Política

Caminhos da liberdade de imprensa

Diário da Manhã

Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 01:28 | Atualizado há 4 meses

O presidente da Associação Goiana de Imprensa, Valterli Leite Guedes, concedeu uma entrevista, ontem (7), ao Diário da Manhã, em que relembrou os caminhos trilhados em prol da liberdade de expressão no Brasil e em Goiás.

Desde que o Brasil foi descoberto, observamos uma dificuldade de o país se deixar intelectualizar. A impressão de livros era proibida por aqui. Neste sentido, temos que a intenção da coroa era manter a Colônia colônia mesmo! Após a vinda da família real portuguesa para a terrinha, fugida de Napoleão Bonaparte, em novembro de 1807 e depois de se instalar a sede do governo de Portugal no Rio de Janeiro,  foram criados vários órgãos imperiais, dentre eles, a Imprensa Régia.

Até aquele ano era proibida qualquer impressão de livros no Brasil.

Só então houve o início da formação do pensamento nacional, no qual, Valterli Leite Guedes, presidente da Associação Goiana de Imprensa, observa que a nossa convivência com a imprensa e com a liberdade é recente embora tenhamos quase a mesma idade dos Estados Unidos, avalia.

Contudo devido a forma da colonização brasileira, não podemos dizer que houve de fato um grande avanço quanto a este tema. São aproximadamente 517 anos de ocupação apenas, além do que a escravidão prevaleceu por aqui até 1888, o que deixou resquícios.

“A liberdade de imprensa é a principal bandeira da AGI”, observa Valterli.

CENSURADO

O jornalista avaliou que hoje há muito mais liberdade de imprensa, se se comparar com os tempos da ditadura e um pouco à posteriori. Valterli lembra que como jornalista chegou a trabalhar com um capitão e um tenente do Exército Brasileiro ao seu lado, fardados e fazendo censura. “Eles tinham que vistar o que eu escrevia. Além do que, quase todos os dias chegava um oficial, já de certa idade, levando a comunicação diária do que era censurado. Isso acontecia tão somente com os órgãos de comunicação. Os dizeres eram mais ou menos assim: “Por ordem superior, fica proibido…” com timbre do Ministério da Justiça e do Departamento da Polícia Federal.

 


Por ordem superior, fica proibido…”

Fala comum de oficiais da ditadura nas redações dos jonais

 

GUERRILHA

Estas proibições chegavam e os jornais assinavam se comprometendo a não publicar aquele conteúdo. Muitas vezes, o pessoal da Redação tomava conhecimento de fatos do cotidiano graças à censura. Por exemplo: eu tomei conhecimento de que havia uma guerrilha na região de Xambioá (hoje, no Estado do Tocantins. Tratava-se da Guerrilha do Araguaia), quando chegou uma ordem para o Jornal dizendo: ‘Fica proibido a divulgação de qualquer comentário ou notícia, sobre a existência de movimento guerrilheiro na região de Xambioá.’ Isso ocorreu quando eu trabalhava no Jornal 5 de Março, do Batista Custódio. As comunicações eram feitas aos meios de comunicação, como jornais,  rádios ou televisão, e nós tínhamos que assinar a lista de recebimento.”

PRISÃO

Ocorreram muitas prisões civis em razão da dissidência ideológica. Valterli Guedes foi um dos presos: “Eu tinha 18 anos e estava me iniciando no jornalismo. Aconteceu em julho de 1964, quando fui acusado de ser comunista. Líder estudantil, eu havia presidido o Grêmio Literário Visconde de Cairu, da escola comercial Senac, além de ter sido da diretoria da Uges (União Goiana dos Estudantes Secundaristas)”.

DOPS

Relembra que o DOPS/Goiás (Delegacia da Ordem Política e Social) cuidava até então da ordem social, e pouquíssimo de questões políticas. O ex-governador Mauro Borges havia sido eleito em 1960, e em 1964 apoiou o golpe militar. Era um dentre os quatro governadores que ficou encarregado de escolher o presidente da república. “Na verdade, Castelo Branco seria presidente. O que houve foi uma simulação de indicação”, relata.

Sobre a sua prisão, conta que reuniram-se então os quatro governadores encarregados de indicar o novo presidente, que eram Carlos Lacerda (RJ), Ademar de Barros (SP), Mauro Borges e Ildo Meneguetti (RS). Ao voltar dessa viagem pelos estados brasileiros, Mauro Borges ligou para o então secretário de Segurança Pública, Rivadávia Xavier Nunes e perguntou: ‘Nós temos comunistas fichados no DOPS?’ ao que Rivadávia respondeu: ‘não governador!’ Mauro completou: ‘precisamos ter.’ Rivadávia então se deslocou ao 10º Batalhão de Caçadores, que hoje é o 42º BIM (Batalhão de Infantaria Motorizada de Goiânia) e pediu uma audiência com o comandante e a permissão para copiar fichas de comunistas que tinham arquivadas naquele batalhão.

“A minha ficha veio de lá, pois o exército já estava de olho em mim porque eu era militante estudantil. Em abril de 1964 eu era jornalista do Diário Oficial, na condição de revisor. Éramos mais de trinta jovens presos em uma sala de aula. Posteriormente, alguns foram levados para Brasília e outros lugares, outros foram torturados, mas eu fui solto”, relata.

Além de mim, Mauro Borges mandou prender muita gente, o que foi uma surpresa, porque as esquerdas goianas esperavam que ele fosse contra o Golpe. Para surpresa de todos, Mauro apoiou o golpe, tendo sido um dos líderes em prol da ditadura.”

EXPRESSÃO

Valterli diz que hoje há liberdade na imprensa, embora ela muitas vezes esteja limitada ao poder econômico, que é quem financia a informação. “A imprensa brasileira não é uma imprensa modelo, pois está na dependência da liberdade que faz parte da constituição dos três poderes da República. Eles apresentam suas falhas e limitações, e isso reflete na imprensa, pois a liberdade da mesma está adstrita à atuação daqueles”, avalia.

“Falar que havia liberdade de imprensa na ditadura é um equívoco completo. Hoje há liberdade de imprensa, de opinião”, completa Valterli.

LEI DE IMPRENSA

Na ditadura foi elaborada uma legislação de caráter penal em cima dos jornalistas. Ele mesmo é testemunha de que colegas eram julgados em juri popular por crime de opinião, e cita como exemplo o jornalista Batista Custódio, que também presidiu a AGI. Esta legislação foi revogada. “Não existe mais, o que podemos entender que foi um exagero. A Lei de imprensa foi revogada pelo Supremo. Hoje está em aberto e a punição está adstrita ao Código Civil que trata da reparação por danos morais e ao Código Penal, nos casos de calúnia, difamação e injúria”, conclui.

Na opinião de Valterli Guedes, a ausência total de regras permite que, na falta de uma legislação específica, o autor do fato criminoso venha a se tornar uma vítima em potencial, já que o atacado poderá se sentir no direito de fazer justiça com as próprias mãos. “O jornalista há que ter uma primeira chance de agir dentro da lei. Como não há lei específica, a punição fica em aberto, e pode se tornar perigoso”, ao exercício da profissão, observa.

“A AGI está atenta para que a liberdade de imprensa e de opinião prevaleçam, para que sejam punidos aqueles que perseguem jornalistas”, finaliza.

 


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