Política

O Brasil dos analfabetos em política

Diário da Manhã

Publicado em 30 de janeiro de 2018 às 01:48 | Atualizado há 4 meses

Muita movimentação po­lítica tem sido vista ul­timamente: protestos em torno da condenação e da pré­-candidatura de Lula, publicações e provações políticas nas redes so­ciais, pré-campanha de candida­tos, movimentos políticos supra­partidários. No entanto, no geral há pouco entendimento profundo do que se está fazendo e dizen­do. A pesquisa “Sonho Brasileiro da Política” de 2014 mostrou que 39% dos jovens vivem alheios à política. Outros 45% têm interes­se por política, mas são passivos em relação a ela. De fato, muitos eleitores não entendem bem o funcionamento dos três poderes nem as competências específicas de cada um dos cargos do Execu­tivo, Legislativo e Judiciário em ní­vel municipal, estadual e federal.

O desinteresse e desconheci­mento do brasileiro sobre política é um reflexo da falta de educação política nas escolas e em casa. É o que afirma ao Diário da Manhã um dos empreendedores do pro­jeto Politize!, Gabriel Marmentini. Para ele, o ensino brasileiro deve­ria voltar a ter disciplinas obrigató­rias de educação cívica, como já foi realidade na época da ditadura mi­litar, mas dessa vez à luz dos ideais do século XXI. “Com esses conteú­dos dentro da escola, conseguimos formar jovens mais completos des­de cedo. E isso não serve só para a educação política, mas também para a educação financeira, sexual e de gênero”, explica.

O professor de História Marcel­lo Barreto, em entrevista ao Diário da Manhã, critica que é ensinada muita coisa inútil nas escolas. “O aluno aprende sobre a Primavera Árabe, mas não aprende o que é o IPTU, o INSS, o FGTS. Justamen­te para que ele cresça e simples­mente pague, sem saber para que ele serve. Ele completa 16 anos e pode votar sem saber ao certo qual a função de um vereador, um pre­feito, um deputado estadual e fe­deral”, conta Marcello. Para ele, a consciência política das massas seria uma ameaça às elites e por isso ela não é interesse dos que estão no poder. Antes, prefere-se promessas populistas e o atendi­mento imediato de algumas ne­cessidades da população, o que facilita a manipulação.

Devido aos apertados pro­gramas de aula do Ensino Mé­dio, o professor e doutor em His­tória Cristiano Vinicius Gomes sugere cursos extracurriculares de conhecimentos básicos sobre política e direitos civis. Além dis­so, ele vê como um agravante o re­púdio brasileiro à leitura. “O Brasil saiu da enxada para a TV e da TV para internet, mas não pegou no livro”, ele costuma dizer para seus alunos. Consequência disso são diversos profissionais tecnicistas que não sabem ler seu mundo cri­ticamente, frisa Cristiano.

Sobre os debates nas redes so­ciais que aparentam consciência política, Cristiano explica que na verdade a lógica da internet é sem­pre endossar o que já se pensa e se acredita, sem diálogo com o dife­rente. Não é um espaço de con­vencimento, mas de autoafirma­ção e ataque a outras visões, o que prejudica a democracia. “Como nas redes sociais você tem pouca profundidade no debate, com sentenças curtas, os argu­mentos são quase todos falacio­sos”, alerta o professor.

O Diário da Manhã entrou em contato com a assessoria de im­prensa do Ministério de Educação (MEC) e, em resposta, ela declarou que “educação política é algo co­nhecido como transversal, assim como, por exemplo, educação fi­nanceira ou educação ambiental ou meio ambiente. Ou seja, pode ser tratado em mais de uma disciplina, pelo conjunto de componentes cur­riculares que a BNCC apresenta.”

Além das escolas, Gabriel Mar­mentini considera importante para construir um país educa­do politicamente a atuação das universidades em projetos de ex­tensão, eventos e disciplinas op­tativas com temas políticos. O empreendedor também chama atenção para o potencial das asso­ciações de moradores e dos gru­pos religiosos para educarem e engajarem politicamente.

“Com certeza o Brasil não é o único país que tem dificulda­des com educação política nem está entre os piores nesse quesi­to, já que muitos países nem são democráticos. Mas também não está entre os melhores”, conta Mar­mentini. Em um panorama inter­nacional, o Índice de Democra­cia da revista The Economist, que avalia a qualidade democrática de 167 países, posicionou o Brasil em 2016 no 51° lugar. A avaliação leva em conta cinco pontos: processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura polí­tica. Segundo Marmentini, as duas últimas categorias são as que mais rebaixam o Brasil no ranking.


Projeto de educação política Politize! já alcançou 10 milhões de internautas

O Politize! é um site e aplicati­vo de conteúdos didáticos sobre política sem vinculações parti­dárias ou ideológicas. Seus 150 cooperadores voluntários pro­duzem textos, infográficos, qui­zzes (questionários), e-books (li­vros digitais), podcasts (arquivos de áudio) e webinários (seminá­rios realizados na internet). Ati­vo desde julho 2015, o Politize! já alcançou 10 milhões de pessoas pela sua plataforma e atualmen­te tem 25 a 50 mil acessos diários.

Para além das telinhas, o grupo já fez parceria com outras organiza­ções presentes nas escolas–como o ‘Amar é simples”, de Belo Horizon­te–elaborando panfletos de políti­ca para crianças. Agora o Politize! está trabalhando na produção de livros didáticos que se adequem ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) do MEC, com o intuito de esse mate­rial ser distribuído nas salas de es­colas públicas e privadas de todo o Brasil. “Queremos ensinar política lá dentro. Criar material próprio e fazer com que isso vire política pú­blica. Não é só um site que vai re­solver a educação política”.

Outros projetos em iniciação do Politize! são a sua escola de ensino à distância e seu curso de embai­xadores–jovens que querem im­pactar seus municípios e vão criar grupos de atuação política. Um dos líderes do grupo, Gabriel Marmen­tini, afirma que o Politize! tem in­teresse em tornar o ambiente das eleições deste ano mais democrá­tico e com discussões positivas.

O Politize! nasceu justamen­te para suprir uma importante lacuna da educação brasileira: o grande déficit de conhecimento da população sobre o sistema po­lítico-partidário. Temos como pre­tensão fazer com que mais e mais pessoas conheçam a política do nosso país e, a partir disso, pas­sem a ser cidadãos mais engaja­dos, que tomem iniciativas rela­cionadas a esse sistema político.

Entendemos que isso é es­sencial para combater proble­mas como a corrupção, o pa­trimonialismo e para que cada vez mais surjam iniciativas de melhoria na gestão pública.

A população possui instru­mentos à sua disposição para se envolver diretamente com a política brasileira, instrumen­tos como a iniciativa popu­lar, a Lei de Acesso à Informa­ção e o Portal da Transparência.

 


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