O PT, seus caminhos e descaminhos (VI) (Decepção com a corrupção)
Redação
Publicado em 8 de outubro de 2015 às 22:09 | Atualizado há 10 anos– E agora meu irmão? Você contava com isso?
A pergunta tinha ar de tal urgência, que veio como saudação, acompanhando o abraço. O sorriso, discreto, revelava a tensão da velha amiga diante da enxurrada de denúncias relacionadas com o Partido dos Trabalhadores e o governo Lula. Antes de responder procurei lembrar quantas vezes me foi dirigido esse desafio nos últimos meses. Foram muitas, muitas. E tudo começou quando o deputado e então presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson, decidiu denunciar práticas de corrupção de dirigentes do PT e de outros partidos da base do governo federal, bem como do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
É dessa forma que o íntegro Ivo Poletto (cuja participação na elaboração e na execução do programa Fome Zero relatei no artigo anterior) começa o capítulo 22 que, aliás, é o último do seu livro Brasil: oportunidades perdidas, subtítulo Meus dois anos no governo Lula. Quem lhe faz as perguntas acima é uma companheira daquele programa e de partido, cujo nome ele não menciona. Sua resposta:
– Não minha amiga. Sempre tive clareza de que Lula enfrentaria grandes dificuldades no exercício da presidência. Mas, honestamente, nunca imaginei que o motivo fosse a denúncia de práticas de corrupção.
A amiga continua:
– Você, como eu e talvez a maioria dos eleitores e eleitoras deve ter pensado que a falta de experiência administrativa do Lula seria o seu maior limite…
Ivo Poletto responde:
– Sim e não – refleti buscando argumentos. Ninguém precisa governar sozinho. E não faltava gente muito capacitada para ajudá-lo a governar. Para mim seus maiores inimigos eram os dirigentes e os grupos econômicos representados pelos partidos derrotados. A esses não faltaria experiência nem poder econômico nem apoio midiático nem ganas de retomar o que sempre fora seu.
– Você tem razão – concordou ela. E acrescentou alguns dados históricos indispensáveis: Eles controlaram as instituições do Estado em toda a história política brasileira. Usaram todo o tipo de arma, de abuso e de astúcia para manter o controle sobre quem teria direito de votar e sobre a liberdade dos que foram conquistando esse direito. Fizeram um jogo terrível durante e mais de um século de República: com votos roubados ou negociados, por dinheiro ou em troca de algum favor, exerceram um poder que colocou as instituições estatais a serviço dos seus interesses, defendendo e reforçando seu patrimônio.
– Nesta história – lembrou Ivo Poletto – havia corrupção de todo tipo. E a principal foi a corrupção da mente do povo, o controle sobre sua liberdade. Com isso, ao conquistar novos direitos políticos, as pessoas não tinham chance de trabalhar em favor de políticas diferentes, que colocassem o poder a serviço dos reais interesses da população.
Depois de mais algumas considerações a amiga pergunta:
– Pois não foi contra tudo isso que nasceu o PT? Não foi criado para que a população tivesse oportunidade de participar da construção de um poder que defendesse os seus direitos, que o fizesse respeitando a liberdade e os valores éticos?
Poletto responde:
– Foi, minha irmã. É por isso que corrupção não rima e não pode rimar com a política que o PT se dispôs a liderar.
(Continua)
(Eurico Barbosa é escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às terças & sextas-feiras. E-mail: [email protected])