Premiados pela corrupção
Diário da Manhã
Publicado em 21 de julho de 2016 às 01:54 | Atualizado há 4 mesesDos R$ 5,3 bilhões desviados, só R$ 569 milhões foram recuperados, enquanto a quebra das empresas representa rombo de R$ 149,6 bilhões no PIB
A história mostra que ser delator, dedo-duro, alcaguete sempre foi um bom negócio. Na Alemanha nazista (1933-1945), alemães deduravam vizinhos por serem judeus e como recompensa ficavam com sua casa e seus pertences. No Brasil da ditadura militar, dedurar pessoas por serem supostamente comunistas rendia recompensas em dinheiro, cargos públicos e outros privilégios.
Com a Operação Lava Jato, a deduragem e o roubo valem a pena. Os ladrões de dinheiro público escaparam e trocaram a cadeia pela prisão domiciliar e podem viver muito bem em palacetes que compraram às custas da rapinagem nos cofres da Petrobras e de outros órgãos públicos. É o que mostra uma série de reportagens feitas por veículos como a revista Carta Capital, os jornais Folha de S.Paulo, Diário de Pernambuco e O Globo, e sites GGN, do jornalista Luis Nassif, ou o Cafezinho, do jornalista Miguel do Rosário.
Quebradeira
Por ter que dar mordomias a malandros, o efeito mais devastador da Lava Jato é quebrar o País. Matéria do O Globo informa ainda que o MPF (Ministério Público Federal) estima que a Lava Jato recuperou R$ 5,3 bilhões desviados dos cofres públicos (muito embora somente R$ 569 milhões tenham sido repatriados até o momento). Segundo o texto, “o resultado é animador”. Balela. Consultorias afirmam que a Lava Jato provocou um impacto negativo de 2,5% no PIB de 2015, sendo que a retração total da economia foi de 3,8% no mesmo ano. 2,5% do PIB representam R$ 142,6 bilhões. Comparando esse número com os R$ 5,3 bilhões recuperados pela Lava Jato fica claro porque em nenhum país do mundo se pune empresas envolvidas em corrupção paralisando setores essenciais para a economia nacional.
Penas em mansões
Quem fecha o acordo de delação é premiado com reduções generosas de pena, possibilidade de cumprir pena de prisão em casa, etc.
O fato é que 30% dos acusados na Lava Jato viraram delatores. Todos eles premiados com algum tipo de benefício, como redução da pena e possibilidade de cumprimento em regime domiciliar. Em janeiro, a Folha informava que 13 desses delatores tiveram suas penas reduzidas de 283 para 6 anos.
O ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa foi condenado a 39 anos e 5 meses de prisão. Sua pena foi reduzida para 2 anos e 6 meses, mas ele já está em prisão domiciliar. Longe do cenário de uma cela lotada, Paulo Roberto cumpre a pena em um condomínio no bairro de Itaipava, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde há baias de cavalos, quadras de tênis, dois restaurantes e um clube. Uma propriedade lá oscila entre R$ 2,5 milhões e R$ 14 milhões.
Alberto Youssef recebeu pena de 82 anos e 8 meses de prisão, quase uma prisão perpétua. Mas a pena foi reduzida para três anos em regime fechado e ele já deve ficar livre em novembro deste ano. Youssef era um dos doleiros no esquema da Lava Jato. Ele era o operador no esquema do PP e do PMDB. Não há cacique do PMDB preso.
Amante de Alberto Youssef, conhecida por cantar numa sessão da CPI da Petrobras a música Amada Amante, Nelma Kodama deixou a prisão no dia 20 de junho. Ela também era doleira e tinha um papel semelhante ao de Youssef, em menor escala. Nelma foi condenada a 18 anos pelo juiz Sérgio Moro. Dos 1.237 procedimentos realizados pela Lava Jato, ela foi uma das sete a serem presas em flagrante. Nelma passou dois anos e dois meses presa e cumpre prisão domiciliar, com tornozeleira.
O ex-diretor internacional da Petrobras mais famoso – Nestor Cerveró – foi condenado a 17 anos, 3 meses e 10 dias, mas sua pena foi reduzida para três anos, divididos entre regime fechado e prisão domiciliar. Nestor Cerveró mora no distrito de Petrópolis, em um condomínio isolado, onde há nove casas, piscina e um campo de futebol.
Fernando Baiano recebeu como sentença 16 anos, um mês e 10 dias de prisão. Mas ele passou a cumprir prisão domiciliar em 18 de novembro do ano passado. Da residência onde cumpre sua pena, uma cobertura de 800 metros quadrados, dá para ver o mar da Barra da Tijuca. É um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro. O espaço tem salão de jogos, três quadras de tênis, piscina e espaço gourment .
Júlio Camargo foi condenado a 26 anos de prisão, mas não foi preso. Sua sentença foi reduzida para cinco anos em regime aberto. Ele admitiu ter feito parte de um esquema de propina e foi condenado a pagar uma multa de R$ 40 milhões à União. Disse que foi pressionado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pagar US$ 10 milhões em propinas para que um contrato de navios-sonda fosse viabilizado.
Considerado como um dos delatores mais bombásticos, depois de ter gravado ligações com caciques do PMDB, Sérgio Machado está em uma prisão domiciliar que seria o sonho de muitas pessoas. Ele cumprirá pena em sua casa, uma mansão com piscina, em Fortaleza, que tem quadra poliesportiva e um terreno de aproximadamente 3 mil metros quadrados. A residência de Machado fica a poucos metros da praia do Futuro. Ele se comprometeu a devolver R$ 75 milhões (parcelados) que teria recebido de propina enquanto estava no comando da Transpetro, de 2003 a 2014.
Linha perigosa
O jornal O Globo noticia que o número de delações premiadas no âmbito da Lava Jato aumentou quase 40% nos últimos quatro meses. No total, são 66 acordos de colaboração premiada, sendo 61 com pessoas físicas e os demais com pessoas jurídicas, 216 pessoas acusadas e 106 condenações. Temos então que 30% dos acusados na Lava Jato viraram delatores.
Fica evidente mais um péssimo efeito colateral da delação premiada: o rompimento do princípio da proporcionalidade da pena. Isto é, pessoas envolvidas no mesmo fato e com o mesmo grau de participação nos crimes são punidas com penas diferentes, uma flagrante injustiça.
É só mais um dos graves problemas que envolvem a delação. Alguns outros: a possibilidade de o réu forjar indícios que se adequem à linha acusatória, inclusive podendo incriminar algum inocente, para obter as vantagens concedidas aos delatores; a diminuição do empenho dos acusadores em produzir provas para embasar as acusações, já que há um mar de delações para justificar quaisquer teorias do MP; a óbvia ausência da voluntariedade – exigida por lei – quando os acusados são submetidos às condições degradantes dos presídios brasileiros até que delatem.
Critérios
Paulo Sérgio de Oliveira, professor de processo penal e um dos coordenadore do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), explica que a diminuição da pena faz parte da “troca de favores da delação premiada”. Se o delator der informações valiosas à investigação, ele pede ou o Ministério Público oferece contrapartidas que podem ir até à anulação da pena.
“É um acordo entre as partes. A delação acaba gerando uma anomalia jurídica, porque isso não existiria fora dela”.
Segundo Oliveira, a prisão domiciliar é aplicada normalmente para crimes sem violência, cuja condenação não ultrapassa quatro anos de prisão. Outras possibilidades são quando o réu tem idade avançada, está muito doente ou precisa ficar em casa para cuidar de um parente, por exemplo.
Ele diz que, em todos os casos, o padrão da residência não é levado em consideração. “A condição de moradia é irrelevante: se mora num casebre ou numa mansão. Não pode é sair de casa”.
O crime compensa? (Com informações da Folha, G1, Globo, Jornal GGN, O Cafezinho e Diário de Pernambuco)