Opinião

Uma psicóloga me critica (em relação ao artigo que fiz da doença mental do piloto suicida alemão Andreas Lubitz) e eu respondo  

Redação

Publicado em 3 de maio de 2015 às 01:40 | Atualizado há 10 anos

“Olha Marcelo, eu respeito a sua opinião e dou a minha. Tenho formação psicanalítica sim (psicologia), mas também preciso diagnosticar para poder tratar. E a compreensão da estrutura do sujeito é algo que seria interessante você estudar. E não se pode achar pasta para todos os arquivos. Há arquivos que não podem ser colocados em determinada pasta porque diferem do conteúdo. Era isso q eu estava falando. Não sou contra a medicação, mas o consumo no Brasil tornou-se algo absurdo. Ninguém mais sente dor. Estão robotizados sim, pelo entorpecimento medicamentoso. Mais uma coisa. Vc deve ser um bipolar”.

Minha interpretação (já que a psicóloga pode diagnosticar, eu também posso psicanalisar, não é?): nota-se a “raiva” contida da soberba senhora. Argumentos ad hominem (contra a pessoa) substituem os argumentos “contra as ideias”. Tanta psicanálise – feita nos outros e em si mesma – não deveria “curar” isto? Recrimina-me por diagnosticar, por “catalogar pessoas em arquivos”, por “medicar a dor existencial”, por ajudar “hiperconsumir remédios”, por “anular a dor necessária dos outros” (sim, é importante deixar que as pessoas tenham dor, aí elas são obrigadas a dar dinheiro para o psicanalista as “socorrer” de suas pobres existências…). É a mesma coisa de abolir os analgésicos para valorizar os dentistas. E não é só remédio : Deus, amor, família, caridade, ocupação útil, também isto “não vale”. São “muletas existenciais”. “O que aprofunda mesmo é a Psicanálise”… Até concordo com você que “para tratar é preciso diagnosticar”. Já se a Psicanálise lhe fornece elementos para diagnosticar problemas mentais médicos isto já é outra discussão… Vejamos. Quanto ao “diagnóstico” médico que você me dá, apesar de ver nele mais um xingamento psicofóbico do que uma real constatação científica, (não é preciso ser psicanalista e atentar-se, como você diz, para a “compreensão da estrutura do sujeito”, para dar-se conta disto), dou-me à atenção de esmiuçá-lo. Se sou bipolar? Não é vantagem nenhuma saber disto pois, ao contrário dos psicanalistas, que estigmatizam a doença mental a ponto de negá-la, eu a apregoo há mais de 20 anos, publicamente, basta ler  minhas colunas . Diagnóstico “post mortem” não vale, amiga psicanalítica… Mas e se eu tivesse um glioblastoma multiforme de evolução lenta na região orbitofrontal você me diagnosticaria? Se eu tivesse uma neurolues terciária com goma mesodiencefálica? Se eu tivesse uma neurocisticercose racemosa com hidrocefalia obstrutiva, você me diagnosticaria? Uma vasculite lúpica neuropsiquiátrica com leucoencefalopatia microangiopática? Tudo isto pode dar sintoma bipolar… Ou você faria, como você disse aí acima , e acertaria, o “seu diagnostico psicanalítico? ” Peraí, mas “doença bipolar” não é diagnóstico psiquiátrico? Pelo que você mesmo disse, ao invés de me estar reduzindo biologicamente a uma desarmonia dos neurotransmissores, você não deveria estar é “compreendendo minha estrutura do sujeito ?” Por que ao invés de fazer isto você está me reduzindo a um “rótulo”? Seria por raiva? Será que não estou pagando a peso-de-ouro sua “hora de cinquenta minutos”? O PT já inventou a “psicanálise pelo SUS” e por isto estou sendo tão maltratado? Então por que você tá pegando emprestado um diagnóstico de uma “ciência” que você despreza? Não seria melhor você, em conformidade com sua psicanálise, dizer que eu tenho um Ideal de Ego Megalomaníaco? Ou que meu SuperEgo padece de uma agenesia por disfuncionalidade do Complexo de Édipo, ausência de uma “adequada Imago materna”? Eu aceitaria melhor… e quem sabe você, com seu brilhante diagnóstico, me convenceria a trocar meu lítio, minha família, meu trabalho, minha caridade, minha religiosidade, meus amigos, por uma vida inteira na horizontal, por uma vida inteira no divã….

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra, escreve às terças, sextas, domingos)

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