Política

Câmara sob Motta fica presa a temas polêmicos e escorrega em busca de rumo para votações

DM Online

Publicado em 27 de maio de 2025 às 16:10 | Atualizado há 1 dia

A menos de um mês do fim do semestre, parlamentares e aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), veem a Casa a reboque de polêmicas e pautas negativas, como a discussão de anistia a condenados de 8 de janeiro e as crises com o STF (Supremo Tribunal Federal), além de projetos corporativistas.
Na avaliação desses interlocutores, ouvidos reservadamente, falta uma agenda para o Parlamento. Com base nesse entendimento, o próprio presidente nesta semana anunciou a criação de comissões especiais, grupo de trabalho e um esforço concentrado para votar longa pauta remanescente –projetos que estão prontos para análise, muitos sem polêmicas, mas aguardando votação.
Como a Folha de S.Paulo já havia mostrado no início de abril, Motta focou seus esforços nos bastidores. Tanto que levantamento daquela época mostrava Motta à frente apenas de 10 das 23 reuniões deliberativas.
Quando ele assumiu o posto, uma de suas promessas foi a de não fazer surpresas no plenário e decidir a pauta com antecedência, buscando consenso nos projetos. O efeito prático é que agora parlamentares falam em ritmo lento de votações ou até em Câmara paralisada.
As queixas ao estilo Motta foram tema de uma fala dura do líder do PP, Luizinho (RJ), durante reunião de líderes na última quinta-feira (22). Um dos principais aliados do presidente da Casa, ele cobrou dos líderes que defendessem Motta, porque ele está fazendo o que prometeu durante a campanha: previsibilidade e respeito às comissões.
O presidente da Câmara não mencionou o assunto, mas também cobrou dos líderes presença maior no plenário para que as pautas andassem. Chegou a dizer que não pode votar apenas um projeto por dia e que, mesmo quando não há entendimento, é preciso votar.
Motta corre contra o tempo para encerrar o semestre com uma marca positiva. Na primeira semana de junho, o Parlamento vai sediar o Fórum Parlamentar dos Brics e, na última, os trabalhos serão interrompidos para as comemorações de São João.
Nesta reunião, ficou decidida a criação de comissão especial sobre mudanças na lei sobre portos e outra para motoristas de aplicativo –projeto de interesse do governo e que Motta quer expandir para além de aplicativos de carro.
Em outra frente, também será criado um grupo de trabalho da reforma administrativa, que discutirá uma parte das mudanças já propostas pelo Executivo para carreiras, assim como outros projetos sobre o tema.
Aliados do presidente da Câmara não conseguem dizer o que é uma prioridade da gestão Motta e o que ele pretende deixar como legado. Mas avaliam que a administrativa será, provavelmente, uma das prioridades nos próximos meses.
Na falta de iniciativas de peso, aliados reconhecem que as falas do presidente da Câmara têm se limitado a dois assuntos: a PEC (proposta de emenda à Constituição) do governo que confere status constitucional ao Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e ao projeto de lei que isenta de imposto de renda os rendimentos de até R$ 5.000 mensais.
Reservadamente, um líder pontuou que o ritmo de Lira era imprevisível, mas que a dificuldade de acelerar as análises em plenário não é a falta de líderes nas votações, mas o clima de tensão entre os Poderes e a oposição obstruindo as sessões.
Neste ano, foram aprovados 100 projetos de lei, projetos de lei complementar e medidas provisórias no plenário.
Além de a Casa andar num ritmo mais lento, de acordo com esses parlamentares, há ainda o fato de que a agenda está preenchida com pautas ora polêmicas, ora simplesmente negativas, do ponto de vista da popularidade –o que, a praticamente um ano da disputa eleitoral, aumenta as preocupações.
Dentre essas propostas, foi aprovado no último dia 6, um projeto de lei complementar que prevê aumentar a quantidade de deputados de 513 para 531, além de redistribuir a divisão de cadeiras entre os estados.
A mudança foi uma demanda do STF para evitar que estados cuja população cresceu nos últimos anos ficassem subrepresentados na Casa. Inicialmente, a proposta fazia com que sete estados perdessem cadeiras no plenário –como o caso da Paraíba, do presidente da Câmara–, mas isso mudou após negociações.
No dia seguinte, o plenário aprovou, numa votação acelerada, um projeto que suspende a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), com brecha para tentar atingir todo o processo relativo à trama golpista de 2022 e beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A medida confrontou entendimento do STF e foi derrubada pela Primeira Turma da corte. Ainda que estivesse precificada a decisão dos magistrados, o tema acirrou os ânimos com o Parlamento. A Câmara recorreu da decisão, que aguarda deliberação.
A aprovação da medida foi um ato de cooperativismo, mas também um importante gesto para a oposição, que semanalmente cobra Motta para pautar o projeto que dá anistia aos condenados no 8 de janeiro.
O presidente da Casa já sinalizou que não há consenso em torno do texto apresentado e o partido chegou, na última quinta, a divulgar uma nova versão.
Mas esta pauta não é prioritária de Motta. O presidente da Câmara hoje está mais próximo do governo –já fez mais de uma viagem internacional com o presidente Lula (PT)– e quer evitar uma escalada no confronto com o STF, que vê o texto como inconstitucional.
Apesar da maior proximidade do governo Lula, o presidente da Câmara tem procurado demarcar diferenças com o governo na questão fiscal e nos gastos públicos. Nesta segunda-feira, ele criticou o aumento de impostos, após o governo aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em contratação de crédito para empresas e compra de moeda estrangeira em espécie, entre outras situações.
“O Executivo não pode gastar sem freio e depois passar o volante para o Congresso segurar. O Brasil não precisa de mais imposto. Precisa de menos desperdício”, afirmou, pelo X.
A fala foi uma reação as medidas do IOF e à entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que no dia anterior disse que o Brasil vive um déficit estrutural desde 2015 e que depende muito mais do Congresso do que do governo resolver esse problema. “Hoje nós vivemos um quase parlamentarismo. Quem dá a última palavra sobre tudo isso é o Congresso”, declarou Haddad ao jornal O Globo.
Depois da decisão do Ramagem, que veio na esteira de esbarrões com o Supremo, lideranças da Casa chegaram a discutir aprovar projetos como resposta à corte, antes de Motta embarcar para Nova York, onde participou da Brazil Week, com políticos e empresários.
Na volta a Brasília, os projetos ainda não andaram, mas líderes veem o clima ainda instável com a corte. Sobretudo, no que diz respeito às emendas parlamentares.
Apesar de Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), terem costurado um acordo para a liberação delas, ainda há algumas transferências que foram suspensas por não obedecer às regras de transparência, o que incomodou parlamentares. Além disso, há investigações em curso contra deputados sobre suposto mau uso dos recursos.
Motta adotou um tom mais conciliador que o seu antecessor e busca se equilibrar numa Casa polarizada, e numa relação com muitos ruídos com o STF. A busca por uma agenda mais positiva ou propositiva foi alvo de discussão de líderes com o ministro Gilmar Mendes, como mostrou a Folha.
Aliados de Motta citam como importante projeto aprovado neste ano o que impõe a reciprocidade de regras ambiental e comercial nas relações do Brasil com outros países, como resposta ao anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de um tarifaço que atinge produtos brasileiros.

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