Opinião

Uma rua chamada Saudade

Redação DM

Publicado em 22 de maio de 2016 às 01:43 | Atualizado há 9 anos

Eu não sei que idade tinha aquele moleque cujas diabruras se identificavam com as minhas…

Só sei que ele tinha uma irmã e uma prima, que as duas me encantavam o coração, melhor dizendo, dividiam o meu pobre e romântico bronze.

Quando as duas belas primas iam para o jornal que era do meu pai, Sebastião Junqueira, Tribuna de Anápolis, eu ficava babando, ou mais abobado do que já era. Uma era morena, a prima; a outra, loira.

Enquanto entre elas meu bronze derretia, junto às primas apareceu, certo dia, o tal moleque de quem lhes falei… Quando percebi que o levado menino servia de flecheiro do amor, passei a trata-lo com mais atenção. Quem sabe eu precisaria de alguma ajuda relativa a elas, aí, então, o cupido estaria ao meu dispor.

O menino – aquele endiabrado devia ser um adolescente – com a idade de uns 13 a 14 anos, não sei, e se chamava Wilton Alves Ferreira, conhecido por todos pelo codinome Coquinho por ser filho de conhecido, querido e popular anapolino, do saudoso Benedito Côco…

À porta do jornal, à Rua Engenheiro Portela, 388, esquina com a Barão de Cotegipe e, nesta esquina, ficava a Transportadora, onde trabalhavam o João e o Osvaldo, dois excelentes amigos.

Eu já tinha ensinado meu irmão mais novo Alaor a redigir uma crônica para o jornal e a intitulei “vidinha” que era paginada e impressa ao lado da vida.

Mas como o Wilton Coquinho começou a fazer parte da galera, estava sempre ali na redação com suas belas parentas; uma loira, outra morena; e meu coure só apanhando delas…

Era tal de “ou decide logo ou desocupa a noiva”… Entre as duas eu ficava zambeta.

Com qual eu me decidiria?

Enquanto o guri alegre e brincalhão ia lendo o que eu escrevia, gostava, e ficava cada vez mais “invocado”…

Em clima de molecagem eu disse a ele: – Coquinho, meu irmão caçula aprendeu aqui, comigo, a escrever uma crônica, toda semana. Você não quer tentar?

Nossa, no que eu falei isso, o menino deu pulos de alegria…

E eu vi as chances se abrirem para mim, ao pensar nas meninas que todo dia estariam ali, no jornal, claro que na companhia do moleque, onde ele começou sua vida literária e jornalística.

Meu pai, dono do jornal, no entanto, trabalhava na Rádio Cultura, deixando os funcionários e a direção do semanário, e tudo o mais relacionado, sob a minha responsabilidade.

O destino é a moenda que roda e não para, dando rumo ao curso da vida e a ninguém prestando contas do seu permanente marejar.

E foi então que, depois de ter iniciado seu trabalho no jornal, tendo publicado uma meia dúzia de crônicas na Tribuna de Anápolis, o jornal foi vendido, eu fui convocado a trabalhar na Rádio Cultura – e nunca mais retornei ao antigo aconchego de alegria, de labor e de meus amigos…

Não mais vi as meninas e nem o seu fiel escudeiro barulhento, o bambino Coquinho.

Passei um dia pelo local, o jornal não era mais ali. A Transportadora tomara todo o espaço, inclusive o do local onde funcionava a Tribuna.

E as meninas bonitas da minha veneração e o “Velinha” delas?

Não sei. Ninguém ali me deu notícias…

Alguns anos depois fui descobrindo através da amizade do então jovem, agora adulto, Wilton Alves, que as meninas tinham se casado; a morena com o Watson Alves Ferreira, irmão do Coquinho; eram primos; então a morena eu já tinha perdido; a loirinha tinha se casado com o dono da Transportadora. Senti que eu fui o ponto de ligação na vida desses queridos e inesquecíveis contemporâneos…

Mais algum tempo se passou e nem mais o amigo Wilton Alves Ferreira eu encontrei, na cidade. Contaram-me que ele tinha se mudado para Imperatriz (MA), onde fora trabalhar na área da comunicação: jornal e rádio.

Depois de ter publicado vários livros, recebi um jornal de Imperatriz, onde havia uma crônica sobre mim, muito boa, sincera, leal, escrita pelo escriba Wilton Alves Ferreira, que falava da minha pessoa evidenciando sua gratidão e amizade com seu talento de síntese, mas que me comoveu muito.

Essa crônica dele é a introdução do meu livro “Na trilha da Esperança” já na sua 2ª edição.

Saudade daquele tempo. Sinto que a gente não leva a vida. Ela é quem nos conduz para os caminhos adrede definidos para nós.

Hoje Wilton Ferreira é figura popular – e pública – respeitável na cidade maranhense, já mencionada, onde labora na mesma profissão, está casado e tem filhos. Mas continua o mesmo fanfarrão, alegre e feliz como sempre.

Está publicando um livro que, por certo, será sua obra prima, gerado na gráfica do seu coração, venturoso, que começou sua lida junto à sua galerinha, hoje quase decana que se conheceu na porta do jornal que mudou o destino de todos nós para um país chamado Lembrança, na rua da Poesia esquina com a avenida da Saudade.

 

(Iron Junqueira, jornalista)

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias