Política

Rebeldia e excomunhão

Diário da Manhã

Publicado em 27 de março de 2016 às 22:30 | Atualizado há 4 meses

O estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Marco Rossi de Medeiros, foi considerado excomungado pela Arquidiocese de Goiânia por se rebelar contra a doutrina da Igreja Católica. Em nota oficial assinada pelo arcebispo Dom Washington Cruz e pelo bispo auxiliar Dom Levi Bonatto a Cúria Metropolitana afirma que o estudante incorreu em “atitudes e métodos difamatórios” e que por isto se coloca fora da comunhão na modalidade “latae sententie”.

A excomunhão dessa forma significa que Marco se afastou por vontade própria da doutrina da Igreja Católica e que fica excluído dos sacramentos, com destaque para a comunhão ou eucaristia. Na prática ele está fora da convivência comunitária e das celebrações do catolicismo mundial. A nota oficial da Cúria reitera que o estudante “não fala e nem age em nome da Igreja Católica” e suas manifestações públicas podem “suscitar rupturas na unidade da Igreja”, o que enseja a comunicação oficial de uma autopunição.

A origem de toda a discórdia são manifestações reiteradas de Marco Rossi de Medeiros contra bispos da Igreja Católica e mais recentemente contra o reitor da PUC-GO, professor Wolmir Amado. A postura política de Marco, de confronto aberto com a presidente Dilma e o Partido dos Trabalhadores o colocou na linha de frente da patrulha ideológica que classifica filiados ao PT como renegados que precisam ser excluídos da sociedade. O reitor, filiado ao PT e cogitado como potencial candidato a prefeito de Goiânia pelo partido, foi duramente atacado por Marco e outros radicais que pediram sua demissão da reitoria, além de chama-lo de “cara de pau”.

Em manifestação na porta da Cúria Metropolitana o estudante abriu o verbo e cobrou do arcebispo da demissão de Wolmir por ele ser “petista”, como se esse predicado fosse motivo para ser perseguido pela inquisição. O estudante já havia se manifestado em outras ocasiões contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, alguns prelados que se posicionam contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e não se intimida em classificar quem não é contra o governo petista como “traidor da pátria”.

Em algumas postagens em seu perfil no facebook ele não se acanha de chamar de “padre vagabundo” e veicula abertamente um vídeo com o bispo da diocese de Cratús, Ceará, Dom Ailton Menegussi, classificando-o como “traidor da Igreja”. Outra postagem sua chama a CNBB de “CNBdoB”, sugerindo ser um amontoado de comunistas e afirma que “nunca faltam uns vagabundos da CNBdoB para apoiar os vagabundos do PT”. Um padre, professor de Direito Canônico, comentou a posição de Marco como ousada e até inconsequente. “Realmente é preciso coragem para chamar bispos da Igreja Católica de vagabundos”.

O perfil de Marco na rede social dá uma dimensão de sua postura política radical de direita e francamente anti-esquerda. Sua foto de abertura é uma bandeira americana, com uma pistola e munição sobre ela emolduradas por uma bíblia em inglês. A frase na parte de cima é reveladora: “God, guns end Coutry”, com tradução próxima de “Deus, armas e país”.

Medieval

Marco Rossi frequenta grupos que se dizem “medievalistas” e da “direita católica”. Manifesta claramente ser fã de expoentes da política conservadora, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) e o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Sua paixão é a missa em latim, suplantada pelo Concílio Vaticano II e o ideário do bispo francês Gaspar Lefévbre, também excomungado por se opor à modernização da Igreja.

Essa postura francamente opositora às autoridades eclesiásticas foi o mote para a tomada de posição da Cúria Metropolitana de Goiânia. O arcebispo e seu bispo auxiliar manifestaram irrestrito apoio ao reitor Wolmir Amado e reiteraram que “somente do arcebispo é a competência para discernir, decidir, nomear, destituir e acompanhar o governo das instituições eclesiais da Arquidiocese de Goiânia”. A nota fala ainda que está mantido o “apoio, solidariedade e gratidão à PUC Goiás, ao reitor e à reitoria”. Em resumo a nota diz que Wolmir Amado segue firme e prestigiado por quem manda na arquidiocese e impõe um silêncio obsequioso nos católicos sobre o caso.

Organização

A intolerância do estudante e de outros confrades seus na militância contra o que eles classificam de “petismo” e outras posições políticas condenadas pelos mesmos como socialismo, comunismo e outros ismos, vai mais longe. Eles pregam abertamente a prisão de quem não pensa igualmente como eles.

A PUC é a continuidade da Universidade Católica de Goiás, mantida pela Sociedade Goiana de Cultura e que tem como chanceler o arcebispo de Goiânia. Wolmir Amado não é o primeiro reitor a ser filiado ao PT. Pedro Wilson Guimarães foi reitor eleito pelo voto direto na universidade e depois foi prefeito de Goiânia e deputado federal pelo mesmo PT. A professora Cléria Alvarenga, também reitora foi candidata ao senado pelo mesmo partido. Muitos professores, diretores e servidores são militantes ou simpatizantes do PT.

Aliás, o que muitos católicos de hoje não sabem, principalmente os de direita, é que o Partido dos Trabalhadores se estruturou com declarado apoio da Igreja Católica e se expandiu com militância engajada das Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs da década de 1980, época de predominância da Teologia da Libertação.

Como o doutrinador São Cipriano de Cartago pregava sobre a Igreja Católica e sua missão de agregar os cristãos rumo à eternidade só em comunhão com ela haveria esperança para a humanidade. “Fora dela não há salvação nem perdão”, disse o santo. As atitudes do estudante Marco Rossi foram reprovadas e condenadas com firmeza pela autoridade eclesiástica em Goiânia, por incitar “o ódio, a divisão na família, na Igreja e na sociedade”.

Ao final, a nota da Arquidiocese conclama os seguidores para rezarem por Marco Rossi Medeiros afim de que ele “seja tocado pela ação do Espírito Santo e tenha a proteção da Santa Mãe de Deus”.

A Associação dos Professores da PUC Goiás emitiu uma nota em que desgrava o reitor Wolmir Amado e lembra aos patrulheiros ideológicos que a filiação partidária é um direito constitucional e conquistado com a democracia. Os professores repudiam a manifestação dos ditos católicos que exigiram a demissão de Wolmir e lembra que a PUC, herdeira da UCG sempre esteve na vanguarda “em diversas áreas da produção do conhecimento   e também no processo de resistência e luta contra o regime militar no País”.

A reportagem tentou um contato com o estudante Marco Rossi através de uma mensagem em seu perfil no facebook. Até o fechamento da edição não houve resposta.

O comunicado oficial

Em razão dos posicionamentos públicos de Marco Rossi  Medeiros contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e vários irmãos no episcopado, bem como, recentemente, contra a Pontifícia Universidade Católica de Goiás, seu reitor, reitoria e corpo docente, no cumprimento da responsabilidade de nosso ministério, tornamos pública nossa reprovação a suas palavras, atitudes e métodos difamatórios, que intentam macular instituições, organizações e vidas de pessoas.

Em suas investidas, embora se declare católico, Marco Rossi  Medeiros não fala e nem age em nome da Igreja Católica. Lembramos oportunamente que ao bispo da Igreja arquidiocesana – e somente a ele, dentro de sua circunscrição eclesiástica -, compete a responsabilidade canônica de promover e garantir a unidade e a retidão da doutrina e da fé. Somente do arcebispo é a competência para discernir, decidir, nomear, destituir e acompanhar o governo das instituições eclesiais da Arquidiocese de Goiânia.

Todo e qualquer católico que se outorga ilegítimos direitos de suscitar rupturas na unidade da Igreja, está por isso mesmo atentando contra a comunhão e se colocando fora dela ‘latae sententiae’.

Reiteramos nosso apoio, solidariedade e gratidão à PUC Goiás, ao reitor e à reitoria, aos gestores, professores e funcionários, pelo serviço e pelo bem que prestam à Educação Superior, à nossa querida Pontifícia Universidade Católica e à Arquidiocese de Goiânia.

No Ano da Misericórdia, oremos ardentemente pela paz e pela harmonia do povo brasileiro. Recusemos e reprovemos, com firmeza, qualquer prática acusatória e ofensiva que incite ao ódio e à divisão, na família, na Igreja e na sociedade.

No fiel discipulado missionário, unidos à paixão de Cristo, como Igreja, continuemos perseverantes, rumo ao Reino definitivo.

Rezemos por este irmão, para que seja tocado pela ação do Espírito Santo e tenha a proteção da Santa Mãe de Deus.

 

Dom Levi Bonatto, bispo auxiliar da Arquidiocese de Goiânia


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