Opinião

Visão psiquiátrica-criminal das rebeliões nos presídios

Redação DM

Publicado em 15 de janeiro de 2017 às 00:07 | Atualizado há 8 anos

Como já dizia Camões, nos Lusíadas, “só tomai conselhos de experimentados”. Esta é uma área onde muitas pessoas sem experiência dão palpites. Eu trabalho em uma unidade forense  de psiquiatria de adolescentes há vários anos, tratando de pacientes com vários problemas na justiça. São os “futuros hóspedes” das unidades prisionais, que ora vemos rebelando-se por todo o Brasil. A maioria desses adolescentes que nosso hospital psiquiátrico trata, irão sair de lá e voltar para as ruas, pois, de modo geral,  as famílias – pobres, sem a figura masculina  e desequilibradas – não dão continuidade aos tratamentos, os poderes públicos não forçam as famílias a seguirem o tratamento, os poderes públicos não arranjam nada para os adolescentes fazerem quando saem de lá.  Simplesmente voltam para a maloca ou para a boca de fumo.

A função paterna, a figura masculina, é o que mais faz falta na mente do futuro “rebelado de presídio”.  Os homens nunca foram “boa bisca”, sempre foram péssimos pais, sempre abandonaram suas funções de prover, de cuidar,  proteger, disciplinar e orientar. Mas , agora, com a sociedade ocidental  do jeito que está ( postura de “destruir a autoridade e o papel do homem”) , a coisa está bem pior.

Os adolescentes se unem uns aos outros, e isso faz crescer a “raiva da autoridade”, leia-se aqui a “raiva, o escárnio, o desrespeito,  do sistema carcerário, policial, judicial, etc”. Só há um meio de uma pessoa incorporar uma autoridade : é por meio do “amor disciplinador”, isto é, por meio da ação de alguém que ama, educa e corrige.  A sociedade ocidental, o feminismo exacerbado, têm destruído esta “autoridade amorosa e firme do pai”. Estão a destruindo em nome de uma “liberdade” que, como se vê, facilmente, desgoverna-se na “libertinagem”. Os Governos, que tendem sempre à “jogar para a galera”, encampam este discurso anti-homem e prometem que vão fazer o papel do pai : “nossas escolas,  programas do pequeno trabalhador, programa de escola integral, etc,  vão cuidar de seu filho”, “nossas leis ( lei da palmada, trabalho infantil, exploração sexual, Maria da Penha, etc ) irão proteger o seu filho”, “nossas instituições ( Conselhos, Promotorias, Juizados, Secretarias de Ação Social, Juventude, etc ) irão corrigir o seu filho”. Prometem isso  e , nos fatos, não entregam o prometido. Mas precisam prometer porque é assim que o Estado , e as pessoas que são as efetoras do Estado,  vivem : de promessas. O adolescente, sem ocupação, sem obrigação, sem amor disciplinador, vai para o crime. O Estado e seus efetores limita-se a “dar-lhe aconselhamento psicológico, passar-lhe a mão na cabeça e dizer : “meu filho, isso é errado, não o faça mais”. Como se uma criança de 5 anos já não soubesse o que é certo e errado…

Esse tipo de adolescente, mesmo que receba um grande amor da mãe, não se corrige, pois “amor”, sobretudo o terno amor da mãe, não obriga ninguém a trabalhar, não obriga ninguém a ter responsabilidade. Sem ser obrigado a  trabalhar, sem ser obrigado a ter responsabilidade, ninguém trabalha “por prazer”. E, sem trabalhar, o ser humano não se realiza, não preenche o tempo, o tédio e a busca de prazer o invadem.

Aí, a sociedade, esta aqui do lado de fora ( do lado de fora da “casinha da mamãe” e das “engambelações do Governo”) ,  que não alisa ninguém, irá tratar este pessoal é na porrada. Quando recebem porrada, estes adolescentes irão se unir ainda mais entre os pares, na vida de gangue. Irão ter mais raiva ainda dos que lhes tentam disciplinar ( polícia, autoridades, homens, patrões, etc.). Irão pensar : “este cara, este truculento, que não me deu nada na vida, que nunca me ajudou em nada, ainda quer me regular…”.  O ódio da autoridade só aumenta. Sem trabalho, sem autoridade, passam a viver sob o “império dos sentidos”, o “impérios dos prazeres”, uma vida animal. O que se vê nas prisões compara-se, portanto, a um grupo de chimpanzés, disputando o cargo de “macho-alfa” e matando-se alegremente por causa disso.  Instituições para cuidar desses menores só funciona de um tipo : uma instituição onde há uma figura forte, central, amorosa e firme ao mesmo tempo. Isso não existe no Governo ( que não tem estrutura gerencial para isso ) e as filantrópicas que tentam fazer esse papel ( como o hospital que eu dirijo ) também não dão conta porque os custos disso são muito altos, os impostos, regras, normas, leis, exigências, do próprio Governo, são asfixiantes. Por isso temos , dia após dia, desativado nossa unidade de psiquiatria forense juvenil, com vistas à sua finalização breve.

 

(Marcelo Caixeta, especializado em psiquiatria criminal ( forense ) pela Assoc. Bras. de Psiquiatria e em Psiquiatria da Adolescência pela Universidade de Paris – Escreve as terças, sextas e domingos no Diário da Manhã)

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