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Ameaça ronda barragens

SÃO PAULO - A análise de documentos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pela fiscalização de barragens de mineração em todo o Brasil, revela que a tragédia que atingiu Mariana (MG) pode se repetir em pelo menos 16 outras barragens de quatro estados do país. O drama que matou 11 pessoas, desapareceu com outras 12 e atravessou Minas Gerais e Espírito Santo em direção ao mar ameaça mais meio milhão de pessoas. O Cadastro Nacional de Barragens de Mineração de abril de 2014 mostra que 16 reservatórios e uma cava de garimpo possuem categoria de risco alto — quando a estrutura não oferece condições ideais de segurança e pode colapsar — e alto dano potencial associado — quando pode afetar e matar populações, contaminar rios, destruir biomas e causar graves danos socioeconômicos.

De acordo com cálculos feitos pelo GLOBO, se essas barragens rompessem, os rejeitos potencialmente atingiriam 14 municípios, cuja população soma 540 mil habitantes. Incluindo-se na conta a cava de Serra Pelada, no Pará, são 780 mil pessoas em risco. As unidades possuem volume de 84 milhões de metros cúbicos para abrigar o material descartado no processo de mineração de ferro, estanho, manganês, caulim e ouro. O montante é 50% maior que a quantidade de lama que vazou da Samarco, que pertence à Vale e à australiana BHP.

Os rejeitos ameaçam três das maiores bacias hidrográficas brasileiras: a do Rio Paraguai, no coração do Pantanal sul-matogrossense; a do Rio Amazonas, que irriga a floresta amazônica; e a do Rio São Francisco, que banha o Nordeste.

EMPRESAS NÃO FORNECEM DOCUMENTOS

A estimativa foi feita a partir da localização das barragens, dos cursos d’água e da localização da jusante — o sentido da vazão dos rios. Foram considerados municípios em risco imediato aqueles que estão a menos de 50 quilômetros das barragens e no caminho da correnteza de igarapés, riachos e rios que banham a área.

Apenas para comparação, a lama que saiu de Mariana já percorreu cerca de dez vezes a distância de 50 quilômetros usada na estimativa e partiu do reservatório a uma velocidade de cerca de 70 km/h. Repetidas as condições da barragem de Fundão, vilarejos desses municípios seriam afetados em menos de uma hora.

Os dados usados são do DNPM e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nenhuma das empresas responsáveis pelas barragens de alto risco forneceu laudos técnicos sobre o que aconteceria com seus rejeitos se as estruturas colapsassem, o que permitiria traçar uma rota mais certeira do impacto nos municípios e até dos atingidos indiretamente, por falta d’água, por exemplo. Esses estudos compõem os Planos de Ações Emergenciais de Barragens de Mineração, que incluem também a lista de procedimentos para salvamento de pessoas e contenção de desastres em caso de emergência, cuja formulação é obrigatória por lei.

— Não há porque as empresas não tornarem esses documentos públicos, é uma informação importante para a população. O comportamento é estranho e preocupante. Sugere que o plano possa não existir ou que tenha sido feito de qualquer maneira — alertou o geólogo Álvaro dos Santos, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas.

O plano de contingência da Samarco só foi apresentado mais de uma semana após o incidente e criticado pelo Ministério Público de Minas Gerais. O documento não previa alerta sonoro nem treinamento de pessoas que moravam na área de risco.

Entre as barragens listadas como potencialmente perigosas, há empresas reincidentes em acidentes. Uma delas, a Imerys Rio Capim Caulim S/A, é responsável pelo vazamento de cerca de 450 mil metros cúbicos de rejeitos de caulim — mistura de água e barro esbranquiçado — de uma das bacias, em 2007. Os rejeitos atingiram igarapés e rios do município de Barcarena (PA). Em 2014, o Ministério Público Federal investigou pelo menos outros dois vazamentos dos tanques da companhia. Agora, a empresa aparece como controladora de três barragens de classificação A: alto risco quanto à conservação e alto dano potencial. Ainda assim, sua produção não foi reduzida nem paralisada.

O Brasil está entre os dez maiores produtores mundiais de caulim, minério fundamental para a produção de papel. A Imerys afirmou, em nota, que não paralisou as atividades porque a lei não obriga, e negou que as estruturas estejam fora de controle. “Entre 2013 e 2015 foram investidos cerca de R$ 15 milhões na segurança de operações de barragem”, disse a nota, que ressaltou ainda que sistematicamente são tomadas “medidas como monitoramento do nível das bacias, acompanhamento do nível dos lençóis freáticos e estudos de estabilidade dos maciços das bacias”. A empresa reconheceu que “onde está a planta de beneficiamento da Imerys, existem pessoas” e disse ter plano de emergência voltada para elas, mas não apresentou documentos nem detalhes.

— É óbvio que as atividades deveriam ser suspensas nesses casos, mas a fiscalização não obriga. Aliás, não há nem prazo para que a empresa melhore suas estruturas, ela pode fazer quando quiser — diz a procuradora Zani Cajueiro, especialista no assunto.

Em Corumbá (MS), a Vale controla a Urucum Mineração, dona de dois reservatórios de classificação A, usados na extração de manganês. Esse tipo de atividade costuma produzir como rejeito quantidades de arsênio, substância altamente tóxica, de acordo com o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), do Ministério da Tecnologia. A Vale negou que o rejeito seja perigoso e disse que manteve as operações a despeito do resultado negativo das condições das estruturas. Afirmou ainda que inspeções feitas em 2015 reenquadraram as bacias para baixo e médio risco, mas não apresentou documentos que comprovem isso.

Já a Gerdau AçoMinas, controladora da Barragem Bocaina em Ouro Preto (MG), disse que, em análise do fim de 2014, o reservatório foi considerado de baixo risco e que está fora de operação. Apresentou um documento do DNPM que mostra a mudança de classificação para nível C. No entanto, a página não tem data.

Dona de bacias de água barrenta encravadas no meio da floresta amazônica, a Taboca Mineração é a empresa com maior número de barragens na lista: são dez, usadas para mineração de estanho. A empresa admitiu que, em caso de rompimento, a maior delas poderia provocar uma onda de cinco metros de rejeitos, que atingiria áreas indígenas. Afirmou que nas bacias há água e areia de granito. As estruturas não estão em operação e passam por recuperação ambiental. A Taboca afirmou que adota criteriosos padrões de segurança, “inclusive com mais rigor que o exigido pela legislação”.

Especialistas, no entanto, questionam as condições das barragens, mesmo daquelas que não estão em situação de alto risco. Em Mariana, a barragem rompida era considerada de baixo risco.

— Quem produz os laudos são as próprias empresas ou consultorias contratadas por elas. A raposa cuida do galinheiro — disse Francisco Fernandes, pesquisador do Cetem.

O DNPM não respondeu à reportagem.

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