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'Sem o SUS, é a barbárie' Entrevista com Dr. Drauzio Varella”

Em sua passagem pela capital goiana, o médico e comunicador Drauzio Varella, conversou com exclusividade com o Diário da Manhã. Na entrevista, o médico comentou sobre a precarização do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua importância enquanto patrimônio brasileiro, a polêmica série em seu canal do Youtube “Drauzio Dichava”, políticas de públicas de prevenção à doenças e “Carcereiros” filme inspirado em seu livro de mesmo nome. 

Sem dúvidas, Dr. Drauzio Varella realizou suas pontuações sobre as questões levantadas de maneira humana, lúcida e coerente. Sua preocupação com políticas públicas da área da saúde está alicerçada em ações preventivas pela base social civilizatória, ou seja, a família da classe trabalhadora. Essas políticas se voltam para a democratização do acesso à saúde, sendo o SUS, de acordo com o médico, o maior instrumento de distribuição de renda do país. 

Acompanhe a entrevista:

DM: O aumento de doenças crônicas na população brasileira é assustador, sua palestra é sobre isso e ao visitar seu site, me deparei com um artigo da Juliana Conte que levanta o fato de 60% dos brasileiros possuírem doenças crônicas, sendo que 12, 5 milhões têm diabetes. Gostaria que sua visão sobre isso fosse exposta e relacionada com as atuais políticas públicas para a saúde. Como elas podem atuar para que esses números se paralisem?

Dr. Drauzio Varella: “A situação é grave, a camada que mais cresce na população brasileira é aquela que está acima dos 60 anos, ela cresce mais depressa. Aconteceu muito rápido isso no Brasil, em 50 anos nós tivemos um envelhecimento que demorou 100 anos para acontecer na Europa. Tudo muito depressa, até pouco tempo a mortalidade infantil era altíssima. A diminuição da mortalidade infantil aumenta muito a expectativa de vida. Agora temos uma população que envelhece e envelhece mal. Nós temos 54% da população acima do peso, 20% são obesos, 12 milhões de pessoas com diabetes; números que certamente são maiores do que esses, pois existem pessoas andando por ai 160 de glicemia na rua sem sentir nada, e sem saber que tem diabetes. A hipertensão arterial aos 60 anos, metade dos homens e das mulheres tem pressão alta, e esse número só aumenta depois com a idade. Temos dados de que mais ou menos 90% dos brasileiros chegam aos 60 anos com alguma doença crônica; diabetes, pressão alta, problemas cardiológicos. O sistema de saúde não terá condição de tratar de todo mundo pois essas doenças têm complicações muito graves: ataque cardíaco, derrame cerebral, cegueira, feridas que não fecham, insuficiência renal. Nós estamos em uma situação complicada neste momento, tanto no SUS como na saúde suplementar, porque os planos de saúde não vão aguentar. As vezes temos a ideia de que planos de saúde ganham rios de dinheiro mas não é assim, a situação deles é bem complexa, vários fecharam, vários quebraram, porque a margem de lucro é pequena e você tratar essas doenças complexas sai muito caro. O investimento deve ir para a prevenção, nós temos no SUS a estratégia de Saúde na Família que é um programa de prevenção da melhor qualidade, embora lute com muitas dificuldades - como falta de verbas e problemas de gestão - mas ele é um programa com potencial para conseguir reduzir essas complicações de saúde. A estratégia do saúde na família é uma peça fundamental nessa história, porque um agente de saúde vai até sua casa, mede sua pressão, te orienta. Você começa a resolver os problemas no nascedouro. Até hoje o sistema de saúde tem sido o sistema da doença. Vamos supor que você tem um plano de saúde, você não existe para esse plano, e não existe para o SUS também. Você vai existir quando? Quando você estiver com um problema de saúde e eles tiverem que pagar a conta. Seja o sistema público ou privado, não faz sentido isso. Temos que evitar que as pessoas cheguem a adoecer, porque depois a conta fica muito alta, fora todo o sofrimento.”

DM: E quando as ameaças ao SUS? Recentemente inúmeras mobilizações de estudantes de medicina de Universidades Federais de todo país foram realizadas em defesa do sistema. Como o senhor enxerga o SUS atualmente?

Dr. Drauzio Varella: “Se você pensar que temos 210 milhões de habitantes e que o SUS atende por volta de 180 milhões de brasileiros que só tem direito ao SUS, fica claro que sem o SUS é a barbárie. Vamos voltar ao passado que ninguém atendia ninguém, ninguém tratava de ninguém e as pessoas ficavam dependentes da caridade alheia. Não há nenhum sentido em acabar com o SUS, o SUS faz parte de um processo civilizatório, ele é o responsável pela saúde pública brasileira. Não podemos imaginar que o SUS possa deixar de existir, o SUS além de ser um sistema de saúde, é o maior sistema de distribuição de renda do Brasil. É a maior política de distribuição de renda, você pega uma pessoa morando na rua, se ela vai pro hospital ela é atendida, às vezes vai fazer uma cirurgia, ou um tratamento caríssimo. Qual era a chance de uma pessoa pobre ter direito a fazer uma revascularização de miocárdio por ponto de safena? Quem conseguiria se não fosse o SUS? Infelizmente o SUS anda com uma imagem muito ruim e a imprensa colabora para isso, porque quando lota o pronto socorro a televisão mostra gente sentada no chão, ou com muitas horas esperando. Essa imagem do SUS é resultado de uma série de fatores, porque se você for na porta de um hospital vai notar que 80% daquelas pessoas não deveriam estar ali, deveriam estar sendo atendidas na atenção básica, dava pra resolver muitos casos na atenção básica, no entanto, vão pra lá porque temos a cultura do pronto-socorro. Isso tem um custo alto, isso encarece cada vez mais, os especialistas levam o preço da medicina para outro patamar. Temos que evitar que as pessoas cheguem ao hospital, cheguem ao pronto-socorro, porque uma intervenção que custaria muito pouco, cresce cem vezes quando você parte para cuidados mais sofisticados. Tudo sempre se volta para o mesmo lugar, saúde na família e prevenção, não há outra alternativa.”

Foto: Larissa Melo @larissamelofotografia

DM: Sua série Drauzio Dichava foi um sucesso, mas também é repleta de polêmicas. Como foi realizar esse projeto? Como o senhor vê pautas voltadas para a discussão do uso da maconha e sua legalização?

Dr. Drauzio Varella: “Essa série foi feita para discutir um problema, quando se tem uma droga que é proibida, não se pode falar sobre ela, porque é proibida. Qual o inconveniente disso? Primeiro, a mãe ou o pai sabe que o filho fuma maconha e já ficam desesperados. Já vêem o menino do mundo das drogas, acham que daqui a pouco ele estará fumando crack na sarjeta. Então já existe esse pavor da sociedade em relação às drogas como se elas fossem todas iguais, e não são. Por outro lado, nos mais jovens a maconha vira uma coisa simples e natural, falam que não faz mal nenhum porque é uma erva natural. Tabaco também é uma erva natural e veja quantas pessoas morrem por causa dele. A maconha não é desprovida de efeitos colaterais, especialmente nas crianças com menos de 20 anos, sérios problemas ela causa, problemas que inclusive comprometem o sistema cognitivo. Então existe um lado médico da questão que ninguém leva a sério, ninguém quer entender o que é. O caminho que a gente escolheu para abordar esse tema foi mais informal, tentar entrar nesse mundo, conversar e ver o que aparece. Mostrar que essa coisa da proibição estaria tudo bem, se funcionasse. Você não consegue segurar, temos que investir na educação, mas se é algo proibido, se você pode ser preso, você mantém isso no subterrâneo acontecendo, correndo solto nem nenhum critério ou informação. Veja o que aconteceu com o cigarro, na minha geração, 60% dos adultos com mais de 15 anos fumava. Hoje são 9%, nos fumamos menos que os Estados Unidos e todos os países da Europa. O que nós fizemos? O cigarro está aí, você fuma se você quiser, o que nós fizemos foi a educação, estabelecemos regras e leis, eu não posso fumar aqui. É tudo organizado, é lento, mas pelo menos você vai dando passos mais seguros, não vamos voltar àquela fase onde 60% das pessoas fumavam, porque hoje existe uma consciência em relação ao cigarro e em relação a maconha deveria ser a mesma coisa, na verdade, em relação a todas as drogas.

DM: Recentemente estreou nos cinemas nacionais “Carcereiros”, filme inspirado em sua obra literária que leva o mesmo nome. O que achou do filme?

Dr. Drauzio Varella: A história [do filme] em si não é minha, é um bang-bang, né? Mas é um filme de aventura e ação muito bem feito. O filme inteiro se passa em um dia, então a história é muito bem contada, você acredita nos personagens. Acho que do livro eles pegaram aquela personalidade do carcereiro honesto. Foi uma boa história, um bom filme de ficção.

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