 | Atualizado há 9 anos

Foi uma conquista de grande valor simbólico termos tido o tema da violência contra mulher objeto de redação de milhares de jovens brasileiros no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano passado. Isso porque, infelizmente, apesar dos avanços que temos tido nas últimas décadas em relação a este mal social e cultural, a escalada da violência de gênero não tem se arrefecido na velocidade desejada.
O tema da redação do Enem teve um importante impacto de imediato e outro de mais longo prazo, quiçá mais importante por se tratar de um instrumento formador de corações e mentes, que é a educação. De imediato, joga luz social num tema que interessa não só às mulheres, mas a toda a sociedade.
As mulheres brasileiras já ocupam um lugar na sociedade que não condiz mais com tantas formas de discriminação e violência que ainda precisam enfrentar. Somos maioria em números absolutos na população (51,3% segundo o último dado do IBGE), somos maioria entre os eleitores (52%, segundo o último levantamento do TSE). Além disso, nós mulheres estudamos mais tempo, já somos maioria nas universidades brasileiras, representamos 41,9% dos postos formais de trabalho nesse país e nada menos do que 38% das famílias brasileiras são mantidas exclusivamente por mulheres.
Não obstante esse quadro de importância social basilar, as mulheres ainda são vítimas de toda sorte de violência, intolerância e discriminação. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), 77% das mulheres que relatam viver em situação de violência, sofrem agressões semanal ou diariamente.
Em 2015, do total de atendimentos registrados, 63.090 foram relatos de violência, dos quais 58,55% foram cometidos contra mulheres negras. Esses dados demonstram a importância da inclusão de indicadores de raça e gênero nos registros administrativos referentes à violência contra as mulheres.
Dentre os relatos, 49,82% corresponderam à violência física; 30,40% de violência psicológica; 7,33% de violência moral; 2,19% de violência patrimonial; 4,86% de violência sexual; 4,87% de cárcere privado; e 0,53% de tráfico de pessoas (o que significam 332 pessoas nesta situação nos primeiros dez meses do ano passado).
Em comparação com o mesmo período em 2014, a Central de Atendimento à Mulher constatou que houve aumento de cerca de 300% nos registros de cárcere privado, com a média de dez registros/dia; de 165,27% nos casos de estupro, com média de oito relatos/dia, ou seja, a cada 3 horas é registrado um caso de estupro no Ligue 180; e de 161,42% nos relatos de tráfico de pessoas, com registro médio de 1 caso/dia.
Em Goiás, para melhor amparar a mulher goiana nesse triste contexto, temos reforçado a Rede de Apoio e Proteção à Mulher. Atualmente, essa rede é composta por 22 delegacias especializadas (DEAMs), duas unidades móveis de atendimento, uma casa de passagem em Valparaíso, Núcleos Especializados de Atendimento Psicossocial e Jurídico (NEAMs) às mulheres em situação de vulnerabilidade e Centros Especializados de atendimento à Mulher (CEAMs), além de um Centro de Referência Estadual de Igualdade (CREI), em Goiânia, que atende à mulher vítima de violência racial.
Goiânia e Anápolis contam com o projeto Patrulha Maria da Penha, uma parceria da Secretaria Cidadã e Segurança Pública em que equipes compostas por policiais militares femininas promovem preventivamente o atendimento qualificado às ocorrências de violência doméstica e familiar, apoiando o cumprimento das medidas protéticas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 – Maria da Penha.
Outro dado nefasto que precisamos enfrentar são as assimetrias salariais que vivemos no mercado de trabalho, com mulheres ganhando 30% a 40% menos, mesmo realizando as mesmas funções ou ocupando os mesmos cargos que os homens. A evolução tecnológica com o aumento da produtividade e competitividade no mercado de produção de bens e serviços não pode mais conviver com a iniquidade trabalhista de gênero.
Mas todas essas lutas nos campos econômicos e sociais não serão vencidas se as mulheres não tomarmos consciência do embate que precisamos enfrentar nos campos políticos e institucionais. Ainda que já tenhamos conseguido alguns avanços na legislação penal contra agressores, é preciso dar o passo mais importante e duradouro, que é o da ocupação dos espaços de poder na nossa sociedade, a maioria ainda ocupada apenas por homens.
Basta olhar a configuração de nossos parlamentos, onde está a face mais cruel desse desequilíbrio e onde tem sido mais difícil mudar. O Brasil ocupa a centésima quinquagésima oitava (158ª) posição de participação feminina no parlamento, numa pesquisa recente feita com 188 países. É uma colocação vergonhosa também se comparada com nossos países vizinhos, ficando à frente apenas do Haiti. Ou seja, não estamos cumprindo sequer a cota legal de 30% de candidatas nos partidos políticos.
Portanto, é chegada a hora de tomarmos o futuro em nossas mãos e darmos um passo a mais, pelas mulheres e pela sociedade. Na busca de ajudar a disseminar mais essa consciência, o Governo de Goiás e a Secretaria Cidadã lançam neste mês uma campanha que visa chamar a atenção de mulheres e homens para a importância de levantarmos mais a voz contra a violência de gênero.
Com o mote “Não adianta maquiar o desrespeito. Tome uma atitude, denuncie”, a campanha joga luz num dos gargalos que mais travam a luta contra esse tipo de violência, o medo de denunciar o agressor. Aliada à campanha, lançamos também uma mobilização social beneficente que tem a mulher como tema.
Em parceria com a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), a Secretaria Cidadã lança uma frente de mobilização social intitulada ‘Bolsa de Mulher Cabe Tudo’ e convida a sociedade a participar da campanha de arrecadação de escova de dente, creme hidratante, creme dental, absorvente, maquiagens, peças íntimas, espelho. A ideia é, a partir de itens do dia a dia feminino, chamar a atenção para a violência de gênero e para o cuidado que devemos ter com aquela que não só dá à luz, mas ajuda a construir uma sociedade melhor, com mais ternura, tolerância e sensibilidade.

(Lêda Borges é deputada estadual licenciada e Secretária Estadual da Mulher, Desenvolvimento Social, Igualdade Racial, Direitos Humanos e do Trabalho)

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