Opinião

Ética, corrupção e alterofagia

Redação DM

Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 00:23 | Atualizado há 7 anos

Exis­tem dois ti­pos de so­ci­e­da­des: as pre­pon­de­ran­te­men­te éti­cas (res­pei­to ao ou­tro) e as al­te­ro­fá­gi­cas (des­tru­i­ção do ou­tro). Na nos­sa for­ma­ção his­tó­ri­ca (for­ma­ção co­le­ti­va) sem­pre pre­do­mi­nou a se­gun­da es­pé­cie. Al­te­ro­fa­gia vem de “al­te­ro” (o ou­tro, a ou­tra, os ou­tros, as ou­tras coi­sas) e “fa­gia” (co­mer, de­vo­rar, des­tru­ir, di­zi­mar, ani­qui­lar, ex­tin­guir).

Pe­la vi­o­lên­cia, pe­la frau­de, pe­lo clien­te­lis­mo e pe­la cor­rup­ção as eli­tes di­ri­gen­tes (de es­quer­da, cen­tro ou de di­rei­ta) con­ti­nuam de­vo­ran­do nos­so pro­je­to de na­ção. Con­ti­nua­mos sen­do, de­pois de cin­co sé­cu­los de exis­tên­cia, uma “so­ci­e­da­de con­de­na­da” (Ayn Rand).

Os co­lo­ni­za­do­res (por­tu­gues­es, es­pa­nhóis, fran­ces­es, ho­lan­de­ses etc.) pa­ra cá vi­e­ram pa­ra evan­ge­li­zar e se re­pro­du­zi­rem e, ao mes­mo tem­po, pa­ra se en­ri­que­ce­rem.

Mas pa­ra al­can­çar es­se pro­pó­si­to ado­ta­ram o mé­to­do de rou­bar, quei­mar, se apro­pri­ar, es­cra­vi­zar, cor­rom­per, ma­tar, tor­tu­rar, es­tu­prar, es­po­li­ar, di­zi­mar, pi­lhar, des­tru­ir, ex­tin­guir e ex­tra­ti­var. Em su­ma, que­ri­am fa­zer ri­que­za e irem em­bo­ra, des­tru­in­do (im­pu­ne­men­te) gen­te, na­tu­re­za e ani­mais. Eli­tes al­te­ro­fá­gi­cas.

Mui­tos dos in­dí­ge­nas que aqui eles en­con­tra­ram le­va­vam a al­te­ro­fa­gia à sua po­tên­cia má­xi­ma, pra­ti­can­do o ca­ni­ba­lis­mo (ma­ta­vam e co­mi­am o pri­si­o­nei­ro com a cren­ça de que as­sim se apro­pri­a­vam da sua ener­gia, da sua for­ça, da sua in­te­li­gên­cia, das su­as ha­bi­li­da­des). Ti­ve­mos no Bra­sil o en­con­tro de du­as cul­tu­ras atra­sa­das, bes­ti­ais, me­di­e­vais e bár­ba­ras.

O que fal­ta nes­se ti­po de so­ci­e­da­de al­te­ro­fá­gi­ca e “con­de­na­da”? A éti­ca. O que é a éti­ca? É o res­pei­to ao ser hu­ma­no, à na­tu­re­za, aos ani­mais e ao bom uso das tec­no­lo­gi­as. É o res­pei­to às re­gras jus­tas que pro­cu­ram pre­ser­var o hu­ma­no, a na­tu­re­za, os ani­mais e a boa tec­no­lo­gia. É, em su­ma, fa­zer as coi­sas do jei­to cer­to.

O re­sul­ta­do de uma so­ci­e­da­de éti­ca é a ob­ten­ção “da ar­te de vi­ver bem hu­ma­na­men­te”, ou se­ja, a ar­te de con­vi­ver pa­ci­fi­ca­men­te (tan­to quan­to pos­sí­vel) com os de­mais hu­ma­nos (Sa­va­ter) e de cri­ar um am­bi­en­te sus­ten­tá­vel, que ga­ran­ta a vi­da pre­sen­te e fu­tu­ra de to­das as ge­ra­ções.

As so­ci­e­da­des al­te­ro­fá­gi­cas se ca­rac­te­ri­zam pe­la des­tru­i­ção do ou­tro, leia-se, do ser hu­ma­no, da na­tu­re­za, dos ani­mais as­sim das opor­tu­ni­da­des ci­vi­li­za­tó­ri­as ge­ra­das pe­las no­vas tec­no­lo­gi­as.

A cor­rup­ção, no Bra­sil, al­can­çou o ní­vel da al­te­ro­fa­gia. O Bra­sil é mui­to mais que um pa­ís cor­rup­to. É uma clep­to­cra­cia (clep­tos = la­drão; cra­cia = go­ver­no, po­der). Cor­rup­tos to­dos os paí­ses são. Até mes­mo a Di­na­mar­ca e a No­va Ze­lân­dia, os dois pri­mei­ros co­lo­ca­dos no ranking da Tran­spa­rên­cia In­ter­na­ci­o­nal (de 2016).

A no­ta des­ses dois paí­ses é 90. Mas 90 não é 100. Lo­go, tam­bém exis­te cor­rup­ção nes­sas na­ções. O Bra­sil, no en­tan­to, é di­fe­ren­te. O que te­mos aqui é uma clep­to­cra­cia go­ver­na­da e do­mi­na­da por la­drões de uma pe­que­na eli­te (eco­nô­mi­ca, fi­nan­cei­ra, po­lí­ti­ca, ad­mi­nis­tra­ti­va, mi­di­á­ti­ca e in­te­lec­tu­al) que sem­pre rou­ba­ram nos­sos so­nhos de na­ção. Es­sas eli­tes são de es­quer­da, de cen­tro ou de di­rei­ta.

Por meio da cor­rup­ção es­sas eli­tes ban­di­das (de to­das as co­res ide­o­ló­gi­cas) dre­nam re­cur­sos pú­bli­cos pa­ra seu en­ri­que­ci­men­to par­ti­cu­lar, co­lo­can­do nos car­gos pú­bli­cos pes­so­as com­ple­ta­men­te des­qua­li­fi­ca­das e, mui­tas ve­zes, des­pre­pa­ra­das.

Pa­ra ga­ran­tir sua im­pu­ni­da­de cri­a­ram ins­ti­tu­i­ções pre­cá­rias, frou­xas, co­ni­ven­tes, que atuam nor­mal­men­te co­mo apa­ra­tos de pro­te­ção da clep­to­cra­cia.

A má­qui­na pú­bli­ca fun­cio­na mui­to mal. Os ser­vi­ços pú­bli­cos são de pés­si­ma qua­li­da­de e o con­tro­le exer­ci­do so­bre a cor­rup­ção é mui­to flá­ci­do. Por tu­do is­so é que se diz que, no Bra­sil, a cor­rup­ção ma­ta.

As eli­tes que nos go­ver­nam cor­rup­ta­men­te (aque­las que nos go­ver­nam cor­rup­ta­men­te, pou­co im­por­tan­do se de es­quer­da, de cen­tro ou de di­re­ta), do pon­to de vis­ta co­le­ti­vo, não são “eros” (vi­da), são “ta­na­tus” (mor­te).

Es­sas eli­tes cor­rup­tas, ban­di­das e al­te­ro­fá­gi­cas são as gran­des res­pon­sá­veis pe­las mor­tes por ba­la per­di­da, pe­las de­cap­ta­ções, atro­ci­da­des ma­chis­tas, pe­los hos­pi­tais sem re­mé­di­os, pe­lo des­vio do di­nhei­ro da sa­ú­de e da edu­ca­ção pa­ra as elei­ções de­las, pe­las ca­sas sem es­go­to, pe­las cri­an­ças anal­fa­be­tas, pe­las es­co­las que não edu­cam, pe­las es­tra­das es­bu­ra­ca­das, pe­las obras não aca­ba­das,  pe­las li­ci­ta­ções frau­da­das, pe­los sub­sí­di­os fa­vo­re­ci­dos, pe­los car­gos tro­ca­dos, pe­las emen­das “ne­go­ci­a­das”, pe­los su­bor­nos pa­gos, pe­las de­ci­sões “com­pra­das” dos tri­bu­nais e por aí vai (ao in­fi­ni­to).

 

(Lu­iz Flá­vio Go­mes, ju­ris­ta. Cri­a­dor do mo­vi­men­to Que­ro Um Bra­sil Éti­co. Es­tou no f/lu­iz­fla­vi­o­go­me­so­fi­ci­al)

 


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