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Fanzines: a subjetividade no papel

A consciência é a característica mais gritante do homem. É o principal pedaço da humanidade e o que podemos escolher para distanciar dos outros animais. O saber e também o saber que se sabe implica grandes acontecimentos dentro do sujeito. No mundo da subjetividade, cabe tudo aquilo que não é palpável, ou seja, os não-objetos do mundo abstrato como o amor, saudades, felicidade, paixão e outros sentimentos. Para conviver com esses pequenos demônios saltando estômago adentro é necessário expor, ou melhor, narrar certos detalhes a fim de entender tudo o que se passa. A arte pode ser considerada como essa válvula de escape que ao mesmo tempo em que alivia, também tira a respiração (como um chute no meio da barriga). Dentro de um trabalho artístico não cabe apenas a beleza ou o feio,  mas também existe um lado escuro que reproduz o mais intrínseco da gente. A invenção de si e a subjetividade são a matéria base para a produção de um fanzine.

A palavra fanzine é comum entre os jovens desde a década de 60. É uma junção das abreviações de “fanatic” (fã) e “magazine” (revista). De acordo com o livro

A nova onda dos fanzines, publicado em 2004, por Henrique Magalhães, é um tipo de “publicação independente e amadora, geralmente de pequena tiragem e impressa em fotocópias ou pequenas impressoras”. Apesar de o surgimento remeter a década de 60, a ideologia que envolve esta criação é bem mais velha. Entre as principais características, temos a produção total na mão do artista, ou seja, quem desenha é também quem diagrama, escreve, imprime e comercializa o trabalho. O criador se porta de três formas durante a produção, sendo considerado como autor-editor (que trabalha como responsável pela composição do fanzine ou da revista, como coleta e colagem de texto até montagem), o autor-narrador (que produz os textos, sejam verbais ou não-verbais) e o autor-personagem (trata-se de alguém personificado dentro do texto, quando o produto expressa o subjetivo do autor).

A especialista em Arte-Educação pelo Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará, Fernanda Meirelles, define em sua monografia

que “é também uma obra de arte em si, dado o seu caráter pessoal, artesanal e criado de uma proposta estética”. Durante a produção de um fanzine, o autor pode se valer de diversos detalhes do produto para expressar qualquer relacionamento com o mundo. O “ser” pode ser visto no papel onde fora impresso, nas dobraduras e rasgos que apresenta, nos textos ou desenhos, na forma como se abre e até mesmo no modo como é divulgado (vendido, distribuído ou trocado). Trata-se de uma impressão no papel daquilo que fora sentido antes na pele, dessa forma é considerado por muitos autores como uma forte expressão da pessoalidade (ou do subjetivo).

Nas estrelas

Durante anos o fanzine esteve esquecido do popular brasileiro. O mercado cultural teve um crescimento e as novas tecnologias transferiram o título de ferramenta de divulgação para às redes sociais.Porém, atualmente, com as grandes editoras dominando às prateleiras das livrarias, autores considerados à margem desse meio retomam a prática de forma mais pessoal e experimental. O artista plástico, músico e fanzineiro, Pedro Kastelijns, dois livretos: o primeiro no ano de 2014 chamado URSA, confeccionado em parceria com Beatriz Perini; o segundo, o Taparatas, é uma coletânea de seis contos ilustrados e escritos por ele. Kastelinjs explica que o URSA “é uma coletânea de desenhos meus e de Beatriz, feitos ‘na correria’ para publicar algo durante o Festival Vaca Amarela de 2014, a pedida da Fósforo Cultural. A composição se deu na estrutura das páginas, que intercalavam um desenho meu e outra dela dentro de molduras”. Enquanto isso, o segundo fanzine, “é o resultado de um relacionamento com as estrelas”, diz Kastelijns.

Desaforos

A subjetividade do fanzine teve grande expressão durante a década de 60, quando eclodiam os movimentos de contracultura como os hippies e os punks. Dentre estes dois, os punks abusaram e usaram do formato para “explodir” seus sentimentos. Assim como nos outros momentos citados acima, o objeto também tinha a função de narrar o cotidiano das pessoas, ou seja, os sentimentos internos do movimento através das narrativas contidas no fanzine.

O fanzineiro, Júlio César, também é daqueles com um relacionamento bem próximo do formato. “Se bem me lembro já produzi pelo menos cinco, sozinho ou colaborando. Dois deles - Borra e Torcida - foram feitos em parceria com o Diogo Rustoff”, recorda. Além destes, Júlio também produziu o o Stickone, em parceria com seu amigo Stenio, de Brasília, o Esquizonioa, o Paranoia e Cabla a Boca e o Relação de poder. “Esses (os três últimos) são mais ‘jornalísticos’, mais voltados para um contexto de cena musical. Os focos foram resenhas de discos, entrevistas sobre música e sobre a política que envolve o punk e a cultura underground”. Sendo também um veículo midiático alternativo, o fanzine pode se portar como uma revista para divulgação de matérias independentes, da forma que Júlio o utiliza.

“O zine é livre né? Você não precisa se subordinar a nada. Só precisa fazer. Você tem o controle pra produzir o conteúdo que quiser, e distribuir onde e pra quem quiser. É uma consequência máxima daquele chavão do punk, o ‘Faça Você Mesmo’ (Do it yourself)”. A máxima citada por Júlio tem referência com a realidade do mercado cultural e os artistas. A estética do fanzine propõe que não se espere até que um editor leia e aprove seu trabalho, é necessário ultrapassar esse muro e produzir por conta própria. Sobre a subjetividade e direito de expressão do interior, Julio declara que “você não vai ficar rico com isso, mas ter o domínio sobre os processos poder um grande exercício de autonomia e libertação”. Assim, ele se torna uma forma de comunicação mais horizontal, dando palco para quem é considerado marginal no circuito cultural e também aqueles que estão nas pratilheiras das maiores livrarias, um fazine é o meio de comunicação mais democrático.

Em uma sociedade conhecida pela desigualdade social e pelo controle midiático na mão de grandes empresas, um espaço que privilegia o pessoal é extremamente válido. O fanzine também foi escolhido para compor o trabalha de conclusão de curso de Julio, no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. “Na apresentação do meu TCC de graduação, por exemplo, fiz um com significados de termos ligados ao meu objeto de estudo, como forma de facilitar a compreensão da banca examinadora sobre o tema. Quero dizer que é possível encaixar um fanzine, enquanto documento histórico e/ou livre na medida em que permite uma diversidade de tipos de linguagem em vários ambientes”. Ou seja, desde os primeiros momentos desse formato ele significou a livre expressão. Por isto e outros fatores, o fanzine acaba se tornando o símbolo de diversos movimentos culturais considerados marginais, sendo uma consideração errônea, pois o mesmo não se limita a um movimento: um fanzine é livre.

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