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‘Reforma Trabalhista não criará novos postos de trabalho no País’

  • Pesquisadora, com formação em Coimbra, Portugal, diz que prevalência do negociado sobre o legislado beneficia capital
  • Professora-mestre da PUC [GO] afirma que terceirização é uma forma de precarizar as relações de trabalho  
  • Estudiosa do Direito do Trabalho contesta o liberal Rodrigo Maia [DEM-RJ], que quer o fim da Justiça Trabalhista 

A Reforma Trabalhista, em tramitação no Congresso Nacional, Brasília, Capital da República, não criará novos postos de trabalho, no Brasil. É o que afirma ao Diário da Manhã a advogada especialista em Direito do Trabalho e professora – mestre da Pontifícia Universidade Católica de Goiás [PUC-GO], Tatiana Riemann Costa e Silva, com formação na Universidade de Coimbra, Portugal, onde leciona o celebrado sociólogo Boaventura de Souza Santos, um dos ícones, hoje, da esquerda europeia.

- Com o estabelecimento do negociado sobre o legislado, o capital conseguirá, com maior facilidade, impor a sua vontade.

A pesquisadora contesta o presidente da Câmara Federal, o liberal Rodrigo Maia [DEM – RJ], que quer a extinção da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho cumpre o essencial papel de resolver conflitos entre empregados e empregadores, conflitos esses que nunca deixarão de existir, já que a relação entre o detentor do capital e o detentor do trabalho sempre será conflituosa, observa a operadora do Direito. Cáustica, ela insiste que a terceirização precarizará as relações de trabalho.

Diário da Manhã - Qual a sua análise sobre o projeto de Reforma Trabalhista em tramitação no Congresso Nacional?

Tatiana Riemann – A Reforma Trabalhista é necessária e positiva. Para dinamizar a relação entre empregado e empregador. A título de exemplo podemos indicar a possibilidade de fracionamento das férias, que é, correntemente, um pedido que vem do próprio empregado; o “acordo”, a pedido do empregado, para ser dispensado sem justa causa e a negociação entre empregada e empregador a respeito do horário de amamentação concedido à empregada lactante. Mas, a Reforma Trabalhista revela-se preocupante e uma possível ameaça aos direitos dos trabalhadores em pontos em que taxativamente retira direitos, tais como o fim da hora in itinere e a exclusão da natureza salarial de prêmios, abonos e gratificações não previstas em lei e, ainda, no ponto em que convenciona a prevalência do negociado sobre o legislado.

DM - Quais mudanças ocorrerão na CLT? 

Tatiana Riemann – A possibilidade de jornada de trabalho em regime de 12x36, qualquer que seja a atividade profissional; a regulamentação do teletrabalho; o fim da remuneração da hora in intinere; a possibilidade de contratação do trabalhador para prestação de trabalho intermitente; o fim da contribuição sindical obrigatória para os não associados ao sindicato; a prevalência do negociado sobre o legislado; a possibilidade de rescisão contratual via acordo; a possibilidade de homologação, pela Justiça do Trabalho, de um acordo realizado extrajudicialmente entre as partes e a exclusão da natureza salarial de prêmios, abonos e gratificações não previstas em lei.

DM - O que altera na negociação entre capital e trabalho com o estabelecimento do negociado sobre o legislado?

Tatiana Riemann – O capital conseguirá, com mais facilidade, impor sua vontade! Penso que a prevalência do negociado sobre o legislado, por si só, não deve ser rechaçada, mas sim condicionada a um cenário em que o empregado, parte mais fraca da relação, esteja fortemente representado para negociar em seu nome. E, a meu ver, nos dias atuais, não temos, regra geral, sindicatos suficientemente fortes e engajados na luta pelos direitos dos trabalhadores.

DM - O que os trabalhadores perdem com as mudanças na legislação? 

Tatiana Riemann – No que se refere à perda de direitos, podemos destacar as alterações relativas à jornada de trabalho. Propõe-se a regulamentação do teletrabalho   que seria aquele não realizado nas dependências do empregador, como o realizado em casa, por exemplo, muito comum hoje em dia  e prevê-se, expressamente, que neste caso não haveria direito a horas-extras. A retirada de direito, hoje garantido, de que o tempo despendido pelo empregado da sua casa até o posto de trabalho, ainda que situado em local de difícil acesso e não servido por transporte público, e sendo fornecido transporte pela empresa, não será computado como jornada de trabalho. A possibilidade de se contratar um empregado para prestação de trabalho intermitente, que seria aquele em que o empregado é remunerado estritamente pelo tempo que prestou serviço ao empregador, eliminando-se a garantia de um salário fixo mensal que hoje é pago ao empregado que não trabalhe efetivamente, mas esteja à disposição do empregador.

DM - A jornada de trabalho aumentará? 

Tatiana Riemann – Não. O limite da jornada de trabalho   8 horas diárias e 44 horas semanais   está fixado na Constituição Federal e, portanto, somente poderia ser mudado via Emenda à Constituição. O que a Reforma Trabalhista propõe é que, com base na prevalência do negociado sobre o legislado, seja permitido às partes negociar sobre a forma de cumprimento da jornada de trabalho, intervalos para descanso e feriados. Pretende-se, por exemplo, que para jornadas superiores a 6 horas o intervalo mínimo para repouso e alimentação possa ser reduzido de 1 hora para 30 minutos.

DM - O direito à greve está ameaçado? 

Tatiana Riemann – Não. O direito à greve é resguardado por lei própria, distinta da CLT, e não está sendo afetado. O que pode acontecer é que, caso haja um enfraquecimento por parte dos sindicatos, que são os intermediadores da greve, exista um enfraquecimento do movimento grevista. Particularmente, no entanto, não entendo que os sindicatos que hoje são verdadeiramente atuantes irão, a longo prazo, enfraquecer em virtude da perda da contribuição sindical obrigatória. Apenas irão desaparecer os sindicatos “de fachada”, que existem com a finalidade exclusiva de arrecadação do imposto.

DM - Os sindicatos perderão poder de negociação? 

Tatiana Riemann – Não. Ao contrário, pela Reforma Trabalhista os sindicatos passam a assumir maior protagonismo na relação entre empregado e empregador, uma vez que, regra geral, quando se fala em prevalência do negociado sobre o legislado está a se falar justamente do que for negociado pelo sindicato. O que se teme é um “esvaziamento” dos sindicatos, ante o fim da contribuição sindical obrigatória.

DM - A Reforma Trabalhista criará novos postos de trabalho? 

Tatiana Riemann – Entendo que, de um modo geral, não. Certamente ela favorece o incremento salarial ou o fim do chamado “pagamento por fora”, na medida em que exclui a natureza salarial, e, portanto, uma série de encargos, de algumas parcelas recebidas pelo empregado, como as gratificações não previstas em lei. Mas, pela vivência diária, não vislumbro o empregador sendo motivado a contratar mais empregados, exceto em uma situação, inclusive bastante polêmica e criticada, que é a do trabalho intermitente. Segundo essa modalidade, o trabalhador será contratado como empregado e, portanto, receberá todos os direitos inerentes, tais como garantia do salário mínimo hora, férias, décimo terceiro, FGTS e INSS. No entanto, ele receberá salário apenas pelas horas efetivamente trabalhadas, quando, uma vez convocado pelo empregador, manifestar concordância.

DM - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia [DEM-RJ], diz que a Justiça Trabalhista deveria ser extinta. A senhora concorda?

Tatiana Riemann – Discordo, absolutamente. A Justiça do Trabalho cumpre o essencial papel de resolver conflitos entre empregados e empregadores, conflitos esses que nunca deixarão de existir, já que a relação entre o detentor do capital e o detentor do trabalho sempre será conflituosa. E é primordial que exista uma Justiça Especializada para a solução desses conflitos porque, de fato, envolvem uma parte mais fraca   o empregado   que deverá ter especial atenção por parte do julgador. Isso não significa que a Justiça do Trabalho deva ser conivente   como, cada dia mais, tem mostrado que não é   com aqueles que litigam de má-fé, movendo a estrutura do Poder Judiciário em função de uma demanda calcada em mentiras.

DM - A Ministra do TST, Delaídes Arantes, contesta Rodrigo Maia e condena o teor da Reforma Trabalhista. O que a senhora pensa? 

Tatiana Riemann – A Reforma Trabalhista tem suas falhas, que devem ser corrigidas, mas não a vejo como integralmente prejudicial aos empregados. Acho que devemos estar abertos à mudanças.

DM - A terceirização pode precarizar as relações de trabalho, no Brasil? 

Tatiana Riemann – A terceirização, que em tese deveria ser utilizada no intuito de se obter uma mão de obra especializada, é, na prática, utilizada como forma de precarização da relação de trabalho. O que vemos diariamente no exercício da advocacia é que tomadores de serviço buscam as empresas terceirizadas com o intuito de economizar com os encargos da folha de pagamento e que as empresas terceirizadas, com uma margem de lucro muito achatada, descumprem a legislação trabalhista e previdenciária, prejudicando imensamente o trabalhador.

DM - Qual a sua análise geral sobre a Reforma da Previdência Social? 

Tatiana Riemann – A Reforma da Previdência é necessária, uma vez que é fato que a população brasileira está envelhecendo, o que faz com que aposentados e pensionistas recebam os benefícios previdenciários por mais tempo, e, por outro lado, está sendo reduzida a base de pessoas ativas que, através da contribuição previdenciária obrigatória, custeiam o pagamento dos benefícios aos inativos. As alterações propostas, no entanto, principalmente se observada redação original do projeto, implicam em mudanças excessivamente bruscas, podendo inviabilizar a aposentadoria de muitos trabalhadores. Muitas vezes se fala no modelo de países europeus para se defender a Reforma da Previdência tal como proposta, mas se esquece de que nos países adotados como modelo, o trabalho informal do autônomo ou o trabalho do empregado que não tem anotação da carteira de trabalho está em níveis muitas vezes menores do que no Brasil.

O que se teme é um “esvaziamento” dos sindicatos, ante o fim da contribuição sindical obrigatória


 Tatiana Riemann, advogada e professora 

Perfil 

Nome completo: Tatiana Riemann Costa e Silva

Idade: 33 anos.

Formação: Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal, Especialista em Direito pela FGV/Rio, Graduada em Direito pela PUC/GO.

Cargos e funções que exerce - Advogada e professora na PUC/GO

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