Opinião

Uma análise psiquiátrica da situação do irmão de Suzane Von Richthofen

Redação DM

Publicado em 4 de junho de 2017 às 01:22 | Atualizado há 8 anos

Uma médica psiquiatra , R.L.O.B,  me escreve sobre o caso de Andreas, 29 anos, farmacêutico e PhD  em Química Orgânica pela USP, que foi encontrado perto da cracolândia, invadindo uma casa, sujo, maltrapilho, machucado por ter pulado o portão de pontas de ferro de uma casa, que teria invadido, talvez com intuito de furto. Foi levado em surto psicótico para hospitalização psiquiátrica.  A médica descreve sua hipotética avaliação psiquiátrica ( ela não viu o paciente, só faz conjecturas ) e pede que eu opine.  Abaixo eu transcrevo suas impressões :

“Marcelo , olha aí a  genética ( irmão da Suzane )  e mais prova de alterações num continuum de alterações psiquiátricas e alterações neurodesenvolvimentais ( problemas de desenvolvimento cerebral intraútero gerados por uma genética comum na doença bipolar )  que   a mídia, os esquerdistas, muitos profissionais de ciências humanas, sociais, filosóficas e jurídicas  verão  como… “ coitadinho “é porque  era muito novo ( 15 anos )  quando  a irmã matou os pais e o traumatizou”.

“Na minha opinião, o  problema psiquiátrico não tratado em Andreas   faz a hiperreatividade  emocional e a ruminação de pensamentos – comuns em certas formas de doença bipolar –  que não o deixam esquecer certos fatos traumáticos.  Isso cria uma situação chamada em psiquiatria de transtorno de estresse pós-traumático, que é muito comum em pacientes que têm uma genética bipolar latente.  Esse elemento traumático na vida do paciente hipnotiza o   pessoal  e eles trocam os sinais de  tudo , esquecendo o lado  biológico,  vendo só  o meio psicossocial  ,  crendo  que  não passamos de   esponjas embebidas do “social”, ou seja,  influenciadas só  pelo lado  de fora.  Na verdade, sabemos  em psiquiatria que quase  só   “esponjamos negativamente”,  patologicamente,   ao nos desequilibrarmos pelo lado  de dentro, ou seja, pelo lado biológico, doença mental, seja por humor, psicose, quebra do eu ( o chamado “processo psíquico de Karl Jaspers” ) … etc”

“A  mãe de Andreas  parece que era médica psiquiatra, talvez  com aumento de energia meio workahoolic… poderia ter uma bipolaridade funcional ou latente.  Muitos psiquiatras, nós que o somos sabemos, procuram esta área para entender as próprias complicações, p.ex.,  que talvez deu depressão na gestação, etc. “

“Meus argumento contra  só o ambiente ser a causa: se assim o fosse, seria uma  pura reatividade  normal ao horror ocorrido na época do crime, ou seja,  seria uma disrrupção aguda e imediata ou próxima dos episódios de assassinato  de seus pais…”

Concordo com as opiniões dessa médica. Acrescentaria algumas coisas . Há aproximadamente 6 meses publiquei um artigo onde falava dos problemas psiquiátricos que eu via no caso de Suzane.  Advogava exatamente uma bipolaridade com problemas neurodesenvolvimentais, alterando região frontal do cérebro, cursando com  possível frieza do tipo psicopática, frieza essa que, em conjunto com estressores, ou talvez um humor distímico/depressivo, produzissem tanto ódio ou desconsideração com os pais. Fui extremamente atacado, basicamente porque , segundo meus opositores, eu estava “transformando tudo em psiquiatria”, estaria transformando problemas de caráter em psiquiatria,  crimes em psiquiatria, “falta-de-vergonha”,  “pura maldade”,  “menina demoníaca”,  tudo isso em psiquiatria.  Eu rebati dizendo que, apesar de ser um cara truculento, agressivo, mau mesmo ( que gostaria de fuzilar praticamente  todos bandidos e criminosos ) , quanto mais eu convivo com a psiquiatria – já do fundo dos meus 36 anos de hospital psiquiátrico – mais eu me convenço de que as “grandes maldades” não são um problema de “caráter”, mas sim um problema de doença cerebral, doença essa, é claro, que sofre todo tipo de influência familiar, psicológica, social, mas nem por isso deixando de ser uma doença.  As “maldades normais” , dentro dessa perspectiva, não são essas “grandes maldades”, essas que aparecem na mídia, mas sim aquelas “pequenas e escondidas” maldades, aquelas que a gente pratica e poderia escolher não praticar.

Acho que , como disse a médica acima, o caso de Andreas, de certa forma, vem corroborar minha opinião, essa da ligação genética de uma doença psiquiátrica do tipo bipolar, manifestando-se nos dois irmãos de forma diferente, como costuma acontecer muito frequentemente.  No caso de Andreas,  dentro daquela situação muito comum em psiquiatria, que é de uma doença bipolar não controlada, gerando depressão, ansiedade, instabilidade psicomotora, e tudo isso desembocando, sem tratamento, na necessidade que o paciente tem de “tratar-se a si mesmo” com uso de drogas. E, do uso de drogas, vem a delinqüência, os distúrbios de conduta, agressividade, criminalidade.

 

(Marcelo Caixeta é médico, especialista em psiquiatria pela Universidade de Paris XI (Le Kremlin Bicêtre ) , sub-especializado em psiquiatria criminal ( forense ) , pela Assoc. Bras. Psiquiatria ( [email protected] ) .  Escreve no Diário da Manhã , de Goiânia, às terças, sextas, domingos . Acesso livre em impresso.dm.com.br)


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