Opinião

Uma verdade incômoda

Redação DM

Publicado em 19 de janeiro de 2016 às 22:06 | Atualizado há 9 anos

Uma das imagens mais impactantes sobre a crise humanitária acarretada pela guerra civil na Síria foi a do garoto sírio Aylan, encontrado em uma praia turca, após ter sido morto afogado no mar Egeu tentando chegar à Europa com um grupo de refugiados. A imagem comoveu o mundo, atingindo a opinião pública e influenciando na política dos países europeus sobre o drama das milhares de pessoas que fogem das áreas de conflito, principalmente da Síria.

Recentemente, dois episódios abalaram sobremaneira o comportamento dos europeus em relação aos árabes: os atentados em Paris, na noite de 13 de novembro, no qual terroristas do Estado Islâmico (EI) assassinaram mais de 130 pessoas e, na Alemanha, durante as comemorações do Ano-Novo, mais de 500 mulheres terem sofrido abusos sexuais em série. Nos dois casos, há a comprovada participação de pessoas árabes ou do norte da África, acolhidas como refugiados.

Em sua última edição, o jornal satírico francês, que também já havia sido alvo de ataques terroristas perpetrados pelo Estado Islâmico, quando 12 pessoas foram assassinadas, publicou em sua capa uma charge mostrando um homem correndo atrás de uma mulher com a seguinte pergunta: “Migrantes: no que teria se transformado o pequeno Aylan se tivesse crescido?” A resposta é dada no mesmo espaço, logo abaixo: “Apalpador de bundas na Alemanha.” A charge provocou reações em todo o mundo por ser considerada de mau gosto e desrespeitosa com as tragédias humanas. O pai do garoto morto a qualificou de “desumana”. Considerando o mérito, não vem ao caso discutir se o semanário é ou não de mau gosto; se o seu conteúdo justifica o pagamento ou que o que ele veicula seja ou não digno de credibilidade. Entretanto, atribuir-lhe o epíteto de “desumano” não é apropriado. Ao contrário. A análise, o questionamento sobre o que poderia vir a ser aquele infeliz garoto, morto tragicamente, caso tivesse conseguido chegar à Europa e se tornado um homem adulto, decorre de uma abordagem sob o aspecto humano, demasiadamente humano. Isso significa que a sátira se desvencilhou de toda a aura romântica ou poética que os humanos inventaram para escamotear a sua própria natureza; “homo homini lúpus”, ainda mais quando se adota um discurso de ódio contra todos os que não professam a mesma fé, com a mesma demência. Desse contexto, para permanecer circunscrito ao fanatismo islâmico ao fanatismo islâmico, consequência de uma interpretação tendenciosa e patológica do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, há que se considerar duas questões. Primeiro, a educação que as crianças islâmicas têm – e para a qual são treinadas desde tenra idade, inclusive atuando nas frentes de batalha ou executando atentados suicidas – é a de odiar todos aqueles que não idolatram Maomé, os considerados “infiéis” e que dever ser, por isso, assassinados em nome de Alá. Os ocidentais são esse “inimigo” que deve ser eliminado, mesmo quando a eles se recorre, pedindo ajuda para não morrerem de fome ou em consequência de conflitos fratricidas, ocasionados por subdivisões sectárias. Segundo, os sentimentos que fazem com que vejamos as crianças como seres puros, inocentes ou, como preferem muitos, “os anjinhos na terra”, servem apenas para que a humanidade alimente a fantasia sobre a natureza humana. Toda criança é um potencial adulto que carrega consigo a sua índole, a sua personalidade, o seu gene que se revelará em alguma fase futura, para o bem ou para o mal.

Ainda que deva prevalecer a crença no surgimento de um mundo melhor, de uma humanidade de paz, de fraternidade entre os povos e solidária, é fato que a história das civilizações, desde os seus primórdios até os dias atuais, revela que os humanos vivem em constantes conflitos e, não integrando a cadeia alimentar na sequência dos seres vivos, atua como sendo o predador natural de sua própria espécie. A decepção em relação à humanidade, em razão das mais variadas formas de manifestação da maldade dos humanos, nessa sua eterna sanha e obstinação de subjugar o próximo, faz surgir uma concepção extremamente romântica em relação ao ser humano na fase infantil, tendo neste a projeção da esperança, da pureza, da inocência e da representatividade dos auspícios do Criador. Na verdade, toda a carga de emoção e sentimentalismo que os adultos, em especial os pais, depositam nas crianças nada mais é que o instinto natural de proteção que a natureza requer para a perpetuação da espécie. Seria, por assim dizer, uma “contaminação” social ou da raça humana pela substância ocitocina – hormônio responsável pelo surgimento dos sentimentos de afeto, produzindo em maior escala nas mulheres em período de gestação e amamentação, que contribui para que os pais não rejeitem ou assassinem seus filhos –, para fins da preservação e perpetuação da espécie. Isso, contudo, obnubila a realidade sobre a natureza humana e faz-nos esquecer de que as crianças tornam-se adultas e agirão com todas as suas vicissitudes.

Certa vez, ao assistir a uma aula de medicina legal, diante de um cadáver de um homem que tinha sido um ladrão e homicida, morto pela polícia e entregue à faculdade de medicina como indigente, o professor falou aos alunos para que olhassem para aquele corpo com respeito. Advertiu aos alunos de que ali, diante de todos, estava não apenas um corpo, mas o encerramento de um ciclo humano. Todos deveriam saber e levar em consideração que antes de chegar àquela fase, ele foi uma criança, que nasceu de uma relação afetuosa entre um homem e uma mulher, que teve um colo de mãe, que foi amamentado e que nele foram depositadas muitas esperanças de que seria um homem bom, que teria um futuro feliz e útil à sociedade. Todavia, se não correspondeu às expectativas e seguiu por um caminho errante, oblíquo, no mundo do crime, ao menos naquele momento estava servindo como instrumento de colaboração para o estudo da ciência, da formação profissional. De fato, todos os adultos um dia foram crianças. Entretanto, parece que o ser humano se esquece disso e ignora que pessoas como Hitler, Stálin, Bush, Júlio Cesar, Fernandinho Beira-Mar, Sarney, Barbalho, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e tantos outros psicopatas e assassinos em série, também o foram. Todos eles também nasceram de um contato afetuoso entre um homem e uma mulher, tiveram colo de mãe, foram amamentados e, não obstante, tornaram-se nesses empedernidos e ensandecidos adultos. Na Europa, as crianças islâmicas são orientadas pelos pais para que odeiem os cidadãos nacionais e que dardejem contra eles todas as hostilidades possíveis. A vida das mulheres europeias, por não se vestirem como as muçulmanas, usando véu e cobrindo-se da cabeça aos pés, passou a ser um verdadeiro inferno com a infestação de árabes e outros imigrantes oriundos do norte da África. Tornou-se corriqueiro as mulheres serem agredidas e violentadas sexualmente por estrangeiros imigrantes ou seus descendentes. E as crianças são compelidas a adotarem esse comportamento agressivo, desrespeitoso, demonstrando absoluto desprezo pelos “infiéis” desde a sua fase inicial de vida.

A charge do jornal Charlie Hebdo, ao satirizar a realidade sobre a natureza humana, não foi um ato de crueldade nem de insensibilidade em relação ao menino Aylan, mas uma abordagem isenta de romantismo, numa visão de quem vive a realidade. Afinal, os terroristas que mataram dezenas de inocentes na noite de Paris, um deles era refugiado; dentre os milhares acolhidos pela França. Os outros, descendentes de imigrantes, nascidos na França, tendo obtido a nacionalidade francesa, beneficiários de educação, saúde, habitação e auxílio financeiro, custeados pelos contribuintes e cidadãos franceses.

Ainda que não devamos perder a esperança no ser humano, no surgimento de uma humanidade de paz e harmonia entre os povos, ainda é cedo para deixar de suspeitar que a criança de hoje, aparentemente cândida e angelical, não se revele o adulto sádico e facínora de amanhã. Embora incômoda, essa é a verdade que temos.

 

(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – [email protected])

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