Vai mentir no escamba sô!
Redação DM
Publicado em 25 de setembro de 2018 às 22:58 | Atualizado há 7 anos
Na idade em que estou tudo que falo está sendo ouvido e gravado pelos adjacentes. O que ontem falei e me gradou, agora quando me repetem me degrada e me aborrece. Eu lia opiniões de pessoas e, ao analisa-las, me achava muito esperto. Hoje percebo que apenas me comparava a elas e me achava bom. Hoje escuto as mesmas opiniões e as acho repugnáveis e lamento pela ignorância dita por mim e por elas. Achava os engraçadinhos ousados e engraçados mesmo. Agora os percebo meninões e mal educados, ridículos e idiotas que poderiam estar honrando um cabo de enxada.
A presença dos filhos desaparece quando chega o outono da nossa vida. Mas a gente é a primeira pessoa a defender-lhes nessa falta. “Eles têm esposa e filhos a cuidar”, Sei disso porque, na mesma idade deles, eu tinha meus pais. Triste é quando dizem que a minha experiência é a melhor idade. É uma mentira para consolar quem isto fala, pois sempre quem o diz está insinuando que seu velho está bem, embora lhe dê muito trabalho. A gente percebe a mão de obra extra que proporciona aos parentes, mas se lembra também que tudo foi troca de deveres. Quem ajuda hoje vai ser ajudado amanhã.
Quem melhor já definiu o que seja longevidade foi a escritora Anapolina Aydée Jayme Ferreira, num dos seus excelentes livros de poemas. Quando ela diz “os ossos se descolando da carne”, então me assusto com essa realidade. Hoje com os de idade avançada, cada trecho desse poema, é uma experiência vivida. A visão restringe o suficiente, mas não para enxergar até o que não se quer ver. Já a audição é mais generosa: priva-nos de escutar o que nos é descartável, e nos faz ouvir o suficiente para nos calar. Tudo mudado, não conforme a Evolução, conforme a estagnação sofrida pela grande massa no que concerne ao que recebeu. A gente procura fugir do néscio sem sair do lugar. O fracasso de redação de alguns usuários no Faceboock nos afasta deste expediente de intercâmbio. Isto pra manter o ar que se respira. Rsss!
O que temos de aceitar e que nos contraria muito, por ser terrível óbice à liberdade, é separar-nos do volante. Isso eu não faço! Bradamos logo. Mas temos um policial constante que nos conhece o suficiente para nos tornar subordinados eficientes: é a consciência. Ela nos fala com calma e tamanha precisão, que não tem jeito. Se teimarmos é de ruins que somos. Às vezes, num feriado ou domingo, se o trânsito está morno, a gente arrisca uma fugidinha, para desespero de alguns… A velhice vem não trazida pela idade, chega de repente e conforme merecimento de cada qual. Há pessoas que dobram os quarenta e estão aí, dançando ritmos acelerados e vão que vão. Outros, mal chegam aos setenta e estão pedindo arrego. Finalmente, grande parte desses é pega pela surpresa. Estava levando a vida numa boa quando, de repente, é como se estivesse na hora de colocar a aliança e ela escapasse do pires e rolasse para o esgoto; é como se estivesse para anunciar o novo Presidente da República e a televisão pifasse; enfim, é como se faltasse só um gol para o Brasil faturar o Mundial, o jogador se deslocasse para chutar o pênalti e acabasse a energia, poxa! Tudo escurece! Não! Que coisa! Que… Que…
E as pilantragens que aprontamos com as nossas esposas tão meigas e fofas? E elas vinham nos fazer xodós com um sorriso doce e carinho especial. Tenho uns colegas velhos que choram no silêncio pela malinesa enganosa que promoveram com as patroas. São remorsos que na verdade derretem a alma. Esse mesmo sofrimento que a consciência impõe é que nos “derroba”, cansados e vencidos. Mas já é tarde para o arrependimento Na hora de evitar mesmo o erro para não magoar a esposa, somos muito machos para não o fazermos e erramos – na hora do arrependimento nem elas precisam nos cobrar o pecado. A inocência leal companheira é como um anjo trazendo o fantasma do remorso à tiracolo. Queira ou não isso irá acontecer com cada marido que prevaricou. É dose. E quem disser aí que essa é a melhor idade, leva para casa a silenciosa pecha: vai mentir no escambou sô!
(Iron Junqueira, escritor)