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POLÍTICA

O Brasil em xeque-mate

Sobre a atual conjuntura do Brasil, no que tange à estabilidade da democracia, sua consolidação e a participação da população que cada vez se envolve mais nas questões políticas opinando e cobrando, e sobre a atuação dos poderes da república, Joveny Cândido de Oliveira, P.H.D pela Universidade de São Paulo (USP) em Direito do Estado, fundador da Arena em Goiás e atualmente filiado ao Partido Progressista, que o tem como membro de honra e conselheiro, o professor de Direito Constitucional faz uma análise  sobre questões do cotidiano político.

Confira a entrevista

O Brasil está sob a ditadura do Judiciário?

O Brasil não está sob a ditadura do Judiciário. Das funções de poder, o Judiciário é o mais fraco. O poder é um só, mas se divide em três: Legislativo, Executivo e Judiciário. O Judiciário para sobreviver precisa do duodécimo, que vem do Executivo. Ademais, só pode atuar de acordo com as leis procedentes do Legislativo. A Constituição de 1988, intitulada cidadã, procedente de uma Assembleia Nacional Constituinte que teve como membros o índio Juruna, o cantor Agnaldo Timóteo ou a doméstica Benedita da Silva não teve muitos subsídios para ter se tornado absolutamente técnica. Muitas vezes quem legisla não tem competência para isso.

De vez em quando, o Judiciário é agredido, e então, tem que reagir, como o fez a ministra Carmem Lúcia, em um episódio recente envolvendo do presidente do Senado, Renan Calheiros.

Condenar tendo como base a ‘convicção’ é princípio de justiça?

A condenação sem provas nunca foi princípio de justiça. A prova é a materialização do ilícito e a condenação se dá em decorrência do ilícito praticado. É ela que forma a tese do advogado, que deve estar convicto da verdade que defende. No momento do julgamento, um juiz de primeira instância ou um ministro dos tribunais superiores julga de acordo com a convicção que formou através das provas. A convicção deriva das provas, mas não está dissociada da formação do conceito de justiça.

Em que consiste o princípio da legalidade?

O princípio da legalidade é o que diz que todos os atos da vida civil, jurídicos ou não, todos eles, devem ser praticados à luz da lei.

A sociedade brasileira está em guerra?

Guerra é uma expressão muito forte, porque pressupõe matar e morrer. Esse enfrentamento ideológico e político é normal em qualquer sociedade. A luta pelo poder usa como instrumento de convencimento a ideologia: um sistema de ideias, que é o instrumento do processo político.

Vivemos um momento de anarquia institucional?

A anarquia pressupõe a inexistência de leis. No Brasil, há três poderes constituídos que desempenham suas funções de poder, onde cada um toma na mão os instrumentos de organização política e democrática. ‘Ousadia’ não pode ser confundida com ‘anarquia’. Não é a primeira vez que o juiz de primeira instância atua no Congresso Nacional. Seria sim uma incompetência de função, mas para isto existem as instâncias superiores: para consertar vícios inclusive de incompetência funcional, tanto que o ministro Teori Zavaski revogou o ato do juiz Vallisney de Oliveira que determinou  busca e apreensão e prisões na Operação Médis.

A desmoralização da classe política está dando espaço para que juízes e promotores virem atores políticos?

Os juízes e promotores são atores políticos naturais, porque eles atuam nas polis, isto é, nas cidades. Muitas vezes, os processos em que atuam ganham visibilidade, e não há como fugir dos holofotes. É o que aconteceu no caso recente do julgamento da ‘desaposentação’. O Judiciário teve que entrar em cena frente à inércia do Congresso Nacional, que por motivos políticos não se posicionou sobre uma matéria que deveria inclusive ter legislado. Onde há lacuna, o Judiciário preenche para que seja mantido o equilíbrio social.

O Direito Penal está sendo reinventado?

Não há regra nova. O Código Penal está em vigência. A teoria do domínio do fato é uma novidade no nosso ordenamento jurídico, embora tenha sido criada pelo alemão Hans Wezel em 1939. Ela diz que a culpa deriva não só da prática do fato, mas sim do conhecimento da sua existência por alguém que detinha o conhecimento e o poder para deter a execução do ilícito, colocando-o na condição de réu. Exemplo disso é o caso do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Funcionava assim: o banco emprestava dinheiro para compra de votos no Congresso. Esse dinheiro era diluído pelas empreiteiras. José Dirceu sabia disso, mas não tomou nenhuma providência no sentido de evitar o ilícito. Resultado: está preso desde agosto de 2015. A teoria do domínio do fato é uma forma de reinterpretação do Direito Penal.

Os juízes e promotores estão governando o País?

Não. Apenas estão cumprindo a função deles, que se torna mais visível diante da inércia do Legislativo.

O Congresso Nacional tem autoridade moral para legislar?

O Congresso Nacional é o único legítimo para fazer as leis. O que falta é vontade política.

Vivemos um período de terror institucional do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal?

Não há que se falar em terror institucional, porque as ações da Polícia Federal que estão acontecendo por todo Brasil têm endereço certo, ou seja, elas só atingem o criminoso, que é o único responsável pelo fato da polícia bater a sua porta. Ela não vai bater nem na minha porta nem da do cidadão comum e honesto. As ações da Polícia Federal estão concentradas em cima de processos e provas robustas. O que acontece é que o criminoso está sendo cercado de uma maneira jamais experimentada antes no Brasil.

O processo de impeachment contra a presidente Dilma feriu algum princípio de legalidade, como por exemplo o da parcialidade do juiz, já que os parlamentares, na condição de juízes, declararam seus votos antes do julgamento?

Houve convencimento do Congresso Nacional que existiam motivos para o processo de impeachment. O Supremo Tribunal Federal definiu todos os prazos e os atos processuais foram praticados mediante a orientação deste, de forma que o rito foi rigorosamente seguido. O que aconteceu é que a imprensa brasileira aproveitou para fazer um alarde, e também o fizeram os parlamentares. Essa exposição é normal. Talvez não tenha sido ética, mas nada que comprometesse todo o processo.

A Constituição brasileira contribui para que haja uma instabilidade no Brasil? De que maneira?

A Constituição brasileira não é rígida. Foi elaborada para ser flexível. O projeto da Constituição abrigou mais ou menos 4 mil folhas das subcomissões temáticas. Ulisses Guimarães entregou o encargo a Bernardo Cabral. Todo o projeto se consubstanciou em mais de 18 anais do Senado Federal. A ideia era fazer uma Constituição compreensiva que resolveria todo tipo de problema. Após dois anos de discussões, ou seja, de 1986 a 1988, os parlamentares viram que jamais chegariam a um denominador comum. Na nossa Constituição, a expressão ‘a lei regulamentará’ aparece quase cem vezes, deixando para a lei infraconstitucional regulamentar determinados aspectos. Foi esta flexibilidade que deu origem aos projetos de emendas constitucionais, que são votados todos os dias. São os famosos PEC’s. Por isso considero a definição “Constituição Cidadã” sem sentido. Por outro lado, a nossa Constituição é dinâmica, o que é bom, porque o que cria a lei é o fato social, que está em plena construção diária, já que a sociedade está em transformação. A cláusula pétrea é inconveniente, porque impede a evolução do processo social. Uma geração não tem o direito de legislar para outra. Então, que mudem as leis para adequação das evoluções sociais.

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