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30 cidades com shows no país investigadas pelo MP

O cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, mal podia imaginar que, ao criticar uma tatuagem no ânus de Anitta há algumas semanas, terminaria por levar ao escrutínio público os milhões de reais pagos por prefeituras Brasil afora pelas apresentações de cantores sertanejos.

Nunca ficou tão evidente como é o pagador de impostos que banca os cachês milionários de Gusttavo Lima, por exemplo, artista bolsonarista que lota shows em feiras agropecuárias em cidades do interior defendendo Deus, pátria, família e liberdade entre uma música e outra.

“Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet, o nosso cachê quem paga é povo, a gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ pra mostrar se a gente tá bem ou não, a gente vem simplesmente aqui e canta’’, disse o sertanejo. Anitta havia dito nas redes que havia feito uma tatuagem no ‘tororó’.

Após Zé Neto afirmar que não dependia da Lei Rouanet e que seus cachês "quem paga é o povo" para zombar de Anitta, uma série de investigações dos cachês que sertanejos e outros artistas ganham de prefeituras começou a ser feita por todo o país Hoje, 30 cidades pelo país têm shows investigados pelo Ministério Público —a maioria deles são de eventos de Gusttavo Lima, mas Xand Avião e Wesley Safadão também aparecem entre os cachês.

Abaixo, veja onde acontecem as investigações do Ministério Público até agora.

São Luiz (RR) - O Ministério Público de Roraima vai investigar a Prefeitura de São Luiz pela contratação de um show de Gusttavo Lima por R$ 800 mil. Localizada a 275 quilômetros de Boa Vista, a capital do estado, São Luiz tem 8.232 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. É como se cada morador, entre adultos e crianças, estivesse pagando um ingresso de cerca de R$ 100 para custear o cachê do cantor.

Teolândia (BA) - O Tribunal de Justiça da Bahia cancelou na última sexta-feira (3) um show de Gusttavo Lima com cachê de R$ 704 mil pago pela prefeitura de Teolândia, cidade baiana a 278 quilômetros de Salvador, durante a Festa da Banana, uma comemoração tradicional da cidade.

Mossoró (RN) - O Ministério Público do Rio Grande do Norte pediu que a Justiça cancele shows de Wesley Safadão e Xand Avião em Mossoró, cidade a 288 quilômetros de Natal, marcados para as próximas semanas durante uma celebração junina paga pela prefeitura.

Magé (RJ) - O Ministério Público do Rio de Janeiro que abriu um inquérito para apurar se houve irregularidades na contratação de Gusttavo Lima para um show em Magé, a cem quilômetros da capital fluminense, por R$ 1 milhão. A contratação, embora a princípio não seja ilegal, chamou a atenção do MP porque o cachê é dez vezes maior que o valor que a Prefeitura de Magé deve investir em atividades artísticas e culturais durante o ano todo.

Conceição do Mato Dentro (MG) - A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, cidade mineira a 163 quilômetros de Belo Horizonte, usou uma verba destinada a saúde, educação, ambiente e infraestrutura para pagar o cachê de R$ 1,2 milhão que Gusttavo Lima vai receber por um show marcado para junho. O Ministério Público de Minas Gerais está fazendo uma investigação preliminar a respeito dessa contratação

Mato Grosso - O Ministério Público de Mato Grosso decidiu apurar se houve irregularidade na contratação de cantores, sobretudo do sertanejo, por cachês que ultrapassam o R$ 1 milhão em 24 prefeituras do estado —Gaúcha do Norte, Porto Alegre do Norte, Figueirópolis d'Oeste, Sorriso, Nortelândia, Salto do Céu, Alto Taquari, Novo São Joaquim, Nova Mutum, Sapezal, Canarana, Acorizal, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingu, Vera, Barra do Garças, Juína, Querência, Bom Jesus do Araguaia, Santa Carmem, Matupá, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte.

Goiás – Uma das atrações mais cara, do Aparecida é Show, que em 2022 celebra o centenário de Aparecida de Goiânia, Xand Avião recebeu cachê de R$ 300 mil, pagos pela prefeitura, que  gastou R$ 2,2 milhão com atrações musicais que incluem Wesley Safadão (R$ 700 mil), Zé Vaqueiro (250 mil), a dupla Zé Ricardo e Thiago (R$ 90 mil), cantora Isadora Pompeo (R$ 75 mil), Cesar Menotti e Fabiano (R$ 245 mil), Leo Magalhões (R$ 180 mil), Saia Rodada (R$ 240 mil) e banda cristão Rosa de Saron (R$ 80 mil). Gusttavo Lima, que receberia R$ 750 mil), cancelou a sua apresentação.

Dinheiro público vai para artistas de esquerda e de direita

O debate sobre a “CPI do Sertanejo” desbanca a tese de que só artistas de esquerda usam dinheiro do governo, uma das principais pautas da guerra cultural acirrada nos anos de governo Bolsonaro.

Empoderados pelo discurso anti-Rouanet do presidente, bolsonaristas acusam cantores como Daniela Mercury e Caetano Veloso de "mamar nas tetas do governo" ou de "assaltar os cofres públicos".

Os sertanejos não são os únicos contratados pelas prefeituras. A Virada Cultural de São Paulo, por exemplo, pagou R$ 200 mil usando verbas do maior município do país para Ludmilla, que pediu à plateia para fazer o "L" e saiu do palco com o telão alternando entre as cores vermelha e branca, as mesmas do Partido dos Trabalhadores, o PT, numa prova de que artistas de várias posições do espectro político recebem dinheiro público.

No entanto, são os sertanejos que, diferentemente dos cantores de outros gêneros, percorrem o Brasil de norte a sul e vão a cidadezinhas do interior para se apresentar em festivais do agronegócio. Muitos inclusive aproveitam as visitas para gravar CDs e DVDs repletos de referências às cidades, bancados pelas prefeituras.

Qual é, então, a diferença entre um show pago com verba da administração municipal e outro financiado pela Rouanet? Enquanto num caso é a prefeitura que vai até o artista e o contrata sem licitação, no outro é o artista que procura o Estado e precisa enfrentar um processo de várias etapas até obter a verba.

Um processo também é mais obscuro que o outro. É quase impossível produzir um levantamento com todos os cachês pagos pelas prefeituras a determinado artista, diferentemente do que ocorre com a Rouanet, que mantém um banco de dados único com todos os projetos financiados. Para encontrar os contratos das administrações com os sertanejos, é necessária uma varredura no site de cada prefeitura entre centenas de documentos. É, portanto, mais fácil ocultar essa verba.

Os valores e as negociações também são muito diferentes. O cachê da Rouanet para um artista não pode ultrapassar R$ 3.000, valor que antes era de R$ 45 mil, mas foi reduzido durante o governo Bolsonaro. Já via prefeitura não há limite. Os cachês de Gusttavo Lima, por exemplo, têm variações de até 50%. Se numa cidadezinha de Roraima ele cobra R$ 800 mil, noutra, de Minas Gerais, o valor sobe para R$ 1,2 milhão.

Além disso, via Rouanet, o artista precisa propor uma ideia ao governo e detalhar todos os gastos necessários, como transporte e aluguel de equipamentos, com três orçamentos para cada item. A proposta então vira um projeto, que é encaminhado a um parecerista responsável por avaliar se os valores condizem com o mercado.

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