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ENTRETENIMENTO

BURITIS ALTOS, cabeceira da vereda

Na virada do século XVII para o século XVIII ocorreu no Brasil o declínio do ciclo do ouro. Após a descoberta de pedras preciosas em Minas Gerais, muitos exploradores migraram para o cen­tro do Brasil, inebriados pelo mito de uma cidade construída a ouro chamada de Eldorado. Foi com essa movimentação de pessoas que sur­giram os primeiros arraiais e povoa­dos do interior do Brasil. Podemos afirmar que uma parte relevante da sociedade brasileira nasceu do declínio do ouro, da decepção e da fantasia. Aos pés da Serra Geral, hoje o marco topográfico que divi­de os Estados de Goiás e da Bahia, havia o Arraial Velho. Do povoado só restam vestígios.

Em 1827, os irmãos portugue­ses Domingos e José Valente, vin­dos da Bahia em busca de ouro, se estabeleceram nas proximidades do Arraial. Eles traziam consigo uma imagem de São Domingos Gusmão, santo católico nascido em Calerue­ga, na Castela Velha, em 1170, que deu nome para a cidade, que seria estabelecida naquele local, e para o rio que a circunda. O fim do Arraial Velho e início da povoação da cidade de São Domingos ocorreram com o fim da corrida do ouro e o surgimen­to das atividades agropecuárias. Em 1835, com a lei provincial nº 14, São Domingos é elevado à categoria de distrito e depois, em 1854, torna-se um município goiano.

A saudade que me dependeu foi de Otacília. Moça que dava amor por mim, existia nas Serras dos Gerais – Buritis Altos, cabeceira da vereda –, na Fazenda Santa Catarina.”

Trecho do livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

Esse mesmo declínio é percebi­do em outros arraiais goianos no fi­nal do período de extração do ouro. Com a escassez de jazidas e esgota­mento de minas de ouro, toda a eco­nomia estava abalada. O ouro era a principal fonte de renda no sertão brasileiro durante o século XVII, era o fio condutor que levava os garim­peiros para estas regiões inóspitas. Desta forma, com a falta de um mo­tor econômico, também ocorria fal­ta de alimento e outros produtos de subsistência. O declínio dos arraiais está diretamente ligado ao fim da corrida do ouro. Talvez pela estru­tura com que eram erguidos (sem­pre com caráter provisório), ou pela própria ideologia dos habitantes, que ficavam na região até extrair a quantidade máxima de pedras pre­ciosas e depois partiam para outra região mais lucrativa.

FIM DO CICLO

Atualmente, a cidade de São Do­mingos não parece parada no tem­po, de uma maneira necessária. Com o declínio do ouro, a socieda­de passou a investir no cultivo de produtos de subsistência e na cria­ção de animais. A vida no campo, cercada pelo visual da Serra Geral e pelas águas do São Domingos, pa­rece colocar a cidadezinha num pe­ríodo histórico pouco romantizado, a priori, à margem de grandes acon­tecimentos nacionais. Mas se enga­na quem acredita que o bonito só pode brilhar em dourado como uma pepita de ouro, ou que emoção, de choro ou riso, se faz na batalha e na guerra. O jeito simples do sertane­jo, a feição rústica e o jeito jocoso de falar da vida foram o mote do gran­de clássico brasileiro Grande Ser­tão: Veredas com cenas e embates ambientados na divisa dos Esta­dos da Bahia, Goiás e Minas Gerais.

O escritor Guimarães Rosa é considerado um dos maiores cria­dores da língua nacional exatamente por demonstrar a beleza estrutu­ral da fala do sertanejo: o brasileiro realmente típico, muitas vezes re­cluso em locais distantes da zona urbana. Na obra de Rosa, encon­tramos (talvez de maneira inédita) o desenho de um Brasil mítico e ao mesmo tempo duro, narrado a par­tir da voz de uma figura original­mente brasileira, um neto dos ga­rimpeiros, um filho de vaqueiros. Na região das Serra Geral, próximo à nascente do São Domingos, entre os buritis e veredas, ocorre boa parte do romance Grande Sertão: Veredas. Foi também nessa região que grava­ram parte da minissérie homô­nima ao livro, exibida original­mente em 1985 pela TV Globo. A região era um ponto de partida de boiadas e vaqueiros que cam­peava o gado no sertão brasileiro.

NATURALMENTE BELO

A cidade de São Domingos está localizada a 641 km de Goiâ­nia e a 485 km da capital federal. Algumas horas de carro mostram que a paisagem natural do Esta­do se divide entre manchas de cerrado e vastas plantações de  soja, milho e algodão. Apesar dis­to, no caminho, diversas placas si­nalizam entradas para algum sítio arqueológico ou ponto turístico na­tural, como a Serra das Araras, por exemplo. Chegando em São Domin­gos passamos sobre uma ponte que faz a travessia acima do lago muni­cipal. Quase todas as nascentes da região se encontram nas Veredas, nos pés da Serra Geral, formando um verdadeiro quadro com buriti­zais brotando entre águas cristalinas.

MÁRCIO

Gente vê nação desses, para lá fundo dos gerais de Goiás, adonde tem vagarosos grandes rios, de água sempre tão clara aprazível, correndo em deita de cristal roseado.”

Trecho do livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

A região do município de São Domingos e entorno conta com di­versas Unidades de Conservação. Entre elas, a Reserva Extrativista Ser­ra das Araras, Floresta Nacional da Mata Grandes e o Parque Estadual de Terra Ronca, considerado um dos maiores complexos de caver­nas da América Latina. O Parque Estadual Terra Ronca possui cerca de 57 mil hectares de áreas de con­servação, com cerca de 270 caver­nas já catalogadas e expectativa de que haja mais de mil cavidades na região. Atualmente, o parque conta com cinco cavernas abertas para a visitação turística, são elas: Caverna Terra Ronca I, Caverna Terra Ronca II, Caverna Angélica, Caverna São Bernardo e Caverna São Mateus.

Esta matéria é parte de uma re­portagem especial sobre a região das Serras Gerais, Parque Terra Ronca e cidade de São Domingos. Na quin­ta-feira (1º/03) outra publicação irá adentrar nas cavernas e na parte tu­rística da cidade, bem como a tenta­tiva dos moradores junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artísti­co Nacional (Iphan) para o tomba­mento cultural. Esse especial inau­gura uma série de reportagens sobre o interior de Goiás, olhando de ma­neira analítica as belezas e particu­laridades deste Estado.

Vereda em vereda, como os buri­tis ensinam, a gente varava para após. Se passava o Piratinga, que é fundo, se passava: ou no Vau da Mata ou no Vau da Boia­da; ou então, pegando mais por baixo o São Domingos, no Vau do José Pedro. Se não, subíamos beira desse, até as nascentes, no São Domingos. A ser importan­te, que se tinha de estudar, era avançar depressa nas boas pas­sagens nas divisas, quando mili­tar vinha cismado empurrando. É preciso de saber os trechos de se descer para Goiás: em debru­çar para Goiás, o chapadão por lá vai terminando, despenha”

Trecho do livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

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