Universidade e liberdade
Diário da Manhã
Publicado em 27 de março de 2018 às 22:36 | Atualizado há 7 anosNa semana passada o Produrador Raphael Barborsa, do Ministério Público Federal (MPF) no Estado de Goiás deu entrada em uma representação contra a Universidade Federal de Goiás (UFG) a respeito da disciplina “Golpe de 2016”. De acordo com o procurador, a proposta do curso seria uma “propaganda político-partidária”. A tese é inteiramente absurda, pois qualquer iniciativa de estudo, debate e pesquisa que se estude a realidade brasileira se estará debate o lugar dos vários agentes políticos da sociedade brasileira.
Primeiramente, a interpelação do MPF/GO soa absurda e autoritária uma vez que confronta abertamente um valor fundamental para o progresso da ciência, a autonomia didática, pedagógica e científica das universidades. Em um segundo momento, se está impedindo que a universidade reflita sobre a realidade brasileira.
Se a tese do MPF/GO prevalecer, amanhã todos os outros estudos que não interessar a um governante ou setor influente da sociedade podem ser questionados e proibidos. Poderemos estudar o Golpe de 1964? Não, não poderemos, pois dirão que é uma propaganda antimilitares. Poderemos estudar o Governo Fernando Henrique? Não, dirão que é um ataque ao PSDB. Bom, então vamos estudar o coronelismo no Estado de Goiás? De jeito nenhum, vão afirmar, isso é um ataque aos caiadismo, o irismo e ao marconismo.
Mas o absurdo pode ir muito mais além e desencadear intervenções contra várias outras pesquisas tais como os estudos sobre gênero (já imaginaram quantas mulheres são violentadas e não podermos discutir as razões?), sobre relações raciais (a não ser que reafirme que vivemos em uma democracia racial) ou sobre violência policial (de forma a silenciar as bárbaras mortes produzidas em todo o Brasil contra jovens negros e da periferia).
Só a autonomia garante que se possa fazer pesquisa de forma isenta. Não se faz uma pesquisa (e elaborar cursos de extensão e disciplinas é uma forma de produzir os primeiros debates de uma pesquisa) para favorecer os interesses desse ou daquele partido, mas para encontrar respostas que podem contrariar até mesmo a visão inicial dos pesquisadores.
Todos nós queremos entender o que se passou na vida política brasileira nas últimas décadas. Muita gente acha que sabe tudo, mas quando começamos a pesquisar, a ler e discutir livremente vamos percebendo que a realidade é muito maior que a nossa percepção. A realidade é muito mais complexa. Portanto, estudar o “Golpe parlamentar de 2016” é uma forma de buscar uma compreensão mais aprofundada sobre a realidade brasileira. Compreender a realidade brasileira sem autonomia universitária é como voltar à Idade Média período em que a Igreja dominante queria definir tudo o que se poderia ler. Esperamos que o MPF não queira fazer essa aberração nos dias de hoje. Esperamos que o Ministério Público Federal em Goiás seja tão sábia quanto o MPF/RS e arquive essa interpelação absurda e que é um verdadeiro ataque à autonomia universitária e à UFG.
(Mateus Ferreira, acadêmico de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás e membro fundador do Centro Acadêmico em Políticas Públicas)