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“Precisa ser militar para ser bom?”

O servidor de saúde Antônio José de Alencar, 67, demonstra felicidade ao falar sobre a militarização do Colégio Estadual Waldemar Mundim, que fica em frente a sua casa na Vila Itatiaia, região norte de Goiânia. “Hoje é uma bagunça, o pessoal fica aí na porta fazendo baderna”, diz.

Ao contrário de Antônio, mais de 100 moradores da região se reuniram na última terça-feira (21/7) para discutir formas de impedir a militarização da escola. “Parece que teve uma reuniãozinha aí e a maioria foi contra ser militar. Vai ser besta”, reclama o morador.

No mês passado a Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) aprovou o projeto de lei que cria mais oito colégios militares em Goiás. Na capital, os colégios Waldemar Mundim, Jardim Guanabara e Miriam Benchimol serão militares a partir do próximo semestre.

Na prática, a medida significa a inclusão de 24 funcionários da Polícia Militar (PM) em cada instituição de ensino, a adequação a um novo regulamento interno e o pagamento de alguns itens como uniforme e matrícula, que custam cerca de R$ 300, além de uma taxa mensal a ser definida.

A auxiliar administrativa Célia da Cruz Amorim, 42, é mãe de uma estudante do Waldemar Mundim e está preocupada com as consequências da mudança. “A nossa região é de baixa renda, a maioria das famílias não tem renda fixa”, explica.

Célia vive no recente Setor Antônio Carlos, a oito quilômetros da escola, que é a mais próxima. “Se o governo quer que a gente paga, porque não fazer uma reforma melhor nas escolas, dar mais capacidade de ensino? Precisa ser militar para ser bom?”.



A servidora pública Janaína Machado, 34, moradora do Itatiaia também discorda da militarização. “Foi imposto, não foi conversado nada com a comunidade sobre a implantação da nova escola”, conta.

Ela diz se preocupar com o destino dos estudantes que não se adequarem ao perfil militar. “E esses alunos que não tem condição financeira, que trabalham e não podem ficar por conta do colégio?”

A Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) informou por nota que “caso o aluno não se adapte ao perfil da unidade militar, a Secretaria oferece a alternativa de transferência”.

A chamada “transferência educativa” é a penalidade máxima do colégio militar, ao estudante que descumprir seu regulamento disciplinar.

Disciplina

As regras do regulamento disciplinar são incomuns aos colégios não militares e também geram insatisfação a alguns pais dos estudantes. “As pessoas falam: ‘os alunos vão respeitar porque é policial’. Não penso dessa forma. Alunos são seres humanos e não tem que ser tratados como bicho”, defende Célia.

O regulamento do Colégio Militar Hugo de Carvalho Ramos, referência em Goiânia, considera falho - com gravidade mediana - o estudante que “dirigir memoriais ou petições a qualquer autoridade” acima do comandante da escola e usar óculos com armação ou lentes “esdrúxulas”. É avaliado como falta grave desrespeitar os símbolos nacionais ou participar de “manifestações de natureza política” com o uniforme do colégio.

Os alunos que não tem perfil não vão ficar. A partir do momento que eles não se encaixarem, onde eles vão aparecer? Eles vão procurar uma escola mais próxima”, diz o professor de história do Waldemar Mundim, Marcelo Vaz Souza. Ele diz acreditar que essa mudança vai gerar um impacto logístico em todas as escolas da região, já que 50% das vagas dos colégios militares são destinadas a famílias de militares.

Tanto Marcelo, quanto as moradoras Janaína e Célia fazem parte do grupo que está tentando impedir a militarização do Waldemar Mundim. “É um grande problema transformar em militar a única escola pública de ensino médio da região. Isso vai gerar consequências negativas e exclusão social”, analisa o professor. Para impedir a mudança, os moradores irão realizar um protesto em frente ao colégio, hoje (24/7) às 19 horas.

Sob nova direção

O comandante de ensino da PM, coronel Júlio César Mota Fernandes explica que ainda não assumiu os colégios por conta de tramites burocráticos. “Estamos aguardando algumas questões legais: A nomeação dos novos diretores, a publicação no diário oficial, formalidades”, explica.

Hoje termina o curso de nivelamento pedagógico da primeira turma de militares que irá atuar nos colégios. São ministradas aulas de psicologia da educação e sobre procedimentos para o funcionamento do colégio militar. “Os cursos estão acontecendo, logicamente, um pouco mais acelerados. Semana que vem nós começamos a segunda turma. Tão logo nós estejamos no controle da escola os professores também serão chamados e orientados”, diz o comandante.

Ele esclarece que existirá um prazo flexível para a compra dos uniformes. Por nota, a Seduce diz que uma equipe de assistência social da PM vai “analisar os perfis socioeconômicos dos alunos para avaliar a possibilidade de doação dos uniformes”.

Sobre os 50% das vagas serem destinadas para a família de militares, Júlio César confirma: “Todos os colégios nossos são dessa forma”, mas garante que esses 50% serão contados apenas para vagas futuras. “Não temos a pretensão de ser unanimidade, mas sempre fazemos tudo com o máximo de respeito, sem abrir mão daquilo que consideramos os eixos centrais”, completa.

Leia a reportagem completa no jornal de hoje (24/6).

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