Política

“Não há acordo com bandido, acordo com essa elite política, corrupta”

Redação DM

Publicado em 29 de maio de 2018 às 02:11 | Atualizado há 7 anos

O general do Exército Au­gusto Heleno Ribeiro Pe­reira, 71 anos, natural de Curitiba, domina a cena política brasileira com declarações duras e polêmicas, desde que foi para a reserva, em 2011. “Não há acordo com bandido, acordo com essa eli­te política, corruta”, disparou o mili­tar, em entrevista à Globonews, no último dia 18 de março. Suas opi­niões caíram como uma bomba no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional e também na Fiesp, sede da elite empresarial paulista.

Inconformado com os escânda­los de corrupção que grassam o país, revelados pelas delações da ope­ração Lava Jato, o general Augusto Heleno, disse, na entrevista ao bra­ço da TV Globo, que não há conver­sa: “Não se pode aceitar civil condu­zindo o destino do nosso país, onde nascemos, onde temos empregos, como bandido. Eu não me sinto re­presentado pela pessoa que dirige esse país. Eu tenho nojo dessas pes­soas. Ponto final, não há conversa”.

Para o ex-comandante militar da Missão da ONU para a Estabiliza­ção no Haiti, de junho de 2004 a se­tembro de 2005, o Brasil não anda por causa “desses criminosos” que tomaram o aparelho do estado, al­guns há décadas. “Eles merecem o opróbrio da nação. Tenho asco, nojo deles. Eles não merecem nem cum­primentá-los. Eles não merecem ser chamados de brasileiros.”

Na sua cruzada pela mudança dos rumos da política brasileira, o ex-comandante militar da Amazô­nia, o general diz ser preciso mostrar que “aqui é o Brasil dos brasileiros e das brasileiras. Isso aqui é uma pátria e não uma terra de bandoleiros e de sem-vergonhas.”, disse à Globonews.

Augusto Heleno discorda de que existe a história d que o bra­sileiro tem no DNA o vírus da cor­rupção. “Quem é corrupta é a elite desse país. A política que é corrup­ta. Essa elite tem os três poderes carcomidos, não serve para nada”.

-essa história que o brasileiro tem DNA de corrupto…quem é corrupto é a elite desse país. A política que é corrupta. Essa elite tem os três pode­res carcomidos, não serve para nada.

Para o militar, a República bra­sileira vive a crise mais grave de sua história. Não há diálogo com ban­didos, com traidores da pátria. Esta é a questão chave: ou a gente olha o Brasil como ele é ou eternamen­te vamos viver uma situação gra­víssima, de uma crise política que não termina”.

SEM DIÁLOGO

O general Augusto Heleno é ta­xativo: “Não é possível dialogar com quem nos governa. É impossível”. E justifica: “Um presidente, por exem­plo, que manda um auxiliar pegar uma mala com mil reais, a gente vai aceitar isso pacificamente? Nós não temos sangue brasileiro? Somos o que? Mas é perigoso falar isso… Como é perigoso? A gente vai viver de joelhos? Para essas pessoas, para o Aécio Neves, que pegou dois mi­lhões de reais, para o Lula, o crimi­noso de São Bernardo de Campos? É com esses que vamos confessar? Com os que estão no Legislativo, no Judiciário? Gente que envergonha a justiça brasileira? É com aquele Su­premo que está aí? Não. A gente tem que dar costas a eles. Ou nós temos dignidade, honra ou vamos viver de joelhos para criminosos.”

O militar, em sua fala à televisão, sustenta: “Temos que ter coragem de mudar. Se a gente tiver coragem de brasileiro, derruba tudo isso que está aí. Essas instituições estão car­comidas, destruídas.”

Ele disse que, Estado de Direito no Brasil é para “defender crimino­so” e que, trânsito em julgado, é para “bandido”. E completa: “É para o Jor­ge Picciani, Sérgio Cabral, Aécio Ne­ves, Lula e tantos outros.

Augusto Heleno frisa que a Cons­tituição brasileira, “em tese é boa”, mas indaga: “Ela protege o direito do pobre, da classe média, de quem paga impostos? Protege nada”.

Em outro trecho, o militar ques­tiona a atuação dos advogados que defendem os políticos nos tribu­nais: “E os escritórios de advocacia que estão milionários, defenden­do político corrupto? As mansões de Brasília, de quem são? E o su­jeito que vai para a França come­morar aniversário, para dar risa­da na nossa cara? Será que um dia ele perguntou qual a origem do di­nheiro dele, que é dinheiro rouba­do? Tanta gente morrendo porque não tem hospital porque o político roubou e pagou para ele? Chega, mas vão dizer: “A OAB vai reclamar contra você”. Já reclamou.”

Em sua indignação, Augusto He­leno prossegue: “Tem que mudar, não pode tergiversar. Preto é preto, branco é branco, patriota é patrio­ta, traidor é traidor. E quem recebe mala é traidor, quem dá mala é trai­dor, quem é aliado desse sistema corrupto, é traidor. Acabou. Chega. Ou a gente constrói uma república digna desse nome ou isso aqui vai ser essa bandalheira ad eterno.”

 

“Não dá para ser filho de Maria nessa hora”

O general Augusto Heleno Ribei­ro Pereira foi o primeiro comandan­te de tropas brasileiras no Haiti, entre junho de 2004 e setembro de 2005. Lá enfrentou situações parecidas com as que o Exército encontrará nas favelas do Rio de Janeiro duran­te a intervenção federal: crimino­sos bem armados, um terreno difí­cil e uma população tornada refém.

Na reserva desde 2011, ele possui trânsito entre o alto oficialato, tanto que usa o pronome “nós” ao se refe­rir ao Exército e aos colegas de farda. Entre seus interlocutores está o inter­ventor nomeado pelo presidente Mi­chel Temer, general Braga Netto. Para o general Heleno, os principais pon­tos a serem acertados pelo governo federal no Rio são a dotação de meios (homens e equipamentos) e a cria­ção de regras para uso da força con­tra criminosos, a fim de que no futu­ro ninguém seja acusado de abusos. Ponderado, sua conversa só desan­da quando discorre sobre a Comis­são Nacional da Verdade (CNV), que apontou os colaboradores e tortura­doresdaditaduramilitar(1964-1985).

General Augsuto Heleno Ribei­ro Pereira conversou com o repór­ter André Vargas, da revista Istoé.

 

 

 

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

 

As Forças Armadas estão preparadas para combater em áreas repletas de civis?

O Exército atuou por 13 anos no Haiti e há similaridades. Lá não havia pontos de vendas de drogas mantidos com sacrifício de vidas, mas a sensação para os soldados é muito parecida. Há risco de tiros, inferioridade geográfica e possibi­lidade real de confronto com gru­pos armados.

O senhor acredita que só tropas nas ruas podem acabar com os tiroteios?

Seria muito difícil. O Rio de Ja­neiro é uma cidade gigantesca. Não há efetivo nem condições para estar­mos em todos os lugares. É preciso fazer uma seleção dos pontos críti­cos e depois ir expandindo. Isso foi feito em Porto Príncipe. À medida que pacificávamos um local, pas­sávamos para outro.

Em que situações o Exército vai poder atirar?

Que a atuação seja respalda­da pela lei. Regras de engajamen­to devem balizar o comportamen­to das tropas. Em todas as missões da ONU, essas regras estão guarda­das nos bolsos dos militares para não haver dúvidas. No Haiti, va­liam as das missões de imposição da paz, que pregam a proporciona­lidade de forças. Se o bandido está de fuzil, não se pode atirar nele de canhão. Outro ponto: se o sujeito demonstrar alguma intenção hos­til, é possível chegar à letalidade [atirar para matar], a fim de evi­tar baixas entre a população ino­cente. Só que antes ele precisa ser advertido, mesmo que o ato hostil não tenha ocorrido. No Haiti, quan­do tocavam fogo em pneus no meio da rua, pegávamos o megafone e alertávamos em francês que eles es­tavam sujeitos a ser alvejados. Se continuassem, que arcassem com a responsabilidade.

Mas o Brasil não é o Haiti.

No caso daqui, antes defendo uma ampla campanha de divulga­ção em todas as rádios e TVs aler­tando que não dá mais para tocar fogo em ônibus, roubar cargas, blo­quear ruas, atirar para o alto e, so­bretudo, exibir ostensivamente ar­mas, principalmente as de guerra, como fuzil, submetralhadora ou pistola de grosso calibre. Quem es­tiver armado assim, será alvo das forças legais, podendo ser morto mesmo sem acionar o armamen­to. Hoje, eles [criminosos] fazem isso por deboche, saindo por aí na garu­pa de motos portando fuzis diante da polícia. E ninguém pode atirar, pois uma bala perdida vai acertar numa criança ou numa senhora grávida. Não vivemos uma situa­ção normal no Rio, por isso temos que tentar mudar. Há reação con­tra algumas medidas, mas é preci­so entender que a intervenção já é uma excepcionalidade.

O que é preciso para que a intervenção funcione?

Flexibilidade, mobilidade e tro­pas especializadas. Flexibilidade são as regras de engajamento. Elas podem parecer violentas, mas não o são diante de um adversário vio­lento. Por isso é preciso atingir um nível de resposta compatível com o de quem está do outro lado. Não dá para ser filho de Maria nessa hora. Já a mobilidade são meios aéreos que permitam deslocamentos rápi­dos por uma cidade congestionada como o Rio. Com três tiros é possí­vel travar a Linha Amarela. Heli­cópteros permitiriam atuar tanto em situações de emergência, como em operações que exijam rapidez e sigilo. As tropas também precisam ser especializadas e compostas, de preferência, por gente que não more no Rio de Janeiro.

Como garantir a segurança da população diante de criminosos bem armados de um lado e militares do outro?

Sendo comedidos, como no Haiti. Buscando se aproximar da população, ressalvando os direi­tos humanos, o estado de direito e contando com respaldo jurídi­co naquelas situações em que há dubiedade.

Há também problemas institucionais, como corrupção nas polícias. Isso tropa e comando não resolvem. O que fazer?

Esse é um dos problemas mais sérios a serem resolvidos no curto prazo. Quando os policiais perce­bem que os exemplos do mais alto escalão são nefastos, acabam ce­dendo, se não tiverem a grande con­vicção de que o melhor é ser hones­to. Se o chefe não tiver moral para colocá-los na cadeia, facilmente eles se acharão no direito de se lo­cupletar.

Isso é regra?

Convivi minha vida inteira com policiais. A maioria é hones­ta e respeita a farda. Também é pre­ciso melhorar a seleção e forma­ção. Como é preciso colocar gente na rua com rapidez, eles acabam não recebendo a preparação ade­quada. Isso exigiria um trabalho de longo prazo. Antes, porém, se­ria preciso um expurgo. Há gente na polícia que sabe apontar quem deve sair e dá para fazer uma lim­pa. O problema é que os meandros judiciais não garantem que isso fun­cione, já que existem tantas instân­cias, embargos e procrastinações que o sujeito leva 20 anos para ter uma punição.

Que ações seriam necessárias para que não aconteça o que ocorreu com as UPPs?

Elas provocaram uma migra­ção da bandidagem. Outros luga­res, como Niterói, pioraram, pois muito bandido foi para lá. Além disso, no início eram poucas uni­dades, com efetivos compatíveis. Só que não ocorreram ações em ou­tros níveis de poder para que as UPPS mudassem a vida dos mo­radores, com a chegada de educa­ção, saneamento e postos de saúde. Daí o policial conclui que está co­locando sua vida em risco sem que nada melhore. Junto com esse des­gaste, as UPPs se espalharam pelo Rio sem efetivos, com policiais mui­to novos e acabaram contamina­das. Hoje suas casinholas viraram alvo de tiros.

Em conversas com colegas que ainda envergam farda, qual é o ânimo em relação à decisão do governo?

Nós somos patriotas. Uma me­dida dessas, ainda que tenha sido de surpresa, sempre será bem aco­lhida. Não vai haver sabotagem, protestos ou críticas desenfreadas. É óbvio que estamos preocupados, pois sabemos da gravidade da si­tuação do Rio. Também sabemos que a conjuntura jurídica do Bra­sil hoje é muito ruim, em todos os aspectos. Esse é um sentimento ge­neralizado, não só no meio militar.

O ministro da Defesa disse que o Exército não terá poder de polícia. Como assim?

Isso é surreal. Como se chama uma força para atuar na seguran­ça pública sem lhe dar poder de polícia? Não acredito nisso. Além do mais, a Constituição dá direi­to a qualquer cidadão prender al­guémemflagrantedelito. Issoéclaro. Quando se fala em poder de polí­cia, se trata muito mais do poder de investigar. Além do mais, o de­creto de intervenção é muito mais forte que os decretos de GLO [Ga­rantia de Lei e da Ordem].

Juristas afirmam que mandados de busca coletivos são ilegais. Como vasculhar uma grande área sem esse instrumento legal?

Ninguém foi ouvir o que pensam as forças legais e o interventor. No Haiti, não dependíamos de manda­dos e fizemos vários cer­cos e revistas sem cometer atos arbitrários. Isso [o direito de fazer buscas] estava dentro de uma medida de exceção, comoéaprópriain­tervenção agora. Atéconverseicom o general Braga Nettosobreisso. Sei por ele que a intenção não é sair pelas comunidades vasculhando a casa de gente que nada tem nada com a história. Ninguém irá lá só para mostrar serviço. Essas ações serão precedidas de trabalhos de in­teligência ou de evidências. Temos que sair dessa burocracia exagera­da que dá cada vez mais liberdade aos criminosos. É isso que as pes­soas não estão entendendo.

O comandante do Exército, general Villas Bôas, afirmou que deseja garantias de que as ações militares não gerem uma nova Comissão Nacional da Verdade. Se os limites da lei não forem ultrapassados, isso não ocorrerá. Onde ele quer chegar?

A nossa geração, minha e dele, foi toda formada no regime mili­tar. Eu saí oficial em dezembro de 1969. O regime durou até 1985. Por 15 anos, como tenente e capitão, vivi a fase de contenção da luta ar­mada para que o Brasil não viras­se uma Colômbia, que não tivésse­mos aqui uma Farc ou virássemos uma Cuba. Nenhuma organização da luta armada fazia qualquer re­ferência à democracia. Pode pro­curar. Alguns de seus ex-integran­tes têm a dignidade e a coragem de declarar isso.

Mas houve tortura.

O que aconteceu é que as ditas forças de repressão eram forma­das para combater a luta arma­da. Seus integrantes cumpriram as missões que lhes foram dadas. Depois, muitos deles, como o pai do general Sérgio Etchegoyen [o gene­ral Leo Guedes Etchegoyen], do Ga­binete de Segurança Institucional, acabaramrelacionadospelaCo­missão da Verdade como tor­turadores. Ele nunca teve nenhuma participação. AComissãodaVerdade só apurou excessos, cri­mes e torturas do lado das forças legais. Os integrantes das orga­nizações que lutaram para derrubar o regi­me militar e, por trás, tentaram fazer doBra­sil uma república po­pular, tipo China, são como heróis. Ganha­ram indenizações, polpudas apo­sentadorias e passaram em bran­co. Eles não mataram guardas de banco, soldados, um capitão ame­ricano [Charles Chandler] na por­ta de casa e o presidente da Ultra­gás [o dinamarquês Henning Albert Boilesen]? Essa Comissão foi um festival de mentiras e distorções. O general Villas Bôas tem razão. Da­qui a 30 anos vão dizer que os mi­litares que participaram da inter­venção no Rio eram torturadores.

 



Há gente na polícia que sabe apontar quem deve sair e dá para fazer um limpa. O problema é que os meandros judiciais não garantem que isso funcione”

 

A intenção não é sair pelas comunidades vasculhando a casa de gente que nada tem com a história. Essas ações serão precedidas de trabalhos de inteligência ou de evidências. Temos que sair dessa burocracia exagerada que dá cada vez mais liberdade aos criminosos”


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