O inferno de Daniel Vilela
Diário da Manhã
Publicado em 28 de dezembro de 2016 às 01:25 | Atualizado há 8 anosO deputado federal Daniel Vilela está mesmo ferrado. Repercurtiu mal, mas muito mal mesmo, a aprovação de um projeto de lei seu que emenda a Lei Geral das Telecomunicações. O deputado goiano, que é presidente da secção estadual do PMDB, recebeu críticas pesadas das principais revistas semanais do Brasil, inclusive de Veja, porta-voz oficiosa do neoliberalimo brasileiro e apaixonada defensora dos interesses do mercado financeiro. E, claro, mais pró-americana do que Trump. E, no entanto, o projeto apresentado pelo herdeiro de Maguito Villela, de quem Daniel é filho, é um primor de aplicação do pensamento neoliberal. O projeto de Daniel é megaprivatizante. Por que ele está sendo execrado em vez de celebrado? Que os comunistas e os nacionalistas o xinguem, é compreensível. Mas não seria mais coerente ele ter o aplauso dos neoliberais?
O problema é que o projeto de Daniel entrou na contramão da onda moralizante que varre o país nesses tempos de lavajatos furiosos. Bastou a senadora comunista Vanessa Graziotini, do PCdoB do Amazonas, denunciar que o projeto estava dando às telefônicas um presente de mais de 40 bilhões de reais para que uma onda de indignação patriótica se levantasse contra Daniel. Ninguém está dando a mínima para o fato de Pedro Parente estar liquidando a Petrobras na bacia das almas, de estar vendendo por dois o que vale cem. Ninguém está dando a mínima para o fechamamento da induústria naval brasileira e a compra, sem licitação, de petroleiros e sondas de perfuração na Ásia, a preços superfaturadíssimos que geram mais de 50 mil empregos no Oriente, enquanto operários navais ultraqualificados vendem pão de queijo à porta de escolas públicas em Niterói.
A grita geral contra Daniel na imprensa chega ao ponto de insinuar que ele sequer redigiu o projeto, que lhe teria chegado pronto e embalado em seu gabinete, ficando ele com o trabalho apenas de assinar a propositura. Algo semelhante ao projeto do senador José Serra, que alienou o pré-sal, sob aplausos entusiásticos da grande imprensa paulista.
O pior, porém, não foi o ataque da imprensa paulistana, onde se carrega nos preconceitos regionais. O pior, para Daniel, foi a reação dos desocupados que ficam o tempo todo nas redes sociais vomitando seus recalques. Daniel foi xingado de tudo quanto é nome feio, todos impublicáveis. De uma hora para outra, virou Satanás, inimigo número um, vendilhão da pátria… indo por aí.
Em política, não importa a verdade dos fatos. A percepção do fato pelo eleitorado, não importa quão distorcida, é um fato objetivo e produz resultados eleitorais. A candidatura de Daniel Villela ao governo do Estado de Goiás em 2018 foi defintivamente para o vinagre. Não que ele seja oficialmente candidato. Ele é potencialmente candidato. Agora não é mais. Se quiser ser, terá que cortar mais de um dobrado.
O filme queimado
Três nomes aparecem nas cogitações do mundo político para representar o PMDB em 2018 na disputa pelo Palácio Pedro Ludovico, ex-Centro Administrativo, cujo 10° andar se converteu na verdadeira sede do Poder Executivo (o Palácio das Esmeraldas, que nem residência oficial é mais, está a um passo de virar museu). Os nomes são, por ordem alfabética, Daniel Villela, Iris Rezende Machado e Ronaldo Caiado.
Começando pela ordem inversa: Caiado é filiado ao DEM, mas alimenta a esperança de vir a ser apoiado pelo PMDB goiano, que indicaria seu vice. Tem gente no PMDB que vê nesta alternativa a chance dos peemedebistas voltarem ao governo estadual, de onde estão afastados há quase 20 anos; Outros acham que Iris poderá ceder à tentação de mais uma vez se candidar a governador, quebrando as juras que fez de não abandonar a Prefeitura de Goiânia antes da metade de seu mandato. Levando em conta o histórico de Iris, esta é uma eventualidade que não pode ser jamais descartada.
Já Daniel conta com o apoio de uma nova geração de peemedebistas que se cansaram de perder com Iris e não acreditam muito no potencial de Caiado para derrotar o PSDB. Veem em Daniel uma recapitulação do fenômeno Marconi Perillo, o do Tempo Novo: político jovem, com pinta de galã global, encarnando o mito do “novo na política”, uma fantasia que povoa os sonhos ingênuos de certos peemedebistas. O fato histórico é singular. O fenômeno de 1998 não vai se repetir com precisão mecânica. Claro, 20 anos de marconismo podem até cansar parte do eleitorado. Mas o que muitos ainda não perceberam é que a estatégia de José Eliton não consiste em se apresentar como continuísmo, mas como continuador de um projeto político-administrativo exitoso.
A reação furiosa ao projeto de Daniel, as suspeitas levantadas contra ele, as insinuações de que por trás de tudo haveria intenções malévolas, queimaram o filme dele. E nem adianta tentar reparar os estragos. Numa campanha eleitoral, todos vão jogar na cara dele o patrocínio de um projeto de lei que, se produzir os bons resultados que dele se espera, se é que vai produzir, será lá pelo ano de 2025. Isto deixa Daniel fora de 2018.
Ao longo desta semana, Daniel sumiu de cena. Nem seus assessores imedidatos sabiam dizer onde ele estava. Seus telefones não atendiam. Mas soube-se, através de comentários ecoando nos bastidores, que Daniel estaria furioso com Temer e sua equipe. A culpa teria sido todinha deles. Daniel não tinha pressa na aprovação do projeto. Era para tramitar mansamente pelas comissões temáticas do Congresso, submeter-se a audiências populares, gerar debate na sociedade. Deveria haver uma preparação prévia do espírito do povo para, entendo bem do que se trata e consciente dos possíveis benefícios do projeto, criar um clima favorável – ou não hostil – à sua aprovação.
O problema é que, no Ministério do Planejamento, alguém percebeu o potencial do projeto de jogar na economia, em forma de investimentos diretos, algo em torno de 60 bilhões de reais. Doidos por uma agenda positiva, neste momento em que o governo de Temer amarga índices irrisórios de popularidade, os homems do governo resolveram prestigiar o projeto. Temer o encampou e deu ordens aos seus aliados no Congresso para aprová-lo o quanto antes. Em vez de angariar simpatias, levantou um clamor nacional. Entre discutir o que este projeto pode representar para a telefonia brasileira, ou as implicações moralistas da questão, a mídia neoliberal ficou com o moralismo.
Reestatização das teles
A privatização da telefonia brasileira eliminou um dos mais resistentes gargalos ao desenvolvimento nacional. Nem os mais fanáticos defensores do dirigismo estatal ousam dizer o contrário. Quando terminar os contratos de concessão, em 2025, o governo vai reestatizar a telefonia brasileira? Seria este o desejo dos críticos do projeto? Teriam os neoliberais brasileiros tomado água com um negocinho misturado?
Mas e o presente que as teles vão ganhar na forma de perdão de multas e aquisição gratuita de toda infraestrutura física da telefonia brasileira? Daniel explica, em seu site na internet, que tais benefícios estão condicionados a uma contrapartida. As teles, que terão que investir na ampliação do sistema, inclusive em áreas de pouco interesse econômico, deverão investir na ampliação da oferta de banda larga. Segundo Daniel, a União abre mão de reaver ativos já depreciados em troca de universalização das telecomunicações no Brasil, beneficiando a todos.
Em todo caso, praticamente ninguém se debruçou sobre o projeto, que é muito complexo, para tirar daí uma opinião esclarecida para formular um juízo equilibrado. Para que os leitores possam conhecer melhor o caso e tirar suas próprias conclusões, publicamos, abaixo, o texto integral da lei como foi aprovada pelo Congresso antes de ir à sanção presidencial.
A nova Lei Geral das Telecomunicações
PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 79, DE 2016 (Nº 3.453, DE 2015, NA CASA DE ORIGEM) Altera a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, para permitir a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização, e a Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000; e revoga dispositivos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, para permitir a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização, e a Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000; e revoga dispositivos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Art. 2º A Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 68-A, 68-B e 68-C:
“Art. 68-A. A Agência poderá autorizar, mediante solicitação da concessionária, a adaptação do instrumento de concessão para autorização, condicionada à observância dos seguintes requisitos: I – manutenção da prestação do serviço adaptado e compromisso de cessão de capacidade que possibilite essa manutenção, nas áreas sem competição adequada, nos termos da regulamentação da Agência; II – assunção, pela requerente, de compromissos de investimento, conforme o art. 68-B; III – apresentação, pela requerente, de garantia que assegure o fiel cumprimento das obrigações previstas nos incisos I e II;
2 IV – adaptação das outorgas para prestação de serviços de telecomunicações e respectivas autorizações de uso de radiofrequências detidas pelo grupo empresarial da concessionária em termo único de serviços. § 1º Na prestação prevista no inciso I, deverão ser mantidas as ofertas comerciais do serviço adaptado existentes à época da aprovação da adaptação nas áreas sem competição adequada, nos termos da regulamentação da Agência. § 2º Ressalvadas as obrigações previstas nos incisos I e II, o processo de adaptação previsto no inciso IV dar-se-á de forma não onerosa, mantidos os prazos remanescentes das autorizações de uso de radiofrequências. § 3º A garantia prevista no inciso III deverá possibilitar sua execução por terceiro beneficiado, de forma a assegurar o cumprimento das obrigações a ela associadas. § 4º O contrato de concessão deverá ser alterado para prever a possibilidade de adaptação prevista no caput deste artigo. § 5º Após a adaptação prevista no caput, poderá ser autorizada a transferência do termo previsto no inciso IV, no todo ou em parte, conforme regulamentação da Agência, desde que preservada a prestação do serviço.”
“Art. 68-B. O valor econômico associado à adaptação do instrumento de concessão para autorização prevista no art. 68-A será determinado pela Agência, com indicação da metodologia e dos critérios de valoração. § 1º O valor econômico referido no caput deste artigo será a diferença entre o valor esperado a partir da exploração do serviço adaptado em regime de autorização e o valor esperado da exploração desse serviço em regime de concessão, calculados a partir da adaptação. § 2º O valor econômico referido no caput deste artigo será revertido em compromissos de investimento, priorizados conforme diretrizes do Poder Executivo. § 3º Os compromissos de investimento priorizarão a implantação de infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em áreas sem competição adequada e a redução das desigualdades, nos termos da regulamentação da Agência. § 4º Os compromissos de investimento mencionados neste artigo deverão integrar o termo de autorização de prestação de serviços previsto no inciso IV do art. 68-A. § 5º Os compromissos de investimento deverão incorporar a oferta subsidiada de tecnologias assistivas para acessibilidade de pessoas com deficiência, seja às redes de alta capacidade de comunicação de dados, seja aos planos de consumo nos serviços de comunicações para usuários com deficiência, nos termos da regulamentação da Agência.”
3 “Art. 68-C. Para efeito do cálculo do valor econômico mencionado no art. 68-B, serão considerados bens reversíveis, se houver, os ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido. Parágrafo único. Os bens reversíveis utilizados para a prestação de outros serviços de telecomunicações, explorados em regime privado, serão valorados na proporção de seu uso para o serviço concedido.” Art. 3º O art. 19 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXXII:
“Art. 19. …… XXXII – reavaliar, periodicamente, a regulamentação com vistas à promoção da competição e à adequação à evolução tecnológica e de mercado.” (NR) Art. 4º O § 1º do art. 65 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 65. ….§ 1º Poderão ser deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, mesmo sendo essenciais, não estejam sujeitas a deveres de universalização. ..”
(NR) Art. 5º O caput do art. 99 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 99. O prazo máximo da concessão será de 20 (vinte) anos, podendo ser prorrogado, por iguais períodos, sendo necessário que a concessionária tenha cumprido as condições da concessão e as obrigações já assumidas e manifeste expresso interesse na prorrogação, pelo menos, 30 (trinta) meses antes de sua expiração. …….”
(NR) Art. 6º O art. 132 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 132. É condição objetiva para obtenção de autorização de serviço a disponibilidade de radiofrequência necessária, no caso de serviços que a utilizem. I – (revogado); II – (revogado).” (NR) Art. 7º O art. 133 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 133. …… 4 Parágrafo único. A Agência deverá verificar a situação de regularidade fiscal da empresa relativamente a entidades integrantes da administração pública federal, podendo, ainda, quando se mostrar relevante, requerer comprovação de regularidade perante as esferas municipal, distrital e estadual do Poder Público.” (NR) Art. 8º O art. 163 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º e 5º:
“Art. 163. . § 4º A transferência da autorização de uso de radiofrequência entre prestadores de serviços de telecomunicações dependerá de anuência da Agência, nos termos da regulamentação. § 5º Na anuência prevista no § 4º, a Agência poderá estabelecer condicionamentos de caráter concorrencial para sua aprovação, tais como limitações à quantidade de radiofrequências transferidas.” (NR) Art. 9º O art. 167 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 167. No caso de serviços autorizados, o prazo de vigência será de até 20 (vinte) anos, prorrogável por iguais períodos, sendo necessário que a autorizada manifeste prévio e expresso interesse e tenha cumprido as obrigações já assumidas.
….§ 3º Na prorrogação prevista no caput, deverão ser estabelecidos compromissos de investimento, conforme diretrizes do Poder Executivo, alternativamente ao pagamento de todo ou de parte do valor do preço público devido pela prorrogação.” (NR) Art. 10. O art. 172 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 172. O direito de exploração de satélite brasileiro para transporte de sinais de telecomunicações assegura a ocupação da órbita e o uso das radiofrequências destinadas ao controle e monitoração do satélite e à telecomunicação via satélite, por prazo de até 15 (quinze) anos, podendo esse prazo ser prorrogado, nos termos da regulamentação, desde que cumpridas as obrigações já assumidas. ………..
- 2º O direito de exploração será conferido mediante processo administrativo estabelecido pela Agência. § 3º (Revogado). § 4º O direito será conferido a título oneroso, podendo o pagamento, conforme dispuser a Agência, ser convertido em compromissos de investimento, conforme diretrizes do Poder Executivo.” (NR) Art. 11. O inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
5 “Art. 6º ……….. V – contribuição de 1% (um por cento) sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, a que se refere o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal, excluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); ……………”
(NR) Art. 12. Revogam-se o parágrafo único do art. 64, os incisos I e II do art. 132, o art. 168 e o § 3º do art. 172 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.