Política

STF, OAB e advogados reagem contra prisões e condenações sem provas

Diário da Manhã

Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 01:50 | Atualizado há 4 meses

Estudantes de Direito possi­velmente ficariam inquie­tos após ler Os Grandes Jul­gamentos da História. Neste livro, o jurista francês Henri Robert analisa 47 processos de figuras históricas como Jesus Cristo, Joana Darc, Dan­ton e outros. Robert conclui que em cada um destes julgamentos houve desvio de conduta ética dos opera­dores do Direito e flagrante violação do direito de defesa. Traduzindo: os operadores rasgaram o Direito, abu­saram de atos de repressão e puni­tivismo e condenaram sem provas.

Coibir arbítrios foi o que motivou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de autoria do Conselho Federal da Or­dem dos Advogados do Brasil junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), que arguiu sobre a inconstitucio­nalidade da conduções coercitivas (quando o acusado é levado à for­ça pela política para depor). O mi­nistro Gilmar Mendes acatou o pe­dido da OAB por considerar que a prática de levar investigados à força viola a Constituição Federal e fere a liberdade de locomoção e a presun­ção de não culpabilidade.

A decisão Gilmar Mendes freia a escalada punitivista e represso­ra impedindo o uso da coercitiva de investigados, sob pena de res­ponsabilização disciplinar, cível e criminal das autoridades que des­cumprirem a ordem, “sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. O ministro encaminhou a decisão à Presidência do Supremo para que seja incluída na pauta do Plenário.

PRISÃO ARBITRÁRIA

Em Goiás e no Brasil não foram poucas as vítimas dos excessos co­metidos pelos agentes do Judiciá­rio. Uma delas foi o ex-prefeito Darci Accorsi. Ele detido pela Polícia Fe­deral na sua casa, na manhã do dia 25/08/2005. A prisão foi acompa­nhada por grande espalhafato, com vazamento da operação para a mí­dia, num flagrante desrespeito às prerrogativas do acusado.

Darci foi preso sob acusação de envolvimento com uma quadrilha que fraudava licitações na Iquego (Indústria Química do Estado de Goiás). O detalhe é que Darci tinha recém-assumido a estatal, e as in­vestigações foram deflagradas em função de suspeitas que pesavam sobre a direção que ele sucedeu. Nada disso foi levado em conta e o ex-prefeito ficou preso por 40 dias e depois liberado. Anos depois, foi absolvido desta acusação. Ele mor­reu na noite de 20/11/2014, aos 69 anos, poucas semanas após realizar um sonho: a eleição ao cargo de de­putada estadual de sua filha, a dele­gada Adriana Accorsi.

DENUNCIOU CORRUPÇÃO E FOI DETIDO

Outro exemplo de abuso no uso da condução coercitiva é do ad­vogado Pedro Paulo de Medeiros. Em 2006, ele era presidente interi­no da Comissão de Exame da Or­dem dos Advogados do Brasil, sec­cional Goiás. Pedro Paulo assumiu o cargo por impedimento do titu­lar, cuja filha prestava o exame de Ordem naquele ano. Na ocasião ele era professor de Direito Penal na UCG (Universidade Católica de Goiás) atual PUC-Goiás, e ao assu­mir a comissão tomou medidas que julgou necessárias para dar mais se­gurança aos exames, e neste inte­rim, foi procurado por uma exami­nanda que trouxe-lhe denúncia de que estavam vendendo as provas do exame de Ordem. Através de ofí­cio, comunicou o fato ao presiden­te da OAB-GO, na época o advoga­do Miguel Cançado, e ambos foram à PF apresentar a denúncia e pe­dir a devida investigação. Em maio de 2007, Pedro Paulo, juntamen­te com outros integrantes da OAB, foi levado pela PF, ficando quatro dias detido na Academia de Polí­cia, que é onde os advogados ficam, na chamada sala de Estado Maior .

Pedro Paulo foi liberado quatro dias depois.Nunca foi indiciado ou processado. Após as investigações, mais de 50 envolvidos na fraude do exame da OAB em Goiás em 2006 foram condenados. O advogado atribui a sua detenção à exacerba­ção do uso da condução coerciti­va e das prisões temporárias. Se­gundo ele, são medidas drásticas sem necessidade. “É contra isso que eu sempre bati contra. Meu pai (Wanderlei de Medeiros) foi advogado criminalista, defendeu a vida inteira o devido processo le­gal, defendeu o Estado Democráti­co, defendeu a OAB e também foi injustamente acusado pelo siste­ma da época, quando o Superior Tribunal Militar (STM) quis pren­dê-lo, porque enquanto presiden­te da OAB-GO em 1980 disse que o Judiciário estava se curvando ao Poder Executivo”, salienta.

TESE ACATADA PELO STF

Em 2012, Pedro Paulo teve rejei­tado projeto de mestrado onde de­fendia a inconstitucionalidade da condução coercitiva. A tese foi le­vada à banca no IDP (Instituto Bra­siliense de Direito Público), no qual o ministro Gilmar Mendes é um dos sócios. Infelizmente ela não foi apro­vada pela banca, que era composta por integrantes do Ministério Públi­co Federal (MPF). “Minha defesa é de que a condução coercitiva, como está prevista no Código Penal no Brasil, viola a Constituição Federal e os Tratados de Direitos Humanos os quais o Brasil é signatário. Veja: se o cidadão tem o direito de perma­necer em silêncio, se ele tem o di­reito de não contribuir com qual­quer prova contra si mesmo, como é que este mesmo cidadão pode ser obrigado a ir para um lugar sen­do coagido, e tendo para sua defe­sa somente o ato de ficar em silên­cio? Acho isso um absurdo”, critica. Pedro Paulo é membro do conse­lho federal da OAB. Os argumen­tos que apresentou na tese junto ao IDP fundamentaram, anos depois, a ADPF da Ordem no Supremo.

PF LEVA REITOR AO SUICÍDIO

O reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi preso pela Polícia Fe­deral, na chamada Operação Ou­vidos Moucos, na manhã de 14 de setembro de 2017. Estava sendo in­vestigado, sem saber, pela delega­da Érika Mialik Marena, ex-coor­denadora da Operação Lava Jato, em Curitiba, e depois, da Ouvidos Moucos, em Florianópolis. A pro­va: a acusação de malversação em recurso da Educação a distância, feita por um declarado desafeto de Cancellier, o corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado.

A operação foi espalhafatosa: 115 policiais federais foram mo­bilizados para prender Cancellier e outros seis professores da UFSC. O ex-reitor foi levado como con­denado para um presídio onde teve os pés acorrentados, as mãos algemadas, foi submetido, nu, à revista íntima, vestiu o uniforme de presidiário e ficou em uma cela na ala de segurança máxi­ma. No dia da prisão, a PF man­chetou, em seu site, em um erro cavalar, que a Ouvidos Moucos combatia “desvio de mais de R$ 80 milhões”. Esse valor, como de­pois explicou a delegada Érika,, era o total de repasses do Minis­tério da Educação para o progra­ma de ensino a distância ao longo de dez anos, 2005 a 2015, quando Cancellier não era o reitor (só o foi a partir de maio de 2016).

Dezoito dias depois, 2 de outu­bro, Cancellier se matou, com 59 anos, atirando-se do sétimo an­dar de um shopping de Floria­nópolis. “A minha morte foi de­cretada quando fui banido da universidade!!!”, escreveu Cancel­lier em um bilhete que deixou.

Os excessos do Judiciário de­vem continuar promovendo de­bates neste mês. O que diria Hen­ri Robert se vivo fosse e pudesse testemunhar no dia 24 deste mês o julgamento do ex-presidente Lula? O advogado francês con­cordaria com aqueles que afir­mam que os operadores do Di­reito da Operação Lava Jato estão condenando sem provas, exce­dem no número de delações pre­miadas e conduções coercitivas?

 

Toron, Kakay e Gilmar criticam espetacularização das ações do MPF e PF

Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB Nacional, à época da operação que in­vestigoiu fraudes na OAB-GO, o advogado Alberto Zacharias Toron relatou, em entrevista ao site Consultor Jurídico, que foram apreendidos materiais que não tinham relação com o objetivo da operação. “É mais uma operação da PF com pri­sões abusivas decretadas des­necessariamente.” O presiden­te nacional da Ordem, naquela ocasião, o advogado Cezar Brit­to, também criticou os abusos da polícia judiciária.

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, tem se batido contra o que ele avalia como espetacularização da Jus­tiça, cujo precursor, segundo ele, foi o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Bar­bosa. Ele condena a transmissão ao vivo do julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) e também o uso abusivo e indiscriminado das conduções coercitivas e pri­sões ditas temporárias no âmbi­to da Operação Lava Jato. “Tem um procurador da República, Manoel Pastana, que disse em um parecer que a prisão era, sim, uma forma de obter delação, e até de forma jocosa: ‘Passarinho preso canta mais bonito”, relata.

Kakay diz que um exemplo claro da espetacularização são os vazamentos para imprensa e as entrevistas coletivas de mem­bros do Ministério Público e da Polícia Federal quando do iní­cio de fases da Lava Jato. “Con­vocam entrevistas coletivas e durante duas horas expõem o cidadão à condenação prévia e a uma condenação acessória sem previsão legal, que é a exposição da imagem. Fui dar uma palestra em Portugal e os professores lá não acreditaram que isso acon­tece no Brasil”, denuncia.

Para Kakay, este método que leva à execração pública (condu­ção coercitiva e prisão preventi­va) foi a causa do suicídio do ex­-reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de San­ta Catarina. Cancellier foi preso pela Polícia Federal, na chama­da Operação Ouvidos Moucos, na manhã de 14 de setembro. Estava sendo investigado, sem saber, pela delegada Érika Mia­lik Marena, ex-coordenadora da Operação Lava Jato, em Curitiba.

“Na época medieval, se você queria punir alguém, você o punia em praça pública por duas horas. Hoje, há uma ba­nalização que é muito poten­cializada porque você faz isso via imprensa. É essa banali­zação que a gente tem de en­frentar. A espetacularização do Direito Penal não pode existir. Esse drama que aconteceu em Santa Catarina com o suicídio do ex-reitor pode ser um mo­mento de inflexão, de reflexão das pessoas”, argumenta.

Na sua liminar que atendeu a ADPF da OAB, o ministro Gilmar Mendes também denuncia a es­petacularização. Ele argumen­ta que o uso indiscriminado das conduções coercitivas é subpro­duto das megaoperações condu­zidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por meio de estratégias de marke­ting: “Para ficar no exemplo mais rumoroso, foram executadas 222 conduções coercitivas na ope­ração Lava Jato – até 14.11.2017, de acordo com o site lavajato. mpf.mp.br. Apenas para ilustrar, é mais do que a soma de todas as prisões no curso da investiga­ção – 218, sendo 101 preventivas, 111 temporárias, 6 em flagrante”, aponta. “Em inquéritos policiais não batizados como operações, a condução coercitiva é rara ou inexistente,” arremata.

 


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