A chegada da reta final das eleições trouxe emoções fortes e debates intensos nas famílias, grupos políticos, partidos, empresas, escolas, universidades, igrejas e praças públicas. Nunca o Brasil discutiu tanto política - e não necessariamente políticas públicas, que são o substrato mais importante para a população. O país brigou por políticos, ideologias e visões de mundo.

Concentrada em duas figuras, Lula e Jair Bolsonaro, as eleições de 2022 foram marcadas pela ressurreição do petismo a partir das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e demais tribunais, que em dois anos retirou Lula da prisão e o alçou ao pódio da liderança política do país. E mais: reforçou a presença do bolsonarismo nas Assembleias Legislativas e Congresso Nacional. Seus seguidores foram amplamente eleitos.

Diante deste cabo de guerra, o futuro passa a ser discutido e disputado
a partir de segunda-feira, 31: quem serão os herdeiros destas duas
forças políticas? Por mais que se possa pavimentar rapidamente nomes
inéditos nos próximos três anos, já que é este o prazo para se apresentar
politicamente um pretendente com chances reais, o movimento atual é de
consolidação dos líderes mais proeminentes da política brasileira.
No grupo bolsonarista, quatro nomes foram fiéis ao presidente e,
consequentemente, podem despontar no cenário nacional com algum apoio deste
segmento: os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil) e Romeu
Zena (Novo), senador eleito Sérgio Moro (União Brasil) e Tarcísio de
Freitas (Republicanos).
Em caso de derrota, o próprio Bolsonaro poderia se colocar como o nome do atual grupo, mas é temerário supor que ele sairá da presidência como entrou: sem processos judiciais de peso. A tendência é de que aumentem as investigações que o façam suportar uma agenda negativa. Fora do poder, o político sem mandato sabe das agruras que se obriga a enfrentar.

Caso inviabilize, Bolsonaro poderá direcionar seu capital político para nomes que orbitam sua gestão. Caso eleito governador em São Paulo, o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio Freitas perderia a "chance" de disputar a presidência, uma vez que repetiria o "efeito Dória". A 'revelação' do PSDB perdeu popularidade exatamente por compartilhar o sonho de governar São Paulo e Brasil ao mesmo tempo. Sua inserção nacional aumentou na medida em que caiu sua popularidade no Estado com maior quantidade de votos. E derrotado Tarcísio sofrerá o impacto da derrocada Bolsonarista, em caso de vitória de Lula. O cenário ideal para o ex-ministro é a vitória de Bolsonaro e sua derrota em São Paulo. Ao retornar para um segundo mandato do presidente, ele estará mais do que cacifado a ser o herdeiro do grupo bolsonarista.

Outra conjectura é o convencimento de Ronaldo Caiado (União Brasil) a
disputar novamente as eleições presidenciais - algo que ele fez em 1989, ainda
jovem, como líder ruralista e da direita.
Ronaldo é o mais experiente da direita 'republicana' e a liderança política mais completa de todas do grupo que se formou em torno de Bolsonaro: ex-deputado federal e senador de relevância nacional, surpreendeu o país como governador com a melhor aprovação nacional. Pela primeira vez Goiás escolheu por duas vezes seguidas um gestor ainda no primeiro turno. O político goiano está em seu melhor momento.

Não bastasse, Caiado é o único dos nomes da direita com uma relação
partidária sólida - é o principal nome do União Brasil. Para se viabilizar,
Caiado precisa manter a boa gestão que realizou no primeiro mandato e ter o
apoio dos grupos organizados da direita - agronegócio, MBL, parcela do bolsonarismo,
profissionais liberais, etc.
Os bolsonaristas entenderam as divergências e postura de Caiado durante
a pandemia. Reconhecem também hoje que Caiado, como médico e cientista, até
tentou ajudar Bolsonaro a formular um pensamento político de saúde pública
durante a crise sanitária, mas a ideologização atrapalhou o presidente. Na
atualidade, um dos gatilhos do anti-bolsonarismo nas urnas é exatamente este
comportamento estranho na crise da covid-19. Ao contrário de Bolsonaro, Caiado
tornou-se um dos símbolos de combate do vírus e se elegeu em Goiás contra dois
candidatos bolsonaristas e dois defensores de Lula, demonstrando que sua
postura foi determinante na pandemia.
Romeu Zema é outro líder de destaque, com grande capital político em um dos principais colégios eleitorais do país. Da mesma forma que Caiado, teve êxito nas urnas e controla de longe o Partido Novo, legenda que pretende apresentá-lo como candidato a presidente em 2026. O Novo é menor do que o União Brasil de Caiado, obrigando Zema a ter uma postura mais comunicativa para se sobressair e se capitalizar neste segmento. Ele tenta viralizar nas redes sociais com vídeos curtos, como quando aparece levando pratos. É preciso ver se a estratégia do mineiro funcionará após uma das campanhas mais impactadas pelas redes sociais dos últimos tempos. A cada eleição surgem novas posições do eleitorado de massa, que pode rejeitar o formato 'rede social' por absoluta redundância.

Deste grupo, o mais agressivo e inquieto tem sido Sérgio Moro, que chegou a romper com Jair Bolsonaro, após denunciar as supostas tentativas do presidente de interferir na Polícia Federal. Eleito senador pelo Paraná, o ex-juiz tem aparecido ao lado de Bolsonaro em debates e eventos de campanha. Mas a derrota de Bolsonaro seria o melhor cenário para Moro, pois o deixará confortável para desempenhar a oposição. Com a vitória de Bolsonaro, Moro também ganha (mas fica fora da rota presidencial) e pode ser indicado para o Supremo.

Neófito no União Brasil, Moro não tem controle da legenda, que está mais azeitada com o grupo de Caiado. No segundo turno, a legenda liberou os filiados, que poderiam optar por Lula ou Bolsonaro. Moro pulou do lado mais forte, justamente o liderado por Caiado. Mendonça Filho e Antônio Bivar, eleitos deputados federais, são outros nomes de destaque do "maior partido do país". Bivar é questionado internamente, por ter declarado oficialmente posição de neutralidade na luta entre Lula e Bolsonaro. O grupo tem ainda ACM Neto, que disputa as eleições na Bahia. Ele teria motivado a posição de neutralidade, uma vez que tem enfrentado dificuldades em um estado com grande força do petismo. Sua derrota na Bahia afastaria seu nome para uma disputa presidencial em 2026.
Alckmin, Haddad e Tebet disputarão espólio de Lula
O grupo político em torno de Lula promete uma disputa sangrenta para os
próximos anos: o candidato garantiu que caso vença as eleições não disputará
reeleição. A idade avançada é um dos fatores para Lula desistir: nas
próximas eleições ele terá 81 anos.
Diante deste cenário, a esquerda e os grupos de centro e de direita que se aproximaram do PT terão fortes turbulências - ainda mais se Lula conseguir apaziguar a nação, hoje dividida em dois grupos fortes e personalistas - antiLula e antiBolsonaro.

A própria terceira via se aliou ao PT na reta final: Simone Tebet (MDB)
e Ciro Gomes (PDT) declararam apoio a Lula. Os dois terão pesos diferentes. Por
conta das fortes e recentes críticas ao lulismo, Ciro será tratado com
desconfiança, a menos que Lula decida por ele e coloque-o como seu sucessor. Se
depender de Ciro, ele não se viabilizará, uma vez que está desgastado com o
grupo.
Por sua vez, a senadora Simone Tebet teve participação ativa na campanha
de segundo turno. Em caso de vitória de Lula, ela será uma das ministras mais
ativas da equipe. Para ser candidata com apoio do PT dependerá de muitas
costuras de Lula, que pode ter êxito na empreitada, caso termine uma gestão
equilibrada e com popularidade.
Geraldo Alckmin (PSB) espera também ter apoio do PT. O vice de Lula tem
perfil político ativo e ao contrário do equivalente de Bolsonaro, esteve em
todos os momentos da campanha, com notória visibilidade. Mas a questão
permanece: a esquerda confiará em Alckmin em um cenário sem Bolsonaro? Qual
será a utilidade dele em um ambiente político cujo antagonismo já tenha sido
superado.
Solução caseira
O ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad é o nome mais apropriado do
PT para assumir o espólio de Lula. Já disputou as eleições presidenciais e
concorre o Governo de São Paulo com possibilidade de vitória. Caso seja
eleito, da mesma forma que Tarcísio, se inviabiliza para um projeto nacional.
Derrotado, deve assumir um dos ministérios mais importantes de Lula e pode se
cacifar para substituí-lo. Tem menos arestas dentro do PT do que Gleise
Hoffman, que acumula rejeições internas e externas dentre partidos.
Senador Jaques Wagner (PT-BA) é o petista preferido de Lula, mas teria que se sobrepor a uma ambição de Haddad, que há tempos se posicionou como primeiro da fila.
