A hora da autocrítica dos que governam o Brasil
Diário da Manhã
Publicado em 6 de março de 2018 às 00:43 | Atualizado há 4 meses
- Uso incorreto da prática do lobby, evolução patrimonial de antes e depois de entrar na política e repetição dos mesmos erros mostram que classe política assume o risco de se tornar mais perigosa do que traficantes e grandes mentecaptos da República
- Corrupção não desapareceu com a Lava Jato, como se revela recente escândalo do Ministério do Trabalho
A ideia de que a corrupção é algo típico do Brasil está errada. Mas que é uma característica marcante da política nacional está certíssima.
Basta pegar o patrimônio dos governantes que você, leitor, se submete e conhece. Pegue antes deles entrarem na política e depois que passaram a atuar na gestão pública. Comparem e façam uma conta de subtração. Sejam nos estados, municípios ou presidência, suspeita-se que parte deles conseguiu a riqueza por meio de duas formas de desvio público: diretamente, quando se apropriam dos recursos, ou através de uma triangulação, em que o político contrata uma empresa privada e depois recebe algo em troca.
E quando agem para receber por fora acabam corrompendo o segmento empresarial – peça chave no funcionamento da sociedade capitalista. Acostumados ao relacionamento espúrio, parcela dos políticos e empresários cria uma rede de troca de favores, cujo pagamento sai do bolso do cidadão.
O esquema entre empresários e políticos foi evidenciado de forma assustadora na Lava Jato, operação iniciada em 2014 e que escancarou suspeitas envolvendo a maioria dos políticos estaduais e nacionais proeminentes que temos conhecimento.
E a corrupção não para conforme se vê no mais novo escândalo que envolve justamente o Ministério do Trabalho. O tempo é o senhor da razão. Em Goiás, os órgãos e empresas públicas foram aos poucos nas últimas décadas destruídos e repassados para a iniciativa privada, caso da Metago, Cachoeira Dourada, Celg, Banco do Estado e Goiás (BEG), dentre outros.
Já se especula quando Saneago, Metrobus, escolas e tantos outros órgãos criados com dinheiro público serão repassados para empresários e magnatas do mundo globalizado.
Inspirados numa prática glocal, os “lobistas criminosos” se realizam com a retirada do que é público para a iniciativa privada. A sociedade não ganha nada com isso.
Juntos dos políticos, eles não percebem nem se envergonham da prática. Agem como loucos ou tarados em dinheiro público. Daí a prisão de dezenas deles durante a operação que tenta passar o Brasil a limpo.
Na revista Veja desta semana, o lobista Milton Seligman, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, defende que os negócios públicos com empresários devem atender a três premissas: com tais acordos, devem ganhar a sociedade, o governo e o empresário.
Autor de um livro sobre a prática – Lobby desvendado –, ele diz que o lobista, em tese, pode fazer bem para a sociedade, já que toda atividade deve se pautar no interesse público.
Esta deveria ser a regra. Todavia, a prática inclui no jogo o agente político, que opta em ganhar muitas vezes mais do que o empresário e cobrar sua porcentagem – como se revelou no escândalo do Ministério do Trabalho. Nesta triangulação, ocorre a completa ausência da sociedade dentre os beneficiados.
Por isso, no país, a palavra lobby é praticamente proibida. A classe política evita tipificar o ato e esmiuçar os procedimentos. Ela fica na sombra.
E sem transparência e entendimento público, a população torna-se cada vez mais irada. Tudo isso ajuda a criar uma bolha social, que agride políticos nas ruas, nos aviões, restaurantes e rejeita a representatividade – fato que já chegou no Legislativo e cada vez mais mancha o Judiciário.
A constituição do grupo dos políticos criminosos revela uma classe que não se preocupa com sua reputação, moral nem com a coletividade. Parte considerável deles são festivos mentecaptos que celebram suas vitórias com champagne e charutos, mas se esquecem de que estão sendo observados.
A classe de políticos criminosos é talvez até mais perversa do que os traficantes, um dos criminosos mais execrados socialmente, que tenta manter a paz na favela através de benefícios e uma lei de mordaça. Os operadores do tráfico são conscientes do crime praticado.
Ao contrário do tráfico de drogas, é exclusivo da personalidade criminosa política a criação de comunicações e informações falsas, inaugurações inverídicas, comemorações para cada etapa que antecede o início de uma obra e dissimulações – além do uso indiscriminado do poder público para cometer crimes.
Diferente do traficante, o político usa a imagem do bem para esconder o mal que faz e corrompe a sociedade. Conforme o senador Cristovão Buarque, “ética e política são hoje adversárias, quase que inimigas. E não irmãs”. Na dialética do crime, então, elas jamais dialogaram.
Congresso evita debater lobby
Dentro dos governos, a prática mais comum para a corrupção é o lobby, quando o empresário se aproxima do órgão público e recebe orientações para que nutra o político ou quem o representa com dinheiro que será repassado através da contratação de obras e serviços.
Vem desta prática a ideia de aproximação de gestores públicos, por exemplo, com Organizações Sociais (OS’s), que funcionam quase sempre como uma sociedade jurídica aos moldes de uma sociedade empresária, apesar de sempre tentar descaracterizar o lucro.
A discussão sobre a regulamentação do lobby encontra-se paralisada no Congresso Nacional. É praticamente um tabu discutir o assunto na casa, já que várias propostas foram apresentadas e nenhuma avançou nas últimas décadas
Pesquisa de mestrado de Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto, de 2015, no âmbito da ciência política, sugere que não exista “interesse político” em regulamentar a prática. Mas ele conclui que a ausência de um marco regulatório prejudica o país, ao abrir campo para uma terra sem lei. “Em que pesem os avanços propostos pela Lei Anticorrupção e pela Lei de Acesso à Informação, uma regulação específica para a atividade contribuiria para destacar a atuação de profissionais sérios e politicamente corretos, situação distinta dos grupos que prestam um desserviço à nação por meio de condutas indevidas e irregulares”, diz.
A ideia de lobby costuma jogar no colo dos empresários a culpa da grande corrupção. Mas é um erro. Na história da corrupção, inerente a de política, os desvios de carácteres dos governantes ocorriam sem a presença das sociedades empresárias, que só se estruturam, de fato, na Idade Média.
A antiguidade está repleta de representações de que o político, de fato, é quem verdadeiramente rouba da sociedade. O orador Cícero já discursava contra a corrupção na República romana: “A doença da República não reside em suas instituições – que com tanta glória resistiram ao teste do tempo… mas nos homens que as povoam. O egoísmo reina hoje onde o zelo pelo bem público florescia. Estamos sofrendo, por assim dizer, do que eu chamaria de ‘individualismo’. O que eu quero dizer com isto? Simplesmente isto: a presteza do homem em defrontar qualquer assunto público com a pergunta: ‘O que tenho a ganhar com isso? Onde posso obter vantagens pessoais?’ Em vez da pergunta que tão nobremente alimentava as mentes dos nossos avôs: ‘O que Roma exige de mim?’”.
Ainda em 2004, ao defender sua tese de doutorado na Unicamp, a socióloga Andrea Cristina de Jesus de Oliveira já esclarece que existe uma apropriação incorreta da expressão ‘lobby’. “A atividade de lobbying, independentemente do formato que assuma, é essencial em sociedades democráticas. Isso porque, os tomadores de decisão são confrontados com uma complexa rede de interesses e a informação técnica que os lobistas levam a eles é bastante importante, pois subsidia sua análise sobre o melhor caminho a seguir”, escreveu.
O uso da política (tanto pelo político quanto pelos empresários) é tão escancarada que na edição desta semana de “Veja”, o ex-ministro Milton Seligman explica como usava o ex-ministro José Dirceu para atender aos interesses da Ambev, na Venezuela. Diante de um governo que atuou em prol do regime venezuelano, José Dirceu (foto acima) criou ‘laços’ com os venezuelanos a ponto de quem desejasse negociar com eles teria que passar pelo crivo do PT. Evidentemente que tais relações foram criados em ambientes anti-republicanos, em que a sociedade brasileira nada ganhou
As revelações de Milton Seligman para a Veja
“Eu diria o seguinte: há lobistas corruptos, assim como há jornalistas, professores, engenheiros e outros profissionais corruptos. Não é o lobby que caracteriza a corrupção, mas é a corrupção que se caracteriza como tal. É claro que o lobista, devido ao terreno em que atua, está mais exposto a esse tipo de escândalo. Mas a forma de acabar com isso é regulamentando a atividade”
“O lobby é legítimo quando beneficia três lados: a empresa ou segmento que está pedindo a mudança, a sociedade e a autoridade que se mostra capaz de gerir o interesse público”
“No dia a dia do Congresso, houve uma mudança significativa: o espaço para aceitar propostas indecorosas diminuiu drasticamente. Antes, você podia considerar. Hoje o risco de considerar é brutal. A Lava Jato desvendou o lobby criminoso e ajudou a aperfeiçoar as discussões de políticas públicas com mais transparência”.
“A primeira vez que estive na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, fui convidado por um banco e aceitei. Hoje, eu não aceitaria. Não acho a coisa ruim. Dada a sensibilidade do tema, hoje eu evitaria”.
LOBISTA É SEMPRE BOM
Caracterização e trechos do estudo sobre lobistas realizado por Andrea Cristina de Jesus de Oliveira, que pensa diferente de outros estudiosos:
— Envolto por um forte estigma de marginalidade, o lobbying no Brasil é comumente confundido com corrupção e tráfico de influência. No entanto, não apresenta nenhuma semelhança com esse tipo de prática ilícita.
— Ao grupo de pressão cabe escolher qual o melhor caminho a ser trilhado. Se escolher o caminho da corrupção e tráfico de influência, além dos altos custos financeiros, o grupo de pressão deve ter consciência que, toda vez que o assunto voltar a apresentar riscos ou oportunidades, relações espúrias deverão ser retomadas e mais dinheiro será gasto. Portanto, o uso da corrupção e tráfico de influência, apesar de trazer resultados mais imediatos, a longo prazo se torna incerto e perigoso.
— Se escolher o caminho do lobbying, além de ser informado rotineiramente sobre a tramitação dos assuntos de seu interesse, poderá formular propostas e oferecer seu ponto de vista, criando um canal de comunicação com o governo. Além de estar bem informado e se transformar em um interlocutor do governo em seu setor produtivo ou área de interesse, o grupo de pressão despenderá recursos financeiros continuamente, porém, em pouca quantidade, a fim de ver suas demandas discutidas, aprovadas ou rejeitadas de acordo com a profundidade do debate travado.
— Rejeitamos termos como lobbying anti-ético, lobbying do mal ou lobbying negativo (…) Um bom lobista deve ser honesto, sério e ético. Deve possuir uma sólida formação acadêmica e um grande poder de comunicação e persuasão. Deve ser discreto e possuir credibilidade entre os parlamentares que deseja influenciar. Além dessas características pessoais, o lobista deve saber ouvir e compreender quais são os objetivos de seus clientes, para melhor defendê-los. Se vai defender os interesses de seus clientes, deve acreditar em sua causa.
— O bom lobista deve trabalhar seu maior bem: a informação. Para isso, deve ser extremamente bem informado e deve saber dar o tratamento adequado a essa informação, fazendo-a chegar a seu objetivo e no formato ideal para a consecução de seus objetivos.
— Para alcançar os objetivos de seus clientes, deve ser um bom entendedor decenário político, deve possuir um bom conhecimento de processo legislativo e processo decisório e, através de seus contatos, oferecer uma informação confiável e bem estruturada para quem se quer influenciar.
Recente edição da revista Veja que traz um escândalo que envolve o deputado goiano Jovair Arantes, dois sobrinhos, um empresário, uma lobista e o Ministério do Trabalho: uns assumem, outros negam
ROBERTO JAYME / UOL