Opinião

Um problema hereditário

Redação DM

Publicado em 13 de fevereiro de 2018 às 21:10 | Atualizado há 7 anos

Eduar­do era pai de Rui. Am­bos meus ami­gos. Um dia os cha­mei pa­ra al­mo­çar co­mi­go. Acei­ta­ram, que bom. Co­mer ou be­ber um cho­pe, sem com­pa­nhia, não tem gra­ça.

Lá pe­lo me­a­do do al­mo­ço, olho pa­ra o Eduar­do que fa­la­va al­gu­ma coi­sa, não sei o que. Mas vi no ros­to de­le cin­co grãos de ar­roz que fi­cou gru­da­do no seu ros­to. Dois na tes­ta, um aci­ma do lá­bio su­pe­ri­or, ou­tro no in­fe­ri­or e o úl­ti­mo na pon­ta do na­riz. Achei aque­la mar­ca­ção mui­to en­gra­ça­do, po­rém, man­ti­ve-me sé­rio. Não é edu­ca­do rir de quem faz o que não vê. Mas quan­do seu fi­lho Rui co­me­çou a dis­cor­rer so­bre du­plas ser­ta­ne­jas, tam­bém me man­ti­ve sé­rio. Em cer­to mo­men­to, fui olhar pa­ra quem fa­la­va o Rui, en­tão, pe­di li­cen­ça e me sa­fei da me­sa, se­gu­ran­do o ri­so.

Lá fo­ra, des­tam­pei a rir des­vai­ra­da­men­te. É que o fi­lho de Eduar­do es­ta­va tam­bém com cin­co grãos de ar­roz co­la­do no ros­to. Cu­ri­o­so: to­dos os grão­zi­nhos no mes­mo lu­gar em que es­ta­vam os do pai. Dois na tes­ta, um no lá­bio su­pe­ri­or, ou­tro no in­fe­ri­or e um na pon­ta da ven­ta. Pen­sei co­mi­go se­rá que a coi­sa é co­in­ci­dên­cia? Per­gun­tar a am­bos so­bre as­sun­tos ati­nen­tes à fa­mí­lia não era bom pro­ce­di­men­to. Se­ria uma bai­ta de­se­du­ca­ção. A Ma­ria Mo­re­na che­gou:

– Iron, o pai, o fi­lho es­tão lhe pro­cu­ran­do.

– O Es­pí­ri­to San­to, não?

– Vai, seu es­pí­ri­to de por­co!

– Eles ain­da es­tão com os “ar­ro­zes” na ca­ra?

– Não, res­pon­deu ela: mos­trei-lhes o guar­da­na­po e, quan­do vi, não ti­nha mais ar­roz no ros­to. Eu sa­bia a ra­zão que vo­cê saiu de lá. Ti­nha que rir dos ou­tros. Não sa­be re­le­var na­da.

Vi­xe! Por es­sa ob­ser­va­ção eu não es­pe­ra­va! Se­rá que os Es­pí­ri­tos Guias não gos­ta­ram des­sa ati­tu­de, Ma­ria? In­da­guei.

– Cla­ro que não, né Iron? São tão ami­gos de­les co­mo o são seus. Vai lá!

Foi en­tão que me lem­brei do meu ir­mão­zi­nho Elio. Éra­mos to­dos pe­que­nos brin­can­do no quin­tal de ca­sa, quan­do o ma­ni­nho co­me­çou a cho­rar al­to. Aque­le es­cân­da­lo! Pra mi­nha mãe não pen­sar que fui eu que lhe dei uns co­ques, fui ver o que hou­ve. Ele ha­via en­ca­la­cra­do o pé den­tro de uma la­ta va­zia de ce­ra Par­que­ti­na e não se li­vra­va da la­ta. Co­me­cei a rir e a cha­ma-lo de “pé na la­ta”, se­gui­do pe­los ir­mãos que re­pe­ti­am o es­tri­bi­lho. Ao nos ver zom­ban­do de­le, en­tão o Elio en­trou em pâ­ni­co. Po­rém, de re­pen­te, sem mais nem me­nos, o dó to­mou con­ta de mim. Ca­lei-me e fui ti­rar o pé do Elio pre­so na la­ta. Ain­da bron­que­ei com os ma­nos que ri­am.

– Na­da de zom­bar de­le! (rsrsrsrs!) Is­so po­de acon­te­cer com to­dos! (Pen­sei no ba­ru­lhão de la­tas de ce­ra se ar­ras­tan­do e meu pai gri­tan­do):

–EE­E­Ei­i­ii! Que pa­ra­da é es­sa aí?

– Va­mos pa­rar com is­so? Bre­ca­ram o es­cár­nio. Li­vre do ve­xa­me, o sor­ri­so do Elio fez com que to­dos fi­cas­sem fe­li­zes. Sim. Lem­brei-me dis­so e vol­tei pa­ra a sa­la on­de meus ami­gos al­mo­ça­vam,

– Des­cul­pem-me ami­gos. Fui ver quem es­ta­va no por­tão. Men­ti.

– Na­da! Re­tru­cou Seu Eduar­do, pai do mais no­vo. E es­ta­lan­do o de­do mé­dio no po­le­gar (tap, tap, tap!}, con­clu­iu: “Te co­nhe­ço ó, num é “de on­tem”. Vo­cê foi rir dos grãos de ar­roz nas nos­sas ca­ras.

– Uai! Co­mo é que vo­cê des­co­briu?  E ele:

– É o que to­do mun­do faz..

– Sim. Já que fui des­mas­ca­ra­do mes­mo, me con­tem: co­mo tal fa­to acon­te­ce? Até a quan­tia de grãos e os lo­ca­is nos ros­tos  são os mes­mos.

Foi quan­do Seu Eduar­do ex­pli­cou:

– É um pro­ble­ma he­re­di­tá­rio.

 

(Iron Jun­quei­ra, es­cri­tor)

 


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