Política

Projeto do governo Lula para regular big techs prevê suspensão de redes apenas por ‘descumprimento generalizado’

DM Redação

Publicado em 19 de agosto de 2025 às 10:02 | Atualizado há 2 horas

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Patrícia Campos Mello – Folha Press

A versão final do projeto de lei de regulação das big techs do governo Lula, obtida pela reportagem, usa critérios semelhantes aos adotados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em decisão de junho que alterou o Marco Civil da Internet.

O texto é uma versão legislativa do novo regime de responsabilidade civil para as big techs proposto pelo Supremo só que, agora, na esfera administrativa. O projeto tem escopo mais amplo do que a decisão sobre o Marco Civil, porque prevê responsabilidade objetiva das plataformas, além de abordar também fraudes na internet e proteção das crianças no mundo digital.

A proposta não trata, em nenhum momento, de combate à desinformação, tema tabu para a oposição. O texto está pronto, mas o governo Lula deve enviá-lo ao Congresso só na semana que vem. Dessa forma, a entrega não coincidirá com a votação na Câmara do PL 2628, apelidado de ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) digital, prevista para esta quarta-feira (20).

A regulamentação das big techs está no foco de Lula desde o começo do mandato, mas ganhou prioridade nas últimas semanas depois da sobretaxa imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil e do vídeo do influenciador Felca sobre adultização de crianças.

Um artigo que vem despertando controvérsia, a partir de versão anterior do projeto revelada pela Folha de S.Paulo, determina que as plataformas de internet devem usar “mecanismos e sistemas para promover a detecção e a imediata indisponibilização de conteúdo ilícito de terceiros” quando houver determinados crimes contra crianças e adolescentes, atos de terrorismo, induzimento ao suicídio e à automutilação, dentre outros.

As plataformas que descumprirem essa determinação estarão sujeitas a sanções administrativas. Essas punições podem ser desde advertência, passando por multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil, até suspensão do provedor por 30 dias, prorrogável por mais 30. Pode haver suspensão por prazo indeterminado, após ordem judicial.

No entanto, nenhuma empresa será multada ou sancionada se deixar escapar um ou dois posts que incidam nesses crimes ou descumpram a lei de alguma forma. Tal qual a decisão do STF, não há responsabilização por conteúdos esparsos ou únicos —é preciso haver descumprimento generalizado. Caso a empresa de internet consiga demonstrar que fez o melhor possível para mitigar esses riscos ou remover posts ilícitos, ela não recebe a multa nem é suspensa.

Quem julgará será a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados). O texto prevê uma versão vitaminada da agência, chamada de Agência Nacional de Proteção de Dados e Serviços Digitais, com contratação de funcionários para dar conta das novas atribuições, e cria um Conselho Nacional de Proteção de Dados e serviços digitais.

Mas o texto do governo vai além do STF ao determinar responsabilidade civil objetiva às empresas (independentemente de haver culpa) quando houver dano decorrente de conteúdo impulsionado ou remunerado. Se alguém se sentir lesado pelo conteúdo, pode processar a empresa, e ela pode ser julgada responsável, independentemente de ter culpa ou ter sido notificada anteriormente.

O STF afasta a possibilidade de responsabilidade objetiva para as plataformas. O PL do governo também prevê responsabilidade objetiva nos casos em que as plataformas deixarem de adotar “as providências necessárias para indisponibilizar ou desabilitar o acesso ao conteúdo danoso, ou cessar a atividade danosa, de forma célere, ao tomar conhecimento dos fatos”.

Outro artigo que deve enfrentar resistência das big techs é o que se refere à publicidade digital, e é semelhante a um dispositivo que estava no PL 2630, o das fake news. Estabelece que a “compra e a venda de publicidade digital dirigida ao mercado nacional deverão ser faturadas no Brasil e observar a legislação brasileira”. O objetivo é evitar que anunciantes contratem campanhas globais de publicidade em jurisdições que cobram menos impostos para serem veiculadas em plataformas de internet globalmente.

O texto também estabelece regras de transparência para publicidade, com informações mínimas sobre identidade de anunciantes, público-alvo e outros. O Tribunal Superior Eleitoral já havia adotado regras de transparência semelhantes para anúncios políticos e eleitorais na internet em resolução de 2024. O Google e o X pararam de vender anúncios políticos, afirmando que era impossível cumprir a resolução.

O projeto aumenta a responsabilidade das plataformas de internet por fraudes cometidas por terceiros. Os provedores ficam obrigados a tomar medidas emergenciais, para prevenção de danos, após notificação (extra judicial) de publicidade enganosa, serviços proibidos ou irregulares, seguindo o Código de Defesa do Consumidor.

Quando notificados por autoridade do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ou responsáveis por certificação e fiscalização de produtos, as empresas teriam de agir em até 24 horas.

O texto, em outro ponto polêmico, inclui publicidade enganosa relacionada a políticas públicas. Na seção sobre proteção de crianças, há muitos pontos em comum com o PL 2628. Entre eles estão a exigência de vincular a adultos as contas de adolescentes com menos de 16 anos, ferramentas de supervisão parental, verificação de idade dos usuários, possibilidade de desabilitar sistemas de recomendação personalizados, e proibição de perfilamento de crianças para fins de publicidade.

O texto não proíbe crianças abaixo de 12 anos de terem acesso a redes sociais, como constava em versão anterior.

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