Uma impagável dívida de gratidão
Redação DM
Publicado em 10 de fevereiro de 2016 às 01:00 | Atualizado há 9 anos
A fila do pedido é infinitamente maior que a do agradecimento. Ninguém entra na ala da gratidão porque ingratos somos todos. A Deus e ao próximo. Ao assumir o cargo de redator-chefe de um jornal diário, aos 17 anos de idade, um ser humano iluminado apareceu no meu caminho e me ensinou a ultrapassar os limites do sonho para chegar longe, mais pelo esforço do que pelo talento. Passados 50 anos, assumo uma dívida de gratidão impagável com uma das pessoas que mais influenciaram a minha vida.
Mais do que mestre e conselheiro, o jornalista Iron Junqueira foi meu anjo da guarda nas longas caminhadas, madrugadas afora, entre a redação e o bairro onde morávamos. Sem ter sequer bicicleta, não me faltava um amigo para me proteger e me dar aulas de vida naqueles momentos ricos e inesquecíveis de minha juventude. A cada aula do profissional experiente de extraordinário talento e a cada conselho oportuno do homem de irretocável caráter, tornava-se maior o meu débito de gratidão.
Ainda muito jovem cometi um deslize imperdoável ao plagiar uma crônica do amigo benfeitor, sábio e humilde, que em vez de ficar irado aconselhou-me como um pai a não repetir o erro. De alma extremamente generosa, ele nunca comentou o episódio com ninguém, mas nem por isso eu poderia deixar de realçar eterna gratidão à magnitude de seu gesto.
História de uma vida dedicada às letras à caridade. Iron Junqueira edificou o Lar da Criança “Humberto de Campos”, que completa 50 anos de assistência a mais de oito mil menores, de três a 12 anos, através da publicação de mais de uma centena de livros de sua autoria. Um dos escritores brasileiros com maior número de obras publicadas. Aos 78 anos, escreve ao correr do teclado, com velocidade e versatilidade impressionantes.
Certa vez, ao encerrar um entrevista, respondeu em um segundo: “Tema livre? Temos livros!”. Outro dia, voltava do açougue com um quilo de carne – tudo o que conseguira para o almoço de aproximadamente 200 crianças – quando entregou o pequeno pacote a um homem que alegara não ter como matar a fome dos filhos. Na mesma hora, o “Lar da Criança” recebia doação de quantidade de carne suficiente para várias semanas. Sempre grato a Deus por prover as necessidades enormes da instituição, ele nunca renegou exaltar gratidão aos seus mantenedores.
Embora a fotografia de meu coração revele intenso amor e imensurável admiração ao dileto amigo Iron Junqueira, durante décadas permaneço sem tributar o meu reconhecimento à sua extremada solidariedade, pelo menos com um abraço, sequer um aperto de mão, para resgatar parte de minha impagável dívida de gratidão.
(Manoel Vanderic, jornalista)