Política

“Os amigos de Eduardo Cunha estão em pânico”

Diário da Manhã

Publicado em 2 de novembro de 2016 às 23:28 | Atualizado há 4 meses

  • Doutor do Departamento de História da UFF afirma que o principal derrotado do ano de 2016 é o PT
  • Pesquisador diz que Donald Trump é uma ameaça real e aponta que Hillary Clinton é do establishment
  • Historiador aprova Nobel a Bob Dylan, recomenda o filme Koblic e anuncia dois livros para o ano de 2017
  • Escritor frisa que receituário neoliberal é sempre trágico e acusa Marcelo Crivella de fanático de direita

Doutor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense [UFF], especialista em contemporaneidade, Daniel Aarão Reis Filho, hoje com 70 anos de idade, ironiza e dispara que os amigos do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha [PMDB-RJ] estão em pânico. Motivo: temor de delação premiada. Crítico, o pesquisador aponta que o PT, que teria cometido estelionato eleitoral com Dilma Rousseff e apostado em conciliação de classes, é o maior derrotado das urnas eletrônicas de 2016. Uma frente ampla de esquerda é uma alternativa, recomenda. O escritor, que lançará dois livros em 2017, no centenário da revolução russa de outubro de 1917, afirma que Marcelo Crivella é um fanático religioso de direita e um camaleão político. Mais: alerta que o “pato” Donald Trump, republicano, é uma ameaça real e sublinha que Hillary Clinton integra o establishment nos EUA. Estudioso dos projetos revolucionários, ele analisa a ameaça à paz na Colômbia. Ex-MR-8, Daniel Aarão Reis Filho recomenda o filme Koblic, com Ricardo Darín, argentino que agrada 10 em 10 cinéfilos brasileiros.

Leia a íntegra da entrevista:

 

Diário da Manhã – Donald Trump é uma ameaça?

Daniel Aarão Reis Filho – Caso eleito, sem dúvida. Mesmo que não seja, terá milhões de votos, o que é muito preocupante. Trata-se de compreender melhor de onde estão vindo estes votos e as razões que levaram a isto. Ressalto duas questões. A primeira delas,  e isto se aplica também a muitos países europeus, é que bases importantes do estado de bem-estar social vêm sendo sistematicamente corroídas há décadas. Os dados mostram muito claramente que as desigualdades têm aumentado brutalmente nos EUA e na Europa ocidental e central. As forças progressistas e de esquerda deram pouca atenção a isto. De modo geral, preferiram conciliar com o grande Capital e assistiram, passivamente, à gradual migração de um eleitorado empobrecido e nacionalista para alternativas de direita extremada ou para rufiões como o Trump. Por outro lado, e esta é a segunda questão, os sistemas de representação, inventados em fins do século XIX, passam por uma crise estrutural, gerando desânimo e desencanto. Se este processo, em sua dupla face,  não é enfrentado e superado, teremos um fortalecimento das forças de direita, incluindo-se aí o fascismo, ou/e de aventureiros como este inqualificável Trump.

 

DM – Documentos divulgados pelo Wikileaks mostram ligações perigosas de Hillary Clinton com a indústria armamentista, o sistema financeiro, a NSA e ataques a Bernie Sanders, além de acusações à Rússia. O que fazer?

Daniel Aarão Reis Filho – Hillary é uma pessoa do establishment, não merece a menor confiança. Ela pouco fará, ou  não fará nada, para reformar o sistema político e muito menos para enfrentar radicalmente as desigualdades sociais. Ela será a provável ganhadora porque, do outro lado, encontra-se esta figura infame, que atende pelo nome de Donald Trump. A esperança nos EUA reside  no movimento que se reuniu em torno de Bernie Sanders, a ver se  ganha estruturação e se torna um movimento permanente. Veremos se isto vai acontecer.

 

DM – A guerrilha na Colômbia terá um ponto final apesar do Não?

Daniel Aarão Reis Filho – Creio que sim, mas depende, evidentemente, das condições. Pelo que acompanhei das conversações de paz, os guerrilheiros estão bastante conscientes das limitações das formas de lutas associadas ao catastrofismo revolucionário. Não dá mais para se equivocar de século. Na perspectiva da mudança social,  o catastrofismo revolucionário foi decisivo no século XX, mas suas propostas tornaram-se obsoletas no século XXI. Trata-se de mergulhar na luta política pacífica, questionar as desigualdades sociais e recuperar e aprofundar os valores democráticos. Este é o caminho possível para um socialismo renovado. A violência revolucionária, mesmo quando vitoriosa, é portadora de distorções, entre as quais, a constituição de ditaduras permanentes que acabam negando o que o socialismo tem de essencial: as liberdades, a democracia  e a auto-organização das gentes.

DM – A crise na Argentina mostra que o receituário neoliberal fracassou. Concordas?

Daniel Aarão Reis Filho – O receituário neoliberal é sempre trágico, principalmente para as camadas populares. Economistas reconhecidos, como Joseph Stiegliz e Thomas Pickety, mostraram com evidências irrefutáveis que as políticas neoliberais levam ao empobrecimento e ao aumento dramático das desigualdades. A verdade é que a hegemonia do grande capital financeiro é uma ameaça permanente aos valores democráticos. É uma fera que precisa ser domada e eliminada do jogo político  e social. Os desequilíbrios que o neoliberalismo cria são incompatíveis com o regime democrático.

 

DM – Qual a sua análise das derrotas das esquerdas nas eleições de 2 de outubro no Brasil? – PT, PCdoB, PSol, PCB, PSTU, PCB, PCR e Rede.

Daniel Aarão Reis Filho – O grande derrotado foi o PT, mas como este partido foi (ainda é) largamente hegemônico no âmbito das esquerdas há anos, carregou, em sua queda, esquerdas alternativas, mesmo críticas. A política de conciliação de classes, típica da cultura política nacional-estatista, empreendida pelo PT, sob liderança de Lula e de Dilma, esgotou-se, pelo menos temporariamente. Não se pode excluir a hipótese de que, em futuros tempos de bonança, ela volte a ser possível, mas nestes tempos atuais de crise aguda,  tornou-se inviável. A fatura da crise está aí, à vista de todos. Como sempre, trata-se de saber quem vai pagar o custo da superação da crise. Ora, a política de conciliação de classes não contempla a hipótese de penalizar os que vivem no topo da pirâmide social.  A resultante foi o estelionato eleitoral cometido por Dilma (campanha de esquerda X política governamental de direita), desorientando as próprias bases petistas.  Num contexto de crise econômica agravada, com milhões de desempregados e de falências de pequenas e médias empresas, mais as descobertas da Lava-Jato, criaram-se as condições para uma grande derrota. Entretanto, o jogo não acabou. As esquerdas, agora na oposição, e apesar das condições adversas (nunca é fácil lutar no contexto de uma crise econômica aguda), têm todas as condições de formular sua autocrítica e de retomar as lutas sociais e políticas. Vão se enfraquecer as forças políticas que não tomarem este caminho.

 

DM – Quais as diferenças entre Marcelo Crivella e  Marcelo Freixo?

Daniel Aarão Reis Filho – Alguns intelectuais do Rio de Janeiro vêm colocando um sinal de igualdade entre Crivella e Freixo. O primeiro, um fanático religioso. O segundo, um fanático de esquerda. Nada mais equivocado e distante da realidade. Crivella é um camaleão, ninguém, talvez nem ele mesmo, sabe o que ele vai fazer, chegando ao governo. Se for eleito, é a pura desesperança que vai assegurar sua vitória. Já Freixo tem uma trajetória de profundo compromisso com os valores democráticos e  os direitos humanos.  Há muitos anos o Rio não tem uma possibilidade igual de  renovação democrática. Se a cidade desperdiçar esta chance, será lastimável.

 

DM – O que esperar da prisão de Eduardo Cunha?

Daniel Aarão Reis Filho – Seus amigos estão em pânico. Se ele optar por uma delação premiada, este infame recurso que, hoje, substitui as investigações, meio mundo político pode ser alcançado. A começar pelo núcleo deste governo ilegítimo, comandado pelo triste Michel Temer.

 

DM – A ideia de formação de uma frente ampla de esquerda é atraente?

Daniel Aarão Reis Filho – Penso que sim. Mas, dadas as divergências acumuladas, não é algo para o curto prazo. A meu ver, será mais viável começar por frentes políticas em torno de lutas concretas ou/e de plataformas políticas reformistas específicas.

 

DM – Teto de gastos, abertura para a exploração do pré-sal, reformas da Previdência e Trabalhista, concessões e privatizações: qual a cara de Michel Temer?

Daniel Aarão Reis Filho – Uma cara que já vinha sendo anunciada por Dilma, quando chamou o Levy para a Fazenda, ou seja, sair da crise através da penalização dos “de baixo”, dos que estão na base da pirâmide. Usual, como sempre. Esta orientação só será vencida com muita luta. Não será fácil. Como já disse, travar lutas em contextos de grande crise econômica, é bastante difícil. Se você acrescenta o fato de que as classes populares passaram quase 14 anos cultivando a perspectiva de que tudo viria de cima, através do Estado, do papai-Lula e da mamãe-Dilma…vai ser necessário reaprender a andar com as próprias pernas…contar com as próprias forças.

 

DM – 100 anos da revolução russa em 2017: quais seus projetos?

Daniel Aarão Reis Filho – Estou preparando dois livros novos. O primeiro será uma antologia de textos históricos, traduzidos do russo,  devidamente introduzidos e anotados, com  cronologia e uma bibliografia atualizada. Cobrirá o primeiro ano da revolução – fevereiro de 1917 a março de 1918 (paz de Brest-Litowski). O segundo reunirá seis ensaios sobre as grandes controvérsias que cercaram – algumas ainda cercam – o estudo e a compreensão do processo revolucionário que levou à fundação da União Soviética. Ambos serão editados pela Companhia das Letras. Finalmente, estou cuidando da reedição, pela Editora Prisma, da Viagem ao Socialismo Perdido, uma crônica de viagem feita à Rússia e à China, em 1992. Será acompanhada por um posfácio, com uma reflexão sobre a desagregação do socialismo e por uma bibliografia atualizada a respeito deste processo crítico.

 

DM – 2018: projeto para relembrar 1968?

Daniel Aarão Reis Filho – Pretendo acompanhar os debates. Simplesmente. Talvez, lançar uma coleção de contos sobre a luta armada, maneira de participar, de outro jeito, das discussões que, certamente, ocorrerão.

 

DM – Novo livro a ser escrito em sua agenda?

Daniel Aarão Reis Filho – Estes aí referidos acima.

 

DM – Qual a sua análise sobre a produção da Nobel de Literatura de 2015 Svetlana Alexievitch?

Daniel Aarão Reis Filho – Penso que foi uma premiação merecida.

 

DM – O que achou de a Academia Sueca premiar Bob Dylan?

Daniel Aarão Reis Filho – Excelente decisão!

 

DM – O que o senhor anda lendo?

Daniel Aarão Reis Filho – Livros sobre a revolução russa. Destaco uma memória primorosa do ano vermelho: Notes of a Red Guard, de Eduard M. Dune, com notas de Diane P. Koenker e de S.A. Smith. Eduard Dune foi operário, guarda vermelho e soldado do exército revolucionário entre 1917 e 1921. Uma experiência e tanto, sempre com um olhar crítico sobre as tendências ditatoriais que iriam, mais tarde, marcar o socialismo soviético. De outro lado, uma obra clássica: The Bolcheviks come to Power, de Alexander Rabinovitch, uma análise brilhante das bases sociais e históricas do triunfo bolchevique. Infelizmente, ambos os livros não estão traduzidos em português.

 

DM – Último filme?

Daniel Aarão Reis Filho – Koblic, filme argentino sobre os voos da morte. Imperdível atuação de Darín, mais uma vez.

 

A verdade é que a hegemonia do grande capital financeiro é uma ameaça permanente aos valores democráticos”                    

Daniel Aarão Reis Filho,Historiador

PERFIL

livro

Nome completo: Daniel Aarão Reis

Idade: 70 anos

Formação: Professor Titular de História Contemporânea

Instituição que leciona: UFF

Principais livros publicados:

– Imagens da Revolução

– 1968 – A Paixão de uma utopia

– A Revolução faltou ao encontro

– Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos

– A ditadura que mudou o Brasil

– Ditadura e democracia no Brasil

– Intelectuais e modernidades

senado

 

CRONOLOGIA

  • 1954 Getúlio Vargas suicida-se, dia 24 de agosto
  • 1964 Golpe de Estado civil e militar depõe Jango
  • 1979 Fim da ditadura, segundo Daniel Aarão Reis
  • 1985 Conciliação pelo alto, instala-se a Nova República
  • 1988 A nova constituição do Brasil é promulgada
  • 1992 Fernando Collor de Mello sofre impeachment
  • 2009 Golpe, em Honduras, depõe Manuel Zelaya
  • 2012 Golpe destitui, no Paraguai, Fernando Lugo
  • 2014 Dilma Vana Rousseff é reeleita no Brasil
  • 2015 Eduardo Cunha é eleito presidente da Câmara
  • 2016 Dilma Rousseff sofre um golpe de Estado
  • 2018 Ano de eleições presidenciais no Brasil

 

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