Lavando a Lava Jato
Redação DM
Publicado em 15 de dezembro de 2015 às 21:28 | Atualizado há 9 anosCritica os métodos do Juiz Moro, denuncia a violação de direitos constitucionais dos presos, questiona a eficácia das “delações premiadas” e mostra que o objetivo final é abater uma hipotética candidatura presidencial de Lula em 2018
Acaba de ser publicado o livro “A outra história da Lava-jato, uma investigvação necessária que se transformou numa operação contra a democracia”. É o 13° volume da coleção “História Agora”, da Geração Editorial, de São Paulo. O autor é o jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do site Brasil 247. Foi redator-chefe de Veja, diretor da Época e da Istoé. Serviu em Paris e Washington como correspondente. Um homem da chamada “grande imprensa”, portanto.Para facilitar a nossa vida. Doravante referir-nos-emos ao livro por “A outra História da Lava Jato”. Tem prefácio de Wanderley Guilherme dos Santos, autor de mais de 30 livros, reluzentes títulos acadêmicos e professor em várias insiutuições de ensino. A orelha é assinada por Luiz Moreira, professor de Direito e autor de livros, tendo já exercido cargo de conselheiro nacional do Ministgério Público. O ministro do Supremo Tgribunal Federal Marco Auélio Mello e o ex-presidente da OAB Marcelo Lavenere, co-autor do pedido de impeachment de Collor, assinam comentários na contra-capa, endossando a obra.
“A outra história da Lava-jato” é um livro de combate. Toma posição contra Sérgio Moro, o juiz que conduz a chamada “Operação Lava-jato”, e contra alguns ministros do STF. Não advogada a inocência de quem quer que seja. Seu protesto é contra os métodos anti-democráticos, ilegais e arbitrários que vêm sendo praticados contra os réus. Dirige seu repúdio contra as sistemáticas violações das garantias individuais asseguradas pela Constituição. Violações cinicamente justificadas pela necessidade transcendente de combater a corrupção e moralizar a administração pública. Matando-se o boi, todos os carrapatos pereceram, sendo este o argumento irrespondível a favor da luta anticarrapaticida.
Entendo a posição de Paulo Moreira Leite. E sei porque muitos odeiam este livro sem sequer o terem lido. Anos atrás, numa série de artigos publicados no Jornal Opção, assumi abertamente a defesa de Otoniel Machado, irmão de Íris Rezende, acusado de ter larapiado dinheiro da Extinta Caixego destinado a pagamento de acordos trabalhistas. Nunca afirmei que Otoniel fosse inocente, o que depois acabou provado e ele absolvido. Protestei contra o linchamento moral que foi submetido, a prisão preventiva motivada por ódio político, o espirito de vendeta que animavam certos figurões dos partidos triunfantes. Lastimei a pusilanimidade de certos jornalistas que, pelos meios de comunicação, apresessaram-se a condená-lo sempre provas, sem dar-lhe oportunidade de defesa, antecipando-se aos juízes – ou, quem sabe, querendo induzir os juízos a subscrever o veredito da mídia. Sei o preço que paguei por ter assinado aqueles artigos. Nada retifico. Mantenho cada vírgula ali escrita.
Um amigo meu, professor universitário de Direito, anti-petista e anti-dilmista, ao ver-me com o livro nas mãos advertiu-me logo: “Esse cara é do PT, trabalhou no governo Lula, ele nega o mensalão, nega a Lava-jato”. Se este for o melhor argumento que os críticos têm para impugnar o livro, já podemos contar que serrá sucesso editorial. Não ler e não gostar, como Carlos Lacerda dizia em tom de blague a respeito de livros publicados por não-udenistas. Como blague é engraçado. Como critério de julgamento estético, uma vergonha para quem o sustenta.
Não discuto o que Paulo Moreira Leite é ou foi. Examino criticamente o conteúdo de seu livro. Quero saber se os fatos em que ele se louva são verdadeiros, se podem ser certificados. A documentação em que ele se baseia é autêntica? Para além das conclusões a quie ele chega – ou para quem destas -, importa a verdade factual. A verdade liberta. Um mais um serã sempre igual a dois, não importa que tenha sido afirmado por Hitler, por Marx ou pelo Papa Francisco. O argumento ad autoritatem – ou, seu reverso, o erga autoritatem – pode engambelar os trouxas, os que não têm educação em lógica, mas não tem força contra fatos provados. Neste momento em que a liberdade está em retirada e o neo-fascismos afiam suas garras, nada melhor que fazer do art. 5 da Constituição a nossa kalashinikov.
No entanto, vivemos em um tempo dominado pelas “mídias”, em que a verdade tem que ser berrada mil vezes para ser aceita como tal. A mentira é aceita de cara, basta ser anunciada em única vez se for endossada por Veja, TV Globo, Folha de S. Paulo, Estadão, por aí indo.
Mesmo se deixando levar pela indignação moral, em certas passagens, o autor é um repórter criterioso. Primeiro ele expõe detalhadamente os fatos tal como se deram. Fatos que podem ser verificados nos autos ou no noticiário da imprensa, ainda que falho e tendencioso. Dali ele extrai conclusões corajosas. Corajosas porque vai de peito aberto na contra-mão da opinião vigente, estabelecida pela grande imprensa.
Corrupção na Petrobrás sempre existiu. Foi denunciada pelo finado Paulo Francis em rede nacional de televisão. Ninguém se deu o trabalho de checar as relevações de Francis. Ele acabou tomando o processo na testa, que o aperreou tanto que acabou levando-o a morte por estresse. Só perceberam corrupção na Petrobrás depois que o PT chegou a ao poder.Mas isto pode ser mera coincidência, não tiremos conclusões precipitadas.
É fato que Sérgio Moro, o juiz da operação Lava-jato, acabou se tornando, na prática, o homem mais poderoso do Brasil. É o homem que manda prender e manda soltar, castigar, vigiar e perseguir. As sumidades brasileiras em Direito Processual Penal se perguntam, esbalizadas e perplexas, como este juiz de primeira instância tornou-se o condutor da maior razia judicial contra a elite do empresariado nacional tem ter competência para tal. Os crimes investigados aconteceram fora da jurisdição dele. Mas ele firmou competência graças a uma forçada aplicação das regras de competência por prevenção.
O autor afirma que Moro ordenou centenas de prisões preventivas desnecessárias, mantendo presos, sem culpa formada, por tempo demasiado longo, pessoas que tiveram a desdita de serem referidas em depoimentos pelos delatores, ou seu nome aparecer incidentalmente em alguma interceptação telefônica. A funções dessas prisões arbitrárias – mas coonestadas pelo ministro Teori Zavaski, do STF – é forçar o preso a fazer as “famigeradas delações premiadas”. Delações que, para serem válidas, devem ser espontâneas, mas que, no caso da Lava-jato, foram obtidas por meio de tortura psicológica.
Ao negar habeas corpus aos presos da Lava-Jato, o STF fez, informalmente, o que a ditaduuda fizera por meio do AI-5. Tornou a sagrada instituição do habeas corpus, no Brasil, uma piada de mau gosto. Basta alegar que o sujeito deve ficar preventivamente preso por “garantia da ordem pública”, fórmula vazia que não corresponde aos fatos, para o cidadão ficar apodrecendo na carceragem da PF de Curitiba.
No reino moralizante do Juiz Moro os abusos não se limitam às prisões com a finalidade de levar o preso a produzir provas contra si mesmo. Nunca se grampeou tanto telefone. Grampeia-se primeiro, depois pede-se a um ujioz que autorize, retroativamente, o grampo. O autor denuncia que os réus têm a sua defesa cerceada pelo Juiz Moro, que nega a seus advogados acesso aos depoimentos dos delatores. É o caso de José Dirceu, preso no xadrez da PF de Curitiba, apesar de já estar cumprindo pena em regime aberto em Brasília. Dirceu nem sabe do que o acusam, pois Moro lhe nega o direito de conhecer o que dele disseram os delatores.
O processo, semi-secreto, fere os mais elementares princípios da justiça criminal democrática, que exige processo público. Mas, dirão aí, que as delações premiadas tramitam em segredo de justiça. O segredo de Justiça foi instituído em lei no interesse do réu, não podendo ser meio de cerceamento de defesa deste. Mas isso seria o de menos se o conteúdo de parte dessas delações não fossem parar na imprensa.
De forma seletiva, a imprensa acaba sabendo o que deveria tramitar em segredo de justiça. A partir daí, faz o seu carnaval e fornece munição política aos que querem derrubar o governo Dilma. Às favas os princípios democráticos que a grande imprensa diz defender. O vazamento de informações processuais interditadas pelo “segredo de Justiça” constitui crime. Mas este é um crime no qual reincidem alegremente gente que deveria zelar pela inviolabilidade do segredo. É um crime que a grande imprensa, sua principal beneficiária, não denuncia. Tantas e tão reiteradas foram a violação do segredo de justiça que o instituto está desmoralizado. A lei diz que é crime. Mas todos fazem vistas grossas. Não se sabe de um único processo contra quem tenha vazado tais segredos.
Paulo Moreira Leite faz uma grave acusação. Ele afirma que tais vazamentos têm o beneplácito de Sérgio Moro. Em que ele se baseia para fazer tão grave acusação? Em uma artigo que Moro fez publicar tempos atrás na internet. Comentando a “Operação Mãos Limpas” da Itália, Moro prega coisa semelhante no Brasil. Prega e faz. A lava-jato é a “operação Mãos Limpas” do juiz curitibano.
Neste artigo – quem quiser poderá achá-lo na internet -, Moro prega abertamente o uso de medidas heterodoxas contra os políticos a serem investigados. Sua melhor estratégia é buscar o engajamentno da imprensa, a ser manipulada por meio de vazamentos seletivos de informações sigilosas. A imprensa, como correia de transmissão das diretrizes dos investigadores, ajuda a “delegitimar” as ações defensivas dos réus. Moro cunhou e pôs em cirulação este neologismo, “deslegitimar”, que é o meio pelo qual, manipulando jornalistas e repórteres ávidos por “exclusividades”, inibe toda e qualquer reação aos metodos heterodoxos de investigar e punir.
Paulo Moreira não diz. Eu o digo, aqui e agora. A imprensa brasileira nunca caiu tão baixo como nas coberturas do Mensalão e da Lava-Jato. Repórteres e editores tem se tornado marionetes de gente da magistratura e do ministério público,traindo de forma repróvavel o compromisso de informar com independência e opinar com conhecimento de causa.
A omissão da imprensa em face dos críticos de Moro dá a impressão de que ele conta com unâmime aprovação no mundo jurídico. A impressão é falsa. Moreira colaciona depoimentos de importantes e respeitáveis figuras do Direito Nacional. São vozes respeitável no mundo acadêmico, na advocacia e mesmo nos tribunais. Entre os maiores críticos de Moros está o ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo do STF. Marco Aurélio é tido como o último “garantista” a pontificar nos tribunais superiores. “Garantismo” é o nome de uma doutrina formulada pelo filósofo italiano Noberto Bobbio que, resumindo superficial e grosseiramente, repele todo e qualquer argumento que vise relativizar a aplicação das chamadas “garantias individuais”. Aquelas regras – que no Brasil está elencadas nos mais de 50 incisos do Art.5 da Carta Magna – devem ser tomadas dogmaticamente pelos homens de Estado. Compromisso solene que o poder político assume com a cidadania, nele repousa a credibilidade da democracia. O desrespeito não reparado a qualquer dessas cláusulas desnatura a essência democrática do regime, faz renascer a ditadura.
Tão importante é o papel do Judiciário em dar efetividade às garantias individuais que um antigo ministro do Supremo, Eros Graus, cunhou frase antológica, que deveria encimar o pórtico de todos os fóruns deste país: “Pior que a ditadura das fardas, é a ditadura das togas”.
Mas todos os belos discursos sobre o papel transcendental da magistratura como última trincheira de luta do cidadão contra o poder opressor de agentes estatais acaba reduzida a pó de traque quando o comportamento indecoroso de um Joaquim Barbosa, a falta de compostura de um Gilmar Mendes, ou a brutalidade processual de um Sérgio Moro são festejados por jornalistas ignorantes, ou maliciosos, e louvados como exemplo de condutas virtuosas. A ponderação e de um Ricardo Levandowiski é muitas vezes ridicularizada, tratada de forma desrespeitosa. Por suas ideias arejadas e lúcidas, um Luiz Fachim é execrado e tratado como o mais diabólico dos hereges.
Também merece destaque um ponto em que o próprio Moreira toca de passagem. Um ponto que deveria ser melhor abordado. Fica como tema para um próximo livro. O ponto é: a operação Lava-Jato já deu prejuízos econômicos ao país que são muito maiores do que supostamente teria sofrido a Petrobrás. A empresa foi forçada a reverter investimentos. As maiores construtoras do país estão virtualmente arruinadas. Grande parte da recessão pela qual o Brasil atravessa tem como causa a ação da Lava-jato. Não se quer aqui propugnar pela impunidade aos corruptos. O que aqui se chama atenção é para os efeitos ruinosos do circo armado por Moro, os procuradores da “Força Tarefa” e os policiasi federais que participam da operação. Policiais que, em sua maioria, são inimigos declarados do PT, fizeram campanha injuriosa contra Dilma Roussef e transgrediram normas cometinhas de disciplina funcional para ar vazão às suas predileções partidárias.
A imprensa fala constantemente em “dinheiro desviado da Petrobrás”. Isto nunca existiu. Se duvidam, examinem balanços, relatórios contábeis, demonstrações financeiras e outros documentos da empresa disponíveis na internet quem tenha ânimo e coragem para encarar a verdade e não compra lorotas como “dinheiro desviado da Petrobrás”. A própria Folha de S. Paulo dispõe em seu site um esquema gráfico que mostra que o dinheiro das “propinas” vinham das empreiteiras, não dos cofres da Petrobrás. Se tivesse havido desfalque, o correto seria falar em peculado, não em corrupção.
Mas os defensores de Moro dirão, com voz triunfante, que o dinheiro era desviado da Petrobrás por meio de “contratos superfaturados”, outro clichê largamente mepregado por jornalistas que, em geral, não sabemdo que se trata. Burocratas criam dificuldades para vender facilidades. Quem conhece bem o que se passa nos desvãos da burocracia estatal, sabe que muitas vezes o empresário tem que pagar propina para obter o que lhe pertence por direito. São, muitas vezes, chantageados por diretores inescrupuolosos. Mas acabam ficando viciados no jogo. Sabem que podem comprar, também, favores ilicítos. Reduzir o excesso de burocracia no Brasil teria o efeito de virtualmente extinguir a corrupção. Mas a maioria inguenuamente acredita que basta por os corruptos e os corruptores na cadeia para resolver o problema.
Com base que se afirma que os contratos com a Petrobrás foram superfaturados? Ela adquiriu bens e serviços a preços acima dos praticados pelo “mercado”? Mas que mercado e esse, que tem um único comprador e, por isso, pode impor ao mercado o preço que bem entender? Mas não fiquemos em especulações. Em vez de mandar prender gente a torto e a direito – inclusive de gente absolutamente inocente, como é a cunhada de João Vaccari, presa dez dias só pro ser cunhada do tesoureiro do PT – Moro prestaria um grande serviço à nação mandando submeter a perícia contábil os grandes contratos da Petrobrás. Só uma judiciosa auditoria poderia estabelecer, acima de qualquer controvérsia, toda essa lenga-lenga sobre “contratos” superfaturados”.
Dinheiro “desviado” da Petrobrás financiavam campanhas eleitorais, entrando como doações das empreiteiras. Se algum candidato tiver que ser punido por isso, escapam. Talvez, o pessoal do Psol, da Causa Operária, do PSTU e outras microscópicas siglas de esquerda, cujas chances de chegar ao poder são nulas. O autor do livro salienta, com base em documentação da justiça eleitoral. Que todos os partidos receberam doações das empreiteiras. Aécio Neves recebeu até mais do que Dilma. Júlio Salgado, o relator do processo que cassou José Dirceu, recebeu 150 milhões de empreiteiras para fazer campanha. Mas quando o PT recebe doações, diz-se que recebeu “propina”.
Paulo Moreira Leite é petista? Acho irrelevante se for. Caso seja, vê-se pelo que escreve que o seu petismo não o limita. Ele guarda para o PT algumas de sua verrinas. Critica o exagerado bom mocismo de Lula e Dilma, essa coisa do enforcado comprar a corda para facilitar a vida do carrasco. Critica a inabilidade política de Dilma no encaminhamento de certas questões, na sua afoites em dar respostas irrefletidas aos provocadores. Critica, sobretudo, o deslumbramento da elite petista que chegou ao poder, o seu aburguesamento, a sua traição a um modo de vida ascético que legitimava a luta. Todos podem se esbaldar no luxo, menos os dirigentes do PT, que caiu na graça do povo justamente por combater o luxo. Muitos se perverteram, e isto maculou a causa.
O livro sai momentos antes de Eduardo Cunha admitir a ação de impeachment contra Dilma Roussef. Foi encerrado pouco antes do desmembramento da operação Lava-Jato. Os dados estão rolando. Mas este livro é um bom inventário dos descalabros até aqui cometidos. Não recomendo este livro aos que, tendo espírito de manada, recusam-se a pensar pela própria cabeça, e seguem correndo desembestados nomeio do estouro, sem saber omo e porque seguem aquela direção. Este livro, lido com atenção, pode abalar convicções, levar o leitor a mudar de ideia. Como todo livro que liberta e instrui, este também é muito bom para ser queimado em praça pública.