Depois de três anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto de lei das fake news se tornou uma prioridade na agenda do Palácio do Planalto, mas ainda há divergências no próprio governo sobre como tratar o tema.
Em entrevista ao Estadão, o relator do PL, deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), admite que existem “ângulos diferentes de observação sobre o mesmo problema”. Entre os principais pontos do PL estão a criminalização das fake news, a exigência de que empresas de tecnologia tenham sede no País e a proibição dos disparos em massa nos aplicativos de mensagens.
O projeto estabelece como passível de sanção criminal promover ou financiar a disseminação em massa de mensagens que contenham “fato que se sabe inverídico” e que possa comprometer a “higidez” do processo eleitoral ou causar dano à integridade física. A pena é de prisão de um a três anos e multa. Além disso, as plataformas terão de publicar regularmente relatórios semestrais de transparência com informações sobre a moderação de conteúdo falso.
O modelo de negócio dessas plataformas digitais, provedores de aplicativo e redes sociais está ancorado no extremismo, que gera mais engajamento”, disse Orlando Silva.
O governo está dividido sobre o projeto de lei das fake news. O ministro Flávio Dino (Justiça) encaminhou sugestões ao senhor, mas o Palácio do Planalto também deseja encaminhar propostas. Está difícil chegar a um consenso?
- Participei de uma reunião produtiva com a Casa Civil, Secretaria de Relações Institucionais, Ministério da Justiça, Secom (Secretaria de Comunicação Social) e AGU (Advocacia-Geral da União). É natural que seja assim porque se trata de um tema transversal, sensível e que está sendo debatido no mundo inteiro. O governo começou mês passado. Percebo que há um esforço de unificação da posição do governo. Eu já conheci as sugestões do Ministério da Justiça. Minha expectativa é que ainda nessa semana tenhamos uma posição unificada do governo sobre o PL.
A ideia é punir a plataforma que monetiza ou impulsiona a desinformação?
- O caminho pode ser responsabilizar a plataforma quando houver publicidade e impulsionamento. Uma coisa é alguém publicar algo na rede social, uma ideia. Aí as plataformas falam que é liberdade de expressão. Se não for conteúdo ilegal, não há problema. Mas se for publicada uma fake news paga em uma empresa, e essa empresa projetar isso num alcance que aquilo nunca teria, é outra coisa. As empresas não podem ser sócias da propagação de desinformação, fake news e discurso de ódio. Sempre que houver impulsionamento, patrocínio e ganhos, a plataforma precisa assumir a sua responsabilidade. Quando há impulsionamento ou patrocínio, é como se houvesse uma edição por parte da plataforma. São eles que estabelecem os algoritmos que dão mais ou menos alcance a esses conteúdos.
Críticos do projeto de lei questionam se existe alguma instituição ou autoridade confiável para decretar o que é verdade. Pelo entendimento, a Lei das Fake News “do Lula” teria sido usada por Bolsonaro para perseguir adversários?
-Não tem lei do Lula, mas um debate no Congresso Nacional. É natural que qualquer governo participe. Durante o governo Bolsonaro, eu como relator sentei com equipes de vários ministérios para ouvir. É injusto dizer que há uma lei do Lula. Não tem nenhuma proposta do Lula na mesa. Esse debate acontece no mundo inteiro. A posição do Glenn às vezes absolutiza a liberdade de expressão. É como se a liberdade de expressão estivesse acima de tudo, de todos e fosse intocável. Só que nada é absoluto, nem a liberdade de expressão. Há o direito individual e o interesse público quando se prepara qualquer legislação.