Opinião

VI – A universidade não previne a corrupção de seus formandos

Redação DM

Publicado em 12 de maio de 2017 às 02:39 | Atualizado há 8 anos

Inicia-se o presente artigo, recapitulando os anteriores, na tentativa de diagnosticar as origens da corrupção no Brasil, destacando:

No artigo I, falando de Capitalismo e Socialismo, verifica-se que o adeptos do liberalismo-capitalismo defendem a iniciativa individual e grupal que, através do empreendedorismo, deve produzir bens para a sociedade e riqueza para os empre-endedores-investidores; os marxistas-socialistas, por sua vez, atacam os capitalistas e defendem a partilha dos bens produzidos sob a tutela do Estado, tendo em vista uma sociedade igualitária ou sem classes. Concluiu-se que a corrupção está presente no ser humano público e privado dos dois sistemas de governo.

O artigo II é continuação do primeiro enquanto fala do Estado (capitalista ou socialista) ente responsável pela condução da res publica (coisa pública). Relaciona as características dos dois Estados, mínimo ou máximo, e conclui que, em ambos, governantes misturam o público e o privado, tendendo a considerar o público como privado, ou seja, usam do patrimônio e das finanças públicas como bens próprios. Aí está uma faceta importante da corrupção. Seja no Estado mínimo ou máximo, a corrupção está principalmente na confusão que os cidadãos e os políticos fazem entre o público e o privado, ou seja, usam dos cargos públicos como se privados fossem.

No artigo III faz-se uma comparação da fábula “A Revolução dos Bichos” de George Orwell com as alterações feitas na proposta das 10 medidas contra a corrupção pelo deputados federais tendo em vista livrá-los de possíveis condenações futuras. Comportando-se como os porcos inteligentes, os deputados da maioria dos partidos políticos alteraram substancialmente a proposta tendo em vista a salvaguarda dos próprios benefícios e a fuga de qualquer investigação que possa incriminá-los. Um exemplo de como, no Brasil, usa-se do cargo público para encaminhar interesses particulares.

Recapitulando a história da corrupção no Brasil, no artigo IV, fala-se das duas correntes interpretativas da corrupção: a que liga a origem da corrupção aos aspectos sociológicos de separação das classes, dominantes (os brancos portugueses) e dominadas (os negros escravos e os índios). E a corrente que analisa a corrupção presente sem fazer qualquer menção aos aspectos sociais e econômicos históricos. Realmente, pode-se concluir que a corrupção faz parte da história dos brasileiros, divididos em duas classes principais.

No artigo V, fala-se do “jeitinho” do brasileiro, negro, pobre, mulato, sem ou com pouca escolaridade, que “se vira” para sobreviver e do “jeitão” brasileiro, branco, rico, com curso superior, que usa da esperteza para ter mais poder e acumular mais riquezas, ainda que para isso tenha de pisotear sobre o pobre. Enquanto o brasileiro letrado, de curso superior, usa do seu “jeitão”, ludibriando os meandros da lei para surripiar do erário público recursos para seu enriquecimento, o negro, o mestiço e o pobre, com seu “jeitinho” vai rebolando samba nos carnavais, driblando e fazendo gols no futebol, gingando na capoeira e dançando no candomblé. De vez em quando aparece um fenômeno como Bruna Sena, 17 anos, estudante negra de escola pública, que, no final de 2016, tirou a nota mais alta no curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), um dos mais disputados do Brasil: 371 vagas disputadas por 622 mil candidatos. Realmente, como diz a autora da notícia, “quando a senzala surta e Casa-Grande apenas sorri!” (PAES, 2017).

Fica no ar uma questão: a educação familiar, escolar, universitária tem ou não tem condições de resolver o problema da corrupção no Brasil?

Na educação familiar, todos sabem da velha piada da mãe acenando para o filho que atende ao telefone: “Mamãe manda avisar que ela não está” ou do pai que, na entrada do cinema, mente sobre a idade do filho para poder pagar meia entrada.

Na educação escolar básica, que devia transmitir os valores de integração e convivência social fraterna, sem discriminações e explorações, a figura ao lado, mostra uma situação em que o aluno informa que roubaram o giz. Por outro lado, é consolador ver meninos e meninas de uniforme escolar tocando campainha nas casas para pedir ajuda a famílias pobres. Isto é educação ética prática.

A educação profissional, em geral, destinada àqueles que não estão habilitados a fazer curso superior, não oferece disciplinas de formação humana e muito menos Ética ou Moral.

Na educação superior, objeto deste artigo, os cursos de graduação têm por finalidade formar profissionais da Educação (licenciaturas) e os demais cursos (bacharelado) para formar profissionais para as demais áreas, como saúde, tecnologia, vida pública etc. Os bacharelados de formação profissional têm a disciplina Ética Profissional, cujo foco principal tem sido mais a defesa da categoria do que a preocupação com o direito dos clientes.

O que se percebe é que a maioria dos corruptos e corruptores brasileiros passaram belos bancos das instituições de ensino superior. Veja-se como exemplo a relação dos réus julgados e condenados na maiores casos de corrupção (Cf. artigo IV): são pessoas de nível superior, como: os deputados federais “Anões do Orçamento”; a quadrilha da advogada e procuradora previdenciária, Jorgina de Freitas; os “Vampiros da Saúde” que fraudavam licitações na compra de medicamentos; os que desviavam para o exterior remessas de dinheiro pelo Banestado; o banqueiro Salvatore Cacciola e sua relação com o Banco Central; os deputados federais do Mensalão do PT; as emendas parlamentares que envolveram deputados federais e estaduais e um governador nas falcatruas para realização de obras públicas; a Operação Zelotes que implicou o Conselho de Recursos Financeiros do Ministério da Fazenda; os Fundos de Pensão que garantia aposentadorias e pensões de funcionários de empresas estatais; o juiz Lalau e o empresário Luís Estêvão que desviaram verbas na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo; e, finalmente, a Operação Lava Jato, ainda em andamento. Difícil é identificar, entre esses corruptos e corruptores alguém que não tenha curso superior: uma exceção é Eike Batista, um dos poucos que não tem direito à “prisão privilegiada.” Muitos deles são os que foram eleitos para cargos públicos: governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais e vereadores que possuem curso superior.

Percebe-se que, nas faculdades e universidades privadas, as disciplinas de formação humana e social vêm sendo extintas da estrutura curricular, a fim de tornar as mensalidades mais acessíveis aos alunos/clientes, o que possibilita uma saída para que os cursos superiores se tornem mais competitivos frente ao atual mercado educacional. As disciplinas de ordem prática passam a ser valorizadas em detrimento das disciplinas teóricas ligadas à formação integral do ser humano. Por outro lado, o desenvolvimento técnico-científico e a flexibilização dos processos de trabalho e produção, inerente ao processo de globalização e à lógica de acumulação capitalista, permitiram o aparecimento de novas profissões, vinculadas a diferentes áreas do conhecimento, bem como a ampliação de áreas de atuação de determinadas carreiras. (BECHI, 2016).

Fala-se, na área administrativa, de competência técnica (competitividade, inovação e treinamentos), competências comportamentais (intelectuais, comunicação), competências sociais (relacionamentos, criatividade, adaptabilidade, consciência da qualidade, ética, coerência), competências organizacionais (comprometimento com resultados, gerência do tempo, planejamento e organização, liderança, atuação estratégica). Fala-se muito também de profissionalismo ou daquele que deve ter competência técnica, autorregulação e compromisso público. No caso, entende-se por político profissional aquele que deveria ter competência técnica na administração do bem público, autorregulação e competência ética no seu compromisso com o público (que distingue claramente os bens públicos e os seus direitos e interesses individuais). Entende-se por CIDADÃO (maiúsculo) aquele que é capaz de distinguir e articular os interesses individuais e os interesses da sociedade. (COSTA; RAUBER, 2009).

Geralmente, entende-se por político profissional aquele que seguiu a carreira política e não aquele que teve formação para a política.

É verdade que os profissionais da justiça e segurança – ministros, juízes, desembargadores, policiais federais – que denunciam, julgam e prendem políticos e não políticos enredados com corrupção no Brasil, têm formação superior técnica e ética.

Bibliografia:

PAES, Viviane Vieira de Assis. Quando a “senzala” surta e a “casa-grande” apenas sorri! Diário da Manhã. Goiânia: 10/02/2017, p. 24. Disponível em: https://impresso.dm.com.br/edicao/20170210/pagina/24/conteudo/opiniao/2017/02/quando-senzala-surta-e-casa-grande-apenas-sorri.html. Acesso em 15/02/2017.

COSTA, Everton de Brito Oliveira; RAUBER, Pedro. História da educação: surgimento e tendências atuais da universidade no brasil. Revista Jurídica. UNIGRAN. Centro Universitário da Grande Dourados, MS, v. 11, n. 21, Jan.-Jun.2009, p. 241-253. Acesso em 30/01/2017.

https://impresso.dm.com.br/edicao/20170210/pagina/24/conteudo/opiniao/2017/02/quando-senzala-surta-e-casa-grande-apenas-sorri.html. Acesso em 10/03/2017.

Referências:

BECHI, Diego. A formação de cidadãos reflexivos frente ao atual processo de mercantilização da educação superior. Revista Espaço Acadêmico, n. 182, jul. 2016.

MACHADO, Nilton José. Competência e profissionalismo: o lutar da ética. Revista Apase. São Paulo, v. 2, n. 2, p. 20-21, 2003. Disponível em:  Disponível em: http://www.portal.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-etica/WEBARTIGOS/competencia%20e%20profissionalismo%20-%20o%20lugar%20da%20etica.pdf. Acesso em 0401/2017.

 

(Darcy Cordeiro – mestre e livre docente, é professor universitário aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)


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