Opinião

Termos e expressões que só se encontram na boca do nosso bariru

Redação DM

Publicado em 6 de novembro de 2015 às 23:58 | Atualizado há 10 anos

Esses dias, fui com o Emílio Vieira, e representando Ana Braga e Sisenando Azevedo, prestar nossa solidariedade ao Bariani Ortencio, o maior regionalista vivo do Centro-Oeste e quiçá do Brasil, pelo passamento de sua velha companheira de décadas, dona Leuza. E após longo e proveitoso bate-papo, ele, respeitado e vivido regionalista, do alto de sua experiência dos mais de noventanos, surpreendeu-me por sua humildade, ao solicitar:

– Liberato, me mande pelo correio eletrônico aqueles artigos que falam das expressões do nosso caipira, pra incluir no meu dicionário.

Como se sabe, Bariani é o autor do inigualável “Dicionário do Brasil Central”, que vem de sucessivas edições enriquecer nossa língua. E quem sou eu para entrar de colaborador de um regionalista de tão distinguido naipe?

Mandei-lhe, com muita emoção, e ele me estimulou a prosseguir com esse trabalho, que, doravante, dedico ao velho amigo e incentivador, coincidentemente o prefaciador do meu acanhado “Dicionário tocantinense de termos e expressões afins”.

Normalmente, muitos leitores cobram-me expressões que são comuns no interiorzão goiano e tocantinense. E aqui vão mais algumas, sacadas do meu “Dicionário tocantinense de termos e expressões afins”:

E retomando esta série, que – como falei – dedicarei ao nosso regionalista maior – vamos a mais algumas anotações, com termos e expressões do nosso homem da roça:

Antes lamber do que cuspir – expressão que é dita diante de uma situação em que temos que nos contentar com pequenas coisas, se não conseguirmos tudo o que queremos.

Assobiar e chupar cana – fazer duas coisas impossíveis ao mesmo tempo.

Arroz-de-três-meses – é uma espécie de arroz que se colhe após três meses do plantio. É um arroz de aspecto normal, e embora não contenha as proteínas do arroz comum, é de larga utilização, porque permite três colheitas anuais.

Artifício – é aquele isqueiro rústico, também denominado papa-fogo, boi-de-fogo e cornimboque, ou corrimboque, feito de uma ponta de chifre de boi, cheio de algodão, que se acende por meio da fagulha de uma pedra que é acionada por um pedaço de ferro, geralmente feito de restos de um facão velho. O chumaço de algodão se chama isca, e o pedaço de ferro tem o nome de fuzil.

Baixeiro – é a peça de tecido grosso ou de estopa que se coloca entre a sela e o dorso do animal de montaria ou de carga para proteger o espinhaço; também é chamado de “enxerga”.

Baladeira – é uma arma rústica de caçar passarinhos feita de duas tiras de borracha elástica atadas em uma forquilha e unidas com uma tira de couro, onde se coloca a pedra para ser impulsionada; tem também os nomes de  atiradeira ou estilingue.

Banho de loja – é a circunstância em que uma pessoa toma outra feição, ficando mais bonita, após passar uma temporada na cidade ou se submeter a um salão de beleza.

Bate-enxuga – é única roupa que alguém possui; por que bate-enxuga? Porque bater roupa significa lavar roupa; assim, bate-enxuga serve muito bem para designar a roupa única que só sai do corpo para ser lavada. tem também o nome de bate-e-torce.

Bate-pau – é aquela pessoa subserviente, aduladora também chamada de pau-mandado, puxa-saco. Na linguagem policial, é a pessoa que presta serviços policiais sem pertencer à polícia.

Bater arroz e feijão – é separar os grãos de arroz e de feijão na roça, através de uma técnica rústica que consiste em pegar os pés de arroz e de feijão e batê-los para que os grãos se desagreguem dos ramos e hastes. no caso do arroz, pegam-se os pés com os cachos, que são batidos em um jirau construído em uma espécie de quadrilátero com paredes de palha, chamado chocha ou choça; os grãos caem sob o jirau, de onde são recolhidos. no caso do feijão, os pés, arrancados com a raiz, são colocados sobre um couro de boi ou uma esteira, onde são submetidos a uma série de pancadas, para separação dos grãos.

Bater a caçoleta – é o mesmo que morrer, bater as botas, bater as cambotas, bater a pacuera. Caçoleta era uma peça de arma antiga de carregar pela boca, disparada por meio de fagulhas, à semelhança da pederneira; quando a caçoleta batia no aço temperado disparava, e se o tiro fosse certeiro, a queda também era certa; daí, a expressão.

Bater prego sem estopa – a expressão parece ser tipicamente tocantinense e significa ser extremamente vivo, de forma a não fazer algo sem pensar em proveito futuro. Origina-se do costume que os barqueiros tocantinenses têm de calafetar os buracos dos barcos e canoas com pregos envolvidos em estopa embebida de breu para evitar vazamentos.

Bater água – remar.

Bater a pacuera – morrer; o mesmo que “espichar as canelas”; “bater as precatas”; “bater as botas”; “bater as cambotas”.

Bater na cangalha pro burro entender – insinuar; jogar indireta.

Botar o caso no mato – dar uma mancada; cometer um erro.

Botar pau na estrada – atrapalhar um negócio ou um projeto.

Botar pedra no toco – quando alguém chega para uma visita justamente na hora de uma refeição, diz-se que “botou a pedra no toco”, na superstição de que se colocarmos uma pedra num toco antes de chegar para a visita, a pessoa não come enquanto o visitante não chega, independentemente de saber da visita.

Benzeção e simpatia – embora confundidas, pois ambas podem se realizar com rezas, a simpatia é uma forma secundária de benzeção.  A diferença está em que a benzedura só é realizada por pessoas especializadas (curadores, benzedores), e a simpatia pode ser administrada por qualquer pessoa, desde que siga o ritual preconizado: pronuncie as palavras cabalísticas ou utilize os objetos anunciados para a possível cura.

E por aí segue. De vez em quando voltarei ao assunto, pois até agora só cheguei na letra “B”.

Até chegar à letra “Z”, tenho muita fala de matuto a oferecer ao nosso Bariani.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, escritor, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras jurista, historiador e advogado – [email protected])


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