Opinião

Vamos caçar pokemons?

Diário da Manhã

Publicado em 30 de julho de 2016 às 02:57 | Atualizado há 9 anos

Seria possível ao ser humano viver sem fantasia, sem criatividade, sem imaginação? Por que nossa fantasia povoa nossa ideologia política, o mercado, o consumismo, o comportamento da pós modernidade em fábulas como : sucesso, independência, liberdade e poder? Por que a fantasia recheia os relacionamentos interpessoais, nossa religiosidade, os vínculos afetivos, sexualidade? Qual o impacto da transição entre fantasia e realidade?

Mitos, lendas, contos de fada, o imaginário, crenças e tradições fizeram uma construção histórica em praticamente todos os povos da humanidade, da pré-história, antiguidade a pós modernidade. O Mahabaratha e os vedas dos Hindus; Genesis dos Hebreus; a cosmogonia dos gregos; são três bases de pensamento que fundiam mitos, religião, a costumes e tradições. O mito de Platão: alegoria da caverna um dos mais atuais a nossa realidade desdobrada. Fiz esta viagem para evidenciar que a tradição mítica sempre existiu na história da humanidade, forjando discursos e práticas sociais, políticas de estado, ideologias. Nossos valores são recheados de crenças cuja fundamentação por vezes advém diretamente de valores míticos, de nosso imaginário.

Quando na atualidade são lançados novos games para se caçar Pokemons revisitamos a velha caça ao tesouro. Antes o brincar era feito com a criatividade que hoje foi transposta a uma tela digital de celular. No passado criávamos mapas de tesouro e escondíamos no quintal uma prenda.

Hoje baixamos um aplicativo, pagando seu valor de mercado para fazer a mesma forma de brincar de nossos tataravós. Porém com um adendo: antes o brincar era inocente, hoje ele se transforma gradativamente em dependência.

Nossa pós modernidade tem como caraterística básica o aprisionar do ser humano em uma jaula digital. Cada vez nos tornamos mais dependentes da tecnologia para socialização, para os negócios, estudo, no cotidiano. A realidade distorcida, ampliada, desdobrada revisita e recria na literalidade a Alegoria das Cavernas de Platão e o mundo com que interagimos nada mais é que o espelhamento de nossa própria sombra, a fantasia exacerbada. A consequente dificuldade de lidar com a realidade, com limites que hoje observamos como queixa comum de consultório, com pessoas que tem profunda dificuldade de compreender a realidade e a aceitar.

Muitas pessoas que transformaram em crença pessoal a política de estado, de um pseudo milagre econômico brasileiro, que se endividaram em linhas de crédito, que compraram coisas sem a menor condição de pagar, nada mais faziam que caçar pokemons, acreditando em uma fantasia de uma realidade inexistente. E este é o novo velho paradigma da vida saber separar o real do imaginário e a hora certa de viver cada coisa, com consciência para se preservar… caçar pokemons como lazer alguns minutos do dia pode até ser divertido, mas como estilo de vida lamentável… e da mesma forma o lidar com a fantasia!

 

(Jorge Antônio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em Saúde Mental, psicólogo clínico e músico. Mestre em Antropologia Social pela UFG)

 

 

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