A Operação Lava Jato é a maior investigação sobre corrupção que já houve no Brasil. Teve início no Paraná, em 17 de março de 2014, unificando quatro ações que apuravam redes operadas por doleiros suspeitos de praticavam crimes financeiros com recursos públicos. O nome Lava Jato fazia referência a uma rede de postos de combustíveis e lavadores de veículos em Brasília, usada supostamente para a movimentação de dinheiro ilícito de uma das organizações investigadas inicialmente no Paraná.
O cabeça da rede de doleiros era Alberto Youssef , velho conhecido do juiz Sérgio Moro, que já o havia livrado da cadeia, em troca de uma delação premiada, por ter atuado no escândalo do Banestado. O caso teve início a partir de uma denúncia do então governador do Paraná, Roberto Requião. Youssef voltou a delinquir e foi apanhado de novo por Moro. O fato de Youssef ter arranjado um domicílio no Paraná para suas operações criminosas fez com que a Justiça Federal de Curitiba se sentisse competente para promover a persecução penal, embora nenhum dos fatos investigados pela Lava jato tenham ocorrido em território paranaense.
Youssef estava envolvido com diretores corruptos da Petrobras. Esta circunstância levou a que a Justiça Federal de Curitiba estendesse sua jurisdição a fatos que tiveram lugar no Estado do Rio de Janeiro. Assim, tudo que se relaciona direta ou indiretamente à Petrobras está sob jurisdição de Sérgio Moro. Em alguns momentos os tribunais superiores terão que decidir sobre o latente conflito de jurisdição que, se decidido contra Curitiba, jogará por terra todo o trabalho da Lava Jato. Mas isto ainda não chegou lá.
Puxando o fio do novelo, a operação Lava Jato descobriu a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de vários partidos e algumas das maiores empresas públicas e privadas do país, principalmente empreiteiras. Os desdobramentos não ficaram restritos à estatal e às construtoras. As delações recentes da JBS e braços da operação espalhados pelo Brasil e exterior são exemplos das novas dimensões que a investigação ainda pode atingir. Não se sabe quando isso vai acabar. Talvez dure para sempre. A Lava Jato virou um fato político.
Os chefes da operação, o procurador da República Deltan Dellagnol e o juiz federal Sérgio Moro, são, agora, celebridades. Dellagnol tem procurado exercer forte influência política, pressionando o Congresso no sentido de aprovar leis antidemocráticas que possam facilitar o trabalho dos lavajateiros, pretextando que tais leis ajudarão a erradicar o que, na visão deles, é o mal que assola o país: a corrupção. Moro, por sua vez, jacta-se de ter contribuído para derrubar a presidente Dilma Rousseff, vazando para a imprensa grampos de conversas telefônicas particulares de Dilma com Lula. Trata-se de um duplo crime, alegremente confessado pelo juiz curitibano: mandar grampear ilegalmente a presidente e divulgar material que estava protegido pelo segredo de Justiça. Nem os arapongas do SNI, nos tempos da ditadura, se atreveram a tanto. Num evento recente, ele, de público, pediu ao presidente Temer que faça ingerência no STF para que a Suprema Corte decida de modo favorável aos interesses do juiz, no caso do cumprimento de pena depois de confirmada em 2 graus a condenação penal.
Segundo estatísticas do Ministério Público Federal, a Lava Jato já instaurou 1.434 procedimentos; executou 775 mandados de busca e apreensão; procedeu a 210 conduções coercitivas; mantém 95 pessoas em prisão preventiva; decretou 104 prisões temporárias, e efetuou 6 prisões em flagrante. Foram fechados 158 acordos de delação premiada e 10 acordos de leniência. Foram recebidas 274 denúncias e 141 pessoas foram condenadas. Muitos condenados foram, também, obrigados a pagar multas e proceder a ressarcimentos que totalizam 38,1 bilhões de reais. Os bens apreendidos somam 3,2 bilhões de reais. Estes são dados de maior deste ano. De lá para cá, os números sofreram alguma alteração.
APOIO POPULAR
Operação lava Jato ainda goza de amplo apoio popular e midiático. Em artigo publicado anos atrás, comentando a “Operação Mãos Limpas” da Itália, Sérgio Moro preconizou o vazamento seletivo de informações à imprensa, como de “deslegitimar” a ação defensiva dos réus. Manipulando descaradamente a grande imprensa nacional, que só publica o lado bom da operação e omite vergonhosamente seus excessos, a operação e seus principais operados, Moro e Dellagnol, foram alçados à condição de homens acima do bem e do mal. Para uma classe média ávida de sangue, cega pelo ódio e iludida pela ideia de que se está “fazendo justiça”, pouco importa que os réus da lava-jato sejam colocados num pau de arara e que as tais “delações premiadas” sejam obtidas por meio de tortura psicológica e que a defesa dos réus seja cerceada sem a menor cerimônia. Para o critério medievalesco de justiça do apoiadores incondicionais da Lava jato, o ideal é que todos os réus fossem fuzilados sumariamente, sem julgamento.
Mas, uma vez que é impossível castigar os culpados sem a observância de alguns ritos que diferenciam a barbárie da civilização, o melhor meio e fraudá-los. E contar com o beneplácito de uma vasta legião de jornalistas, em todo o país, que se deixa manipular docilmente pelos condutores da investigação. É, porém, de todo impossível que uma investigação de tamanha envergadura e de tamanha influência na vida política nacional escape incólume do olhar vigilante dos que, mesmo remando contra a maré da opinião pública, vem apontando os desvios da operação. De Reinaldo Azevedo, um conservador identificado com posições de direita, a políticos e intelectuais com praça assentada na esquerda, a maré de críticas à operação vai se avolumando. A lava jato já não é tão popular como antes.
O desempenho de Lula nas pesquisas eleitorais é um bom exemplo de que uma parte da população desconfia da Lava jato. Apesar de condenado por Moro, e estando ainda denunciado em outros processos perante a 13ª Vara Criminal de Curitiba, Lula não para se subir nas pesquisas. Para grande parte da população, sobretudo os mais pobres, a crença é de que Lula foi condenado sem provas e sua condenação visa tão somente alijá-lo da disputa eleitoral do ano que vem, na qual é o franco favorito, apesar de tudo e de todos. A Lava Jato é, hoje, vista como uma ação política antipetista. A insistência ruidosa dos setores protofascistas da Classe média de cobrar a condenação de Lula e José Dirceu, haja ou não provas de que delinquiram, em nada contribuem para preservar o prestígio da operação; antes, é um indicativo de que ela é um instrumento de vindita político-partidária, e isto é a própria negação do conceito de justiça pública.
MAGISTRADO SE REVOLTA
A Lava Jato vem arrastando o prestígio do Poder Judiciário na lama. Não por acaso, alguns juízes lúcidos, percebendo que a operação vai se desviando por caminhos sinistros, começam a levantar suas vozes em protesto contra ela. Uma dessas vozes é a do desembargador Rogério Fraveto, do 4° Tribunal Regional de Justiça, com sede em Porto Alegre. O mesmo tribunal que julga os recursos contra a Lava jato. Favreto pertence a uma turma competente para julgar causas cíveis, não tendo qualquer poder de ingerência sobre os recursos criminais.
Mas a opinião dele é de aberta condenação aos métodos de Moro e Dellagnol. Em entrevista ao Blog de Luiz Nassif, postada na semana passada, Favreto repudia o que considera “punitivismo” de largas parcelas do judiciário brasileiro. Favreto não discute casos concretos, Mas questiona firmemente os benefícios concedidos a réus e empresas que, segundo ele, colidem com o discurso da Lava Jato, de punição aos corruptores. “Não há transparência sobre os benefícios concedidos", diz ele.
Crítico do ativismo do Judiciário, considera as “10 Medidas um erro”. Diz ele: “O apoio às medidas é ilusório – quem assinou, foi induzido pelo discurso de ser contra a corrupção -, e a falta de oportunidade política fez com que boas propostas contidas nelas fossem prejudicadas por outras que afrontam claramente os direitos individuais”.Ele é contra a “judicialização da política” e repudia o ativismo político em tempos de crise “Nesses tempos conturbados se escorrega mais. No passado, o Judiciário tinha preocupações com os direitos individuais. Hoje em dia, não. Acaba sendo conduzido por certos setores da mídia”, protesta.
Ele assinala que os acordos de delação e de leniência caíram na vulgaridade. “Se vulgarizou demais o instituto da delação”, diz ele. “Tanto se prende para depois delatar, quanto por outro lado tem perdão demasiado. Agora, o STF definiu que o Judiciário é quem decide. Hoje já há questionamentos, do fato de MPF fecha r acordos de leniência sem ter legitimidade para tanto”, afirma.
Sobre as 10 medidas propostas por Dellagnol ao Congresso, para virar lei, diz o desembargador que “o problema nasce na sua busca de apoio popular, mais de 2 milhões de assinaturas. Mas era um consulta simples: você é contra a corrupção? Quem não é. Mas são 10 medidas que envolvem 19 projetos de lei, e que as pessoas nem conhecem. Não há consenso nem no Ministério Público Federal. Então não tem apoio popular. E com o Congresso acuado, a tendência é o oposto, é criar saídas contra os processos. Algumas propostas de inquestionável validade foram comprometidas por outras que violam direitos fundamentais”.
O ativismo de procuradores e juízes nas redes sociais é entendido por ele como “muito perigoso. Quando menos percebem, os colegas terminam pressionados por um pseudo apoio social, o efeito manada das redes sociais. Muitas vezes induzido pela mídia. E o juiz não pode ter que julgar por opinião pública, mas de acordo com a Constituição, os processos, as provas.
Manifestação do TRF-4 entendeu que MPF não tem legitimidade para acordos de leniência que envolvam matérias de recuperação patrimonial. É atribuição da CGU e da AGU. “O MPF sabia que não tinha legitimidade. Tanto que o buscava em uma das dez medidas”, afirma o desembargador aposentado..
Sobre a proposta do MPF, de destinar parte dos recursos dos acordos de leniência, para a cooperação internacional, o desembargador a repudia: “Se o MPF quiser dar recursos, que dê de seu orçamento, não dos acordos de leniência, que são recursos da União. E é curioso premiar outros países que abrigaram os paraísos fiscais”.Pontifica Favreto: “A manifestação do Judiciário deve ser restrita à Constituição e às provas. Preocupações em relação à soberania e à sobrevivência das instituições privadas ou públicas devem estar no âmbito da proteção ao emprego. Tem que ter moderação do ponto de vista da decisão jurídica. Mas é difícil para o julgador entrar nessa avaliação”.
TACLA DURAN CONTRA MORO
Tacla Duran era advogado da Odebrecht. Foi envolvido na operação Lava Jato. Acusado de ser doleiro, foi-lhe proposto que fizesse uma delação premiada, assumindo a autoria de certos crimes. Um advogado e amigo de Moro, Carlos Zucolatto, cobrou 5 milhões de reais de Tacla para facilitar as coisas. Ele seria condenado a pena leve, logo colocado em prisão domiciliar. Do contrário, poderia mofar na cadeia, a partir de sua prisão preventiva. Tacla, que é cidadão espanhol, não esperou para ver o desfecho da história. Com seu passaporte da União Européia, embarcou para Madri e, de lá, denunciou a trama. A informação foi dada, inicialmente, pela prestigiosa colunista da Folha de São Paulo, Mônica Bérgamo.
O juiz Sérgio Moro decretou a prisão preventiva do advogado hispano-americano. E soltou nota aos jornais reagindo furiosamente contra a publicação da informação, que, segundo ele, não mereceria crédito por se tratar de um foragido da justiça. Moro tentou a extradição de Duran, mas se esqueceu de que isso deve ser feito por via diplomática. O poder judiciário espanhol não reconhece a jurisdição de Moro sobre a Espanha. E, de resto, considerou imprestáveis as provas contra o advogado. Tacla vive hoje na Espanha como cidadão livre daquele país.
A reação dos partidários de Moro tem sido, até aqui, passional. O melhor argumento que os acusados apresentam até agora em defesa própria é que a palavra de Duran não merece fé por ser ele “um foragido”. Não é um bom argumento. Im foragido pode também falar a verdade. Se unicamente a palavra criminoso confesso Leo Pinheiro foi o bastante para Moro condenar Lula, por que a palavra de Tacla teria que ser descartada prima face? Seria preciso desconstituir as prova apresentadas por Duran. Isso ainda não foi feito. Mas a grande imprensa, favorável a Moro, ou ignora o fato ou injuria o advogado.
As acusações do advogado Tacla Duran contra a Lava Jato se fundamentam em três documentos: o primeiro, no print das telas do celular, mostrando a conversa com o advogado Carlos Zucolotto Junior, melhor amigo de Sérgio Moro e sócio de Rosângela Moro, a mulher do juiz, em escritório de advocacia.
Na proposta original de delação, Tacla recebeu uma condenação de US$ 15 milhões, além das penalidades criminais. A conversa com Zucolotto foi por Wickr, um aplicativo que deleta as mensagens depois de cinco minutos. Tacla fotografou as mensagens antes de sumirem. Na conversa auditada, Zucolotto sugere uma contraproposta, diminuindo para um terço o valor da multa, mediante o pagamento de US$ 5 milhões “por fora”, “Porque tenho que resolver o pessoal que vai ajudar nisso”. Menciona um encontro com uma pessoa “para melhorar isso com o DD”. O único DD da Lava Jato é o procurador Deltan Dallagnol, chefe da equipe do Ministério Público Federal.
As conversas aconteceram nos dia 24 e 25 de maio. Apenas dois dias depois, em 27 de maio, o advogado de Tacla recebe um e-mail do procurador Roberson Henrique Pozzobon, com cópia para seu colega Carlos Fernando dos Santos Lima. No assunto, “Termos de proposta de acordo – Prazo de validade”. No texto, Pozzobon diz que a minuta está fechada. “Fizemos ontem os ajustes finais com os colegas do GT (Grupo de Trabalho)de BSB”. E avisa que a próxima reunião seria no dia 30 de maio.
A minuta previa uma multa total de R$ 55.785.200,00. E dizia para quem seria o pagamento: 80% para a Petrobras e 20% para a União. O “colaborador” – como é tratado Tacla Duran no documento – “compromete-se a depositar em conta judicial no prazo de 30 dias após a homologação do acordo”. E, aí, entra a esperteza. Os valores deveriam sair da conta de Tacla em Andorra. Ocorre que os procuradores já sabiam que essa conta estava zerada.
Diz a proposta de acordo: “Caso o COLABORADOR comprove que, no prazo de 30 dias da homologação do presente acordo não pode, por motivos alheios à sua vontade, internalizar e depositar em juízo o valor pactuado (...) o MPF buscará a internalização dos valores por via própria”. “Se as diligências (...) não permitirem a internalização dos valores em prazo razoável a ser estabelecido pelo MPF, o colaborador compromete-se, no prazo de 20 dias de sua notificação pelo MPF, efetuar o pagamento de multa no valor de R$ 13.827.000,00 (os US$ 5 milhões na cotação do dia)”.
Os procuradores e Zucolotto sabiam que não havia dinheiro na conta de Andorra e que na conta de Cingapura, declarada à Receita Federal, havia saldo suficiente para os pagamentos. Tacla recusou o acordo, pelo fato de ter sido mantida a condenação penal. A conta de Cingapura foi bloqueada em seguida e o MPF nunca pediu o bloqueio da conta de Andorra, comprovando que sabia da falta de movimentação nela.
A acusação de Duran é de extrema gravidade, até porque está lastreada e, provas até agora não impugnadas. Ele depôs, via teleconferência, à CPI da JBS e adicionou a acusação de que a Lava jato falsificou documentos da Odebrecht. Como apresentou provas, Duran faz a Lava jato dançar no compasso da música que eles tem tocado. Eles, os acusados, terão agora que provar cabalmente sua inocência. Enquanto não o fizerem, paira sobre eles a fundada suspeita de que os caçadores de corruptos são, afinal corruptos também. A lavajado passa a ser vista apenas como um negócio rendoso para os cidadãos da chamada “República de Curitiba”.
As provas apresentadas por Duran devem começar a ser requisitadas por advogados de réus da Lava Jato, a começar pela defesa do ex-presidente Lula, a quem Moro já negou algumas vezes o pedido para que Duran fosse ouvido em seus processos. Não será surpresa se negar também o apensamento das provas apresentadas pelo “foragido”. Moro está ficando cada vez mais previsível.
GILMAR MENDES CONTRA MORO
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes não é benquisto em vastas áreas dos meios políticos. Muitos o acusam de ser tucano. Criticam-no por suas declarações políticas quase sempre indecorosas. E também por, às vezes, bater coba com colegas em plena sessão da corte. Mas Gilmar é outra voz contrária à Lava jato. Ele não poupa críticas a Moro e ao próprio STF por, às vezes, fazer o jogo do juiz curitibano. Recentemente, em uma palestra, ele citou a Operação Lava Jato como motivo para se alterar a jurisprudência do STF que permite à Justiça determinar o início do cumprimento da pena logo após a condenação confirmada segunda instância. Este entendimento do STF é manifestamente inconstitucional, e abusivo. Trata-se de antecipar pena sem que o processo esteja concluído. "A prisão em segundo grau, no contexto da Lava Jato, tornou-se algo dispensável. Passou a ocorrer-se a prisão provisória de forma eterna, talvez até com objetivo de obter delação. Aí vem a sentença de primeiro grau, e com sentença de segundo grau iniciava a execução. É preciso saber ler estrelas. Ou se muda isso ou se empodera de maneira demasiada a Justiça de primeiro grau e o MP (Ministério Público) em detrimento das outras cortes", disse o ministro do STF.
Segundo Gilmar, sem a revisão da prisão em segunda instância, o papel do Supremo e do STJ fica reduzido na garantia dos direitos do cidadão. "Se tem quase uma demissão nossa", disse Gilmar, sobre o tema.
ARAGÃO CONTRA O MPF
Eugênio Aragão é procurador federal aposentado. Aposentou-se por tempo de serviço e agora exerce a advocacia. Foi ministro da Justiça nos estertores do governo Dilma Rousseff, quando fiou claro que o bom-mocismo de José Eduardo facilitava a vida dos inimigos da presidente. Eugênio é um homem culto. E possui títulos acadêmicos que ornamentam seu currículo. Estudou em universidades alemãs, sendo fluente em alemão. Dedica-se também a escrever artigos para blogs de oposição ao governo Temer. Seus artigos são virulentos. Ele ataca sem dó, mas com absoluto rigor lógico. Não foi confrontado, até agora.
A operação Lava Jato tem sido alvo constante de seus ataques. Ele invectivou duramente contra Janot, contra Gurgel e agora não pouca a senhora Raquel Dodge. Diz que a denúncia do Mensalão foi uma peça de ficção jurídica e chama de “pornográficas” as alegações finais do Ministério Público naquele processo. Aragão é, hoje, o crítico mais feroz do Ministério Público. Uma espécie de Carlos Lamarca do Ministério Público. Ataca o que ele chamada de “punitivismo tosco”, uma espécie de subcultura que perverteu a instituição alimentada por “bronca antipetista” promovida pela mídia.
Em artigo recente, ele afirma que “o Ministério Público Federal (MPF) se livrou do aventureirismo de Janot, mas está longe de se livrar da praga do punitivismo que foi plantado contra o PT e acabou por se alastrar por toda a política, para ceifar, por igual, guerreiros democráticos como Gleisi Hoffmann e atores reacionários e antipopulares, que têm no patrimonialismo e no clientelismo corruptos sua prática cotidiana”. Faz uma grave advertência: “Não tardará de a sociedade se conscientizar do estrago promovido pelos arroubos autoritários do MPF, que provocaram não só o maior terremoto político da jovem democracia pós-constituinte, mas destruíram um promissor projeto de inclusão social e, de lambuja, todo parque industrial da construção civil pesada, da engenharia naval, da produção petrolífera e da engenharia nuclear, sem falar da instalação do governo mais alheio à probidade da história do país. O problema, ao acordar desse pesadelo, será mais uma vez, como na anistia de 1979, distinguir entre os que lutaram contra o atraso e o golpismo dos que, aliados do golpe, foram igualmente apeados pelo MPF em sua fúria redentorista. Todos foram vítimas do arbítrio e do excesso de poder persecutório. Mas nem todos são bons para a reconstrução democrática”.
Para Aragão, “é urgente reavaliar o modo de o MPF trabalhar, com uso de ficções processuais e delações programadas, tendentes, apenas, a tornar hegemônica sua ideologia fascista de depuração moral e, com isso, realizar seu projeto de poder corporativo. A revisão constitucional do papel e dos poderes do ministério público é, do mesmo modo que a superação da ditadura militar, pressuposto para a recuperação das instituições democráticas e, quanto antes acontecer, menos dificuldade teremos para separar, na política, o joio do trigo, entre os vitimados pelo abuso de autoridade”.
A Operação Lava Jato foi, tempos atrás, julgada de forma simbólica por 11 jurados com voto qualificado e 8 jurados populares. O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão foi responsável pela acusação e Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, fez o papel da defesa. Marcelo Tadeu Lemos, juiz de Direito de Alagoas, presidiu o julgamento. O evento foi promovido pelo grupo Advogadas e Advogados pela Democracia e Frente Brasil de Juristas pela Democracia.
Os jurados condenaram a Lava Jato por unanimidade, reconhecendo a procedência de todas as acusações de ilegalidades praticadas ao longo de três anos no Brasil. O julgamento ocorreu em Curitiba, onde atua o juiz federal Sérgio Moro. A pena simbólica proferida por Marcelo Tadeu Lemos foi de comparecimento dos participantes da operação a um processo terapêutico analítico e obrigação de visitar as comunidades do Movimento Sem Terra para que aprendam a conhecer o povo brasileiro.
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão sustentou perante o juri que a força-tarefa da Operação Lava Jato constituiu, por si só, uma violação ao princípio da separação de poderes. O ex-ministro e procurador aposentado disse que houve “promiscuidade” entre Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário. Aragão referiu-se ainda a prisões efetuadas apenas para “criar constrangimento”, lembrou do episódio de interceptações telefônicas ilegais envolvendo a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além da divulgação de conversas pessoais da ex-primeira-dama Marisa Letícia. Ele também criticou o comportamento do juiz Moro, que na audiência com Lula interrompia a defesa e demonstrava claramente sua antipatia em relação a uma das parte do processo.
CRÍTICA INTERNACIONAL
Apesar da imprensa brasileira, de um modo geral, dispensar a Moro um carinho que nunca se dedicou sequer aos grandes artilheiros da Seleção, a imprensa internacional o trata com desprezo. Olhá-lo de cima como se ele fosse um ferrabrás das cavernas, um torquemada dos trópicos. Uma crítica duríssima a ele partiu, recentemente, de um renomado jurista italiano. Uma crítica pertinente, já que o direito positivo brasileiro é quase todo calcado nas instituições italianas, sobretudo na área penal.
Luigi Ferrajoli, 77 anos, pensador e jurista de fama mundial, foi o mais categorizado aluno de Norberto Bobbio. Segundo ele, em artigo especial para Carta Capital, “a cultura jurídica democrática italiana está profundamente perplexa com os acontecimentos que conduziram ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e ao processo penal contra Lula. Tem-se a impressão de que esses acontecimentos sinalizem uma preocupante carência de garantias e uma grave lesão aos princípios do devido processo legal, dificilmente explicáveis se não com a finalidade política de pôr fim ao processo reformador realizado no Brasil nos anos da Presidência de Lula e de Dilma Rousseff, que tirou da miséria 40 milhões de brasileiros”, disse ele.
Conhecedor profundo da legislação brasileira, Ferrajoli apresentou brilhantes argumentos jurídicos contra a destituição de Dilma Roussef. Mas é a Lava jato que ele critica com mais vigor. “Quanto ao processo contra o ex-presidente Lula, aqui na Itália não conhecemos os autos, senão sumariamente. Ficamos, todavia, impressionados com a sua estrutura inquisitória, manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas. Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusação, isto é, a ausência de separação entre as duas funções e, por isso, a figura do juiz inquisidor que em violação ao princípio do “ne procedat iudex ex officio” promove a acusação, formula as provas, emite mandados de sequestro e de prisão, participa de conferência de imprensa ilustrando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a condenação de primeiro grau. O juiz Sérgio Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo. Além de ter promovido a acusação, emitiu, em 12 de julho deste ano, a sentença com a qual Lula foi condenado à pena de 9 anos e 6 meses de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, além de interdição para o exercício das funções públicas por 19 anos. É claro que uma similar figura de magistrado é a negação da imparcialidade, dado que confere ao processo um andamento monólogo, fundado no poder despótico do juiz-inquiridor”, pontifica o jurista.
O segundo aspecto deste processo, segundo Ferrajoli, é a específica epistemologia inquisitória, baseada na petição de princípio por força da qual a hipótese acusatória a ser provada, que deveria ser a conclusão de uma argumentação indutiva sufragada por provas e não desmentida por contraprovas, forma, ao contrário, a premissa de um procedimento dedutivo que assume como verdadeiras somente as provas que a confirmam e, como falsas, todas aquelas que a contradizem. Donde o andamento tautológico do raciocínio probatório, por força do qual a tese acusatória funciona como critério prejudicial de orientação das investigações, como filtro seletivo da credibilidade das provas e como chave interpretativa do inteiro processo.
O jurista dá dois exemplos: “O ex-ministro Antônio Palocci, sob custódia preventiva, em maio deste ano, tinha tentado uma “delação premiada” para obter a liberdade, mas o seu pedido foi rejeitado porque não havia formulado nenhuma acusação contra Lula ou Dilma Rousseff, mas somente contra o sistema bancário. Pois bem, esse mesmo réu, em 6 de setembro, perante os procuradores do Ministério Público, mudou sua versão dos fatos e forneceu a versão pressuposta pela acusação para obter a liberdade. Totalmente ignorado foi, ao contrário, o depoimento de Emílio Odebrecht, que, em 12 de junho, havia declarado ao juiz Moro nunca ter doado qualquer imóvel ao Instituto Lula, ao contrário do que era pressuposto pela acusação de corrupção.
A terceira característica inquisitória deste processo é, enfim, diz o jurista italiano, a assunção do imputado como inimigo: “a demonização de Lula por parte da imprensa. O que é mais grave é o fato de que a campanha da imprensa contra Lula foi alimentada pelo protagonismo dos juízes, os quais divulgaram atos protegidos pelo segredo de Justiça e se pronunciaram publicamente e duramente, em uma verdadeira campanha midiática e judiciária, contra o réu, em busca de uma legitimação imprópria: não a subjeção à lei e à prova dos fatos, mas o consenso popular, manifestando assim uma hostilidade e falta de imparcialidade que tornam difícil compreender como não tenham justificado a suspeição”.
A antecipação do juízo não é, por outro lado, um hábito somente do juiz Moro. Em 6 de agosto deste ano, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), perante o qual prosseguirá o segundo grau, declarou que a sentença de primeiro grau “é tecnicamente irrepreensível”.
“Semelhantes antecipações de juízo, segundo os códigos de processo de todos os países civilizados – por exemplo os artigos 36 e 37 do Código Penal Italiano – são motivos óbvios e indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz. E também no Brasil, como recordou Lenio Streck, existe uma norma ainda que vaga – artigo 12 do Código da Magistratura Brasileira de 2008 – que impõe ao magistrado o dever de se comportar de modo “prudente e imparcial” em relação à imprensa. Os jornais brasileiros, invocando a operação italiana Mani pulite do início dos anos 90, se referem à operação Lava Jato que envolveu Lula como sendo a “Mãos Limpas brasileira”. Mas nenhuma das deformações aqui ilustradas pode ser encontrada no processo italiano: uma investigação que nenhum juiz ou membro do Ministério Público italiano que nela atuaram gostaria que fosse identificada com a brasileira”, afirma o jurista.